Síria: russos avançam no jogo de poder
Tradução pelo Coletivo Vila Vudu
O reconhecimento formal na 3ª-feira (17/11), pelo Serviço Federal de Segurança da Rússia (ex-KGB), de que o avião A321 russo foi explodido no ar sobre o Egito em ato terrorista, torna-se ponto de virada nas operações militares da Rússia na Síria. O ministro da Defesa Sergey Shoigu relatou ao presidente Vladimir Putin que, em operações no mesmo dia, mais cedo, a aviação russa estratégica e de longo alcance conduzira ataques contra o 'estado islâmico'. É movimento enormemente simbólico do Kremlin.
Jornais citam palavras de Shoigu, informando ao presidente que "ataque aéreo massivo" havia começado contra alvos do 'estado islâmico' na Síria, e que o número de missões russas havia dobrado. Na 3ª-feira, 12 bombardeiros Tu-22 atingiram Raqqah; bombardeiros estratégicos Tu-160 e Tu-95MS dispararam 34 mísseis cruzadores contra alvos estratégicos em Aleppo e Idlib (Independent).
O timing é significativo – depois do encontro de Putin com o presidente Obama dos EUA, no sábado, na Turquia. Moscou esperou até depois da esperada conversa com Obama, e agora propõe força muito maior nas operações na Síria. Claramente desistiu de continuar a esperar por resposta positiva aos seus repetidos convites para que os EUA se coordenassem com eles.
Não houve júbilo algum em Moscou depois do encontro Putin-Obama. Moscou sente que Washington continua a brincar de gato e rato. Na conferência de imprensa na Turquia, nas laterais do G20, Putin soava em parte estoico e exasperado, em parte realmente irritado. Disse que "Estabelecemos que o financiamento [para o 'estado islâmico'] vem de 40 países, vários deles incluídos no G20".
Disse, sem dizer, que os EUA não são transparentes na sua dita luta para "degradar e destruir" o 'estado islâmico', e observou com sarcasmo que o 'estado islâmico' tem total liberdade para aumentar a própria 'renda', vendendo petróleo:
"Mostrei aos
nossos colegas as fotos que temos, do espaço e de aviões, que mostram
claramente a escala do comércio ilegal de compra e venda de petróleo e
derivados. A fila de veículos a motor para serem reabastecidos estende-se por
dezenas de quilômetros, tão longa que, fotografada da altura de 4-5
quilômetros, a fila desaparece no horizonte
Foi o mais perto que Putin chegou de expor o duplifalar dos EUA sobre a ameaça dos terroristas do 'estado islâmico'.
Diferente de Putin, contudo, o ministro Lavrov, das Relações Exteriores não mediu palavras em entrevista pela TV, na 3ª-feira, quando acusou os EUA de usarem o 'estado islâmico' como ferramenta para enfraquecer o governo do presidente Bashar al-Assad. Nas próprias palavras de Lavrov,
"O problema
com a coalizão liderada pelos EUA é que, apesar de dizerem que o objetivo deles
é combater contra exclusivamente os terroristas do Estado Islâmico e outros
grupos, e de se terem comprometido a não atacar o Exército Árabe Sírio (...),
se se analisam os ataques feitos pelos EUA e sua coalizão contra posições terroristas
durante, já, um ano inteiro, chega-se necessariamente à conclusão de que sempre
foram ataques seletivos, eu diria, ataques para poupar, não para enfraquecer os
terroristas, e na maioria dos casos são ataques que 'evitaram' cuidadosamente
os terroristas que estivessem em posição de poder pressionar o Exército Árabe
Sírio."
"Parece gato
que quer comer o peixe, mas não quer molhar os pés. Eles querem que os
terroristas enfraqueçam Assad o mais rapidamente possível, para forçar o
presidente da Síria a renunciar de um modo ou de outro, mas não querem ver os
terroristas com força suficiente para tomarem o poder."
"Nossa opinião
quanto aos desenvolvimentos depois de iniciada a operação antiterroristas dos
EUA desde agosto de 2014 baseia-se no que estamos vendo; e não vemos
praticamente nenhum resultado concreto, a não ser que o 'estado islâmico'
cresceu muito nesse mesmo período, até hoje" (TASS, trecho aqui
traduzido).
É ataque frontal às políticas dúbias dos EUA para o conflito na Síria. E
o mais impressionante é que acontece 48 horas depois de Putin se encontrar com
Obama na Turquia. Pode-se deduzir que Moscou entendeu que o governo Obama, que
foi empurrado para posição de defesa pelos ataques dos terroristas em Paris,
divulga o encontro com Putin na Turquia, ao mesmo tempo em que, em campo,
quanto mais as coisas mudam, mais fica tudo como antes.
O déficit de confiança é palpável. A certa altura, Putin disse, na conferência de imprensa na Turquia, que os EUA
"têm medo de nos dar [aos russos] uma lista das áreas na Síria que não devemos atacar, porque temem que nós, imediatamente, atacaríamos esses locais, que os enganaríamos. Parece que nos avaliam pela noção de decência deles, diferente da nossa."
Putin revelou que a inteligência russa está em contato com grupos da oposição síria chamada 'moderada', os quais pediram que a Rússia os poupasse nos ataques. O que Putin disse, em russo cifrado, foi: "Firmamos esses acordos e os estamos cumprindo" [esses grupos da oposição esperam poder contar com apoio aéreo dos russos e] "estamos dispostos a lhes garantir nosso apoio".
Em termos diplomáticos, parece que a Rússia já passou a perna nos EUA e aliados e já roubou deles as joias da coroa, tudo isso enquanto avançam no processo sírio.
Na 3ª-feira, Putin telefonou ao presidente francês François Hollande e combinaram encontrar-se em Moscou dia 26 de novembro. Segundo notícia distribuída pelo Kremlin, Putin e Hollande discutiram as possibilidades de coordenação russo-francesa na luta contra o 'estado islâmico'. A declaração do Kremlin diz que "Ficou acertado, em especial, que se garantirão contatos mais próximos e coordenação de atividades entre as agências militares e serviços de segurança dos dois países em operações contra estruturas terroristas levada a efeito por Rússia e França na Síria."
O telefonema de Putin aconteceu depois de discurso absolutamente inusual de Hollande ao Parlamento Francês, na 2ª-feira, no qual o presidente francês conclamou EUA e Rússia a "unirem-se às nossas forças" numa coalizão para destruir o 'estado islâmico'. Hollande pediu uma "coalizão una e ampla" contra os terroristas e passou 'um sabão' na "comunidade internacional" por ter-se mantido "dividida e incoerente" por tanto tempo.
Duas coisas destacam-se em tudo isso. (1) A Rússia não está mais esperando que EUA lhe deem a mão e ajudem na luta contra os terroristas do 'estado islâmico' (e fica por decidir se muda ou não muda a posição do Kremlin quanto ao destino de Assad); e (2) a iniciativa na Síria (e o destino do presidente Assad) está escapando rapidamente por entre os dedos dos EUA.
O porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov disse na 3ª-feira que
"A posição da Rússia quanto ao futuro de Assad é que ninguém pode determinar se ele sai ou não sai. O futuro de Assad e o futuro do governo sírio só podem ser decididos pelo povo sírio."
(O vice-ministro de Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir Abdollahian avançara um passo na na 2ª-feira quando disse que "só o próprio presidente Assad pode decidir sobre se participará ou não, como candidato, em futuras eleições; e só o povo sírio pode decidir se o reelegerá ou não".)
Peskov avaliou como positivo, até aqui, o trabalho do Grupo Internacional de Apoio à Síria [orig.International Syria Support Group]. "Há esforços em andamento. Ainda há muito por fazer. Esperemos que as coisas desenvolvam-se conforme a agenda."
Paradoxicalmente, Obama é prisioneiro da política obsessiva de seu próprio governo, de 'isolar' a Rússia. A única coisa que conseguiram foi isolar Obama e os EUA na arena internacional. Não há dúvidas de que Putin ganhou o dia, na reunião do G20. Erdogan da Turquia e o rei Salman da Arábia Saudita já têm audiência marcada em Moscou. E Putin visitará Teerã na próxima 2ª-feira.
M K Bhadrakumar foi
diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União
Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão
e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança
para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia
Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e
muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff
BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor,
jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
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