ARÁBIA SAUDITA,
UM REINO TRÔPEGO
por Conn Hallinan
tradução mberublue
A Arábia Saudita
tem agido cuidadosamente pelas últimas oito décadas.
Através do uso de
seu enorme patrimônio em petróleo, a Arábia Saudita disseminou sorrateiramente seu
entendimento ultraconservador do que significa o Islã através do mundo muçulmano,
corroendo secretamente regimes seculares em toda a região, mantendo-se o tempo
todo prudentemente nas sombras, enquanto outros lutavam e morriam. Foi o
dinheiro saudita que abasteceu os Mujahedin no Afeganistão, sustentou a invasão
de Saddam Hussein contra o Irã e financiou movimentos e grupos terroristas
desde o Cáucaso até o Hindu Kush.
Atualmente, esta
diplomacia cautelosa está em ruínas e a Casa de Saud se vê mais vulnerável que
em qualquer outra época desde a sua fundação em 1926. Colocar à luz as causas
do corrente acidente de percurso dos sauditas é um completo estudo de quão
facilmente a húbris, a ilusão e a incapacidade à moda antiga podem exaurir até
mesmo patrimônios aparentemente inesgotáveis.
O primeiro tropeço
do Reino Saudita foi a decisão tomada no último outono de enfraquecer seus
competidores através do aumento de produção combinado com a queda do preço do
petróleo. O raciocínio foi que se o preço do barril de petróleo caísse de $100
dólares para algo por volta de $80 dólares isso dificultaria a competição de outras
fontes mais custosas e de novas tecnologias, incluindo a indústria do fracking
nos Estados Unidos, o Ártico, e produtores emergentes como o Brasil. Caso tal
situação se materializasse, permitiria que Riad recuperasse o seu mercado de
energia que diminuía dia após dia.
Haveria também um
benefício adicional: a queda drástica no preço do petróleo poderia prejudicar
países odiados pela Arábia Saudita: Rússia, Venezuela, Equador e Irã.
Em certo sentido
acabou funcionando. A indústria americana de fracking está minguando, a
exploração canadense de areias betuminosas tornou-se lenta e muitos poços no
Ártico simplesmente encerraram atividades. Acrescente-se que de fato, países
como Venezuela, Equador e Rússia estão com sérios problemas econômicos. Porém,
apesar dos óbvios sinais, os sauditas não tiveram a capacidade de antecipar a
queda econômica do crescimento chinês e como isso repercutiria, arrefecendo o
crescimento econômico das principais nações industriais. O preço do petróleo
foi de $115 dólares em junho para $44 dólares atualmente. Como é muito puro, o
custo para a extração do petróleo saudita é de apenas $10 dólares.
O Reino planejava
na realidade usar suas reservas financeiras de quase $800 bilhões de dólares
para fazer frente à queda nos preços, mas não previa que o petróleo caísse além
de $80 dólares o barril, e mesmo assim, pensava que a queda duraria poucos meses.
Para equilibrar
seu orçamento, de acordo com o Financial
Times, a Arábia Saudita precisa que o preço do barril de petróleo fique
entre $95 e $105 dólares. Mesmo se levando em conta que o preço do petróleo
deve seguir subindo nos próximos cinco anos, as projeções são de que o preço do
barril deverá ficar a cerca de $65 dólares. A dívida da Arábia Saudita deverá
crescer de uma taxa de 6,5% do PIB este
ano, para a de 17,3% no próximo ano. O déficit no orçamento de 2015 chegará a
130 bilhões de dólares.
A Arábia Saudita
está gastando 10 bilhões de dólares a cada mês de suas reservas internacionais
para pagar as contas e foi forçada a contrair empréstimos no mercado financeiro
internacional. Duas semanas atrás o diretor regional do FMI, Masud Ahmed,
alertou Riad de que se continuar a gastar nesse ritmo, deverá esgotar suas
reservas internacionais em cinco anos. A solução seria um corte drástico no
orçamento.
Mas o Reino não
pode fazer isso.
Quando teve início
no Oriente Médio a Primavera Árabe, a Arábia Saudita a enfrentou injetando 130
bilhões de dólares na economia, aumentando salários, melhorando os serviços
públicos e providenciando empregos para sua crescente população. A Arábia
Saudita tem uma das populações mais jovens do Oriente Médio, muitos deles
desempregados e com educação precária. Cerca de 25% da população vive na
pobreza. Por enquanto, o dinheiro sustenta a situação, mas por quanto tempo, mesmo
sabendo o grau de repressão que caracteriza a vida política saudita?
Sob o pretexto de que o Irã estava por trás de
uma guerra civil no Iêmen, conclusão com a qual nem os (norte)americanos
concordam, a Arábia Saudita se lançou a uma intervenção no país, com guerra
aérea, bloqueio naval e campanha no terreno.
Mais uma vez, os
sauditas erraram no cálculo, embora um de seus maiores aliados, o Paquistão,
trnha alertado Riad de que eles estavam procurando sarna para se coçar. A húbris saudita foi alimentada em parte pela
ilusão de que o apoio dos Estados Unidos faria com que a guerra fosse de curta
duração – os (norte)americanos estão armando os sauditas, suprindo-os com alvos
certos para bombardeio, apoiando um bloqueio naval e abastecendo seus aviões no
ar.
Acontece que seis
meses depois do início dos conflitos, estão todos em um stalemate (xeque contínuo – NT). A guerra já matou
5.000 pessoas, das quais 500 são crianças, arrasou cidades e afastou grande
parte da população local. Além disso, gerou uma crise médica e de alimentos,
assim como criou oportunidades para que a Al-Qaeda e o Estado Islâmico
conquistassem grandes porções de territórios no sul do Iêmen. Esforços da ONU
para investigar a possibilidade de terem ocorrido crimes de guerra foram
bloqueados pela Ará bia Saudita e pelos Estados Unidos.
Como os sauditas
estão descobrindo da maneira mais dolorosa, a guerra é uma coisa muito
dispendiosa. A Arábia Saudita poderia suportar os custos de uma guerra como
esta, em circunstâncias normais, mas não quando o preço de sua única fonte de
renda, a commoditty petróleo, está caindo.
Diga-se que o
Iêmen não é a única guerra na qual os sauditas estão envolvidos. Assim como
outras monarquis no Golfo, Riad, juntamente com Qatar e Emirados Árabes Unidos
estão por trás de muitos dos grupos que lutam na Síria tentando derrubar o
governo de Bashar Aa Assad. Quando as manifestações contra o governo começaram
em 2011 os sauditas, ao lado dos (norte)americanos e turcos – calcularam que
Assad cairia em poucos meses.
Mas tudo parece
estar cheio de toques de magia. Por mau que Assad seja retratado, um enorme
contingente de sírios, em particular minorias como shiitas, cristãos e drusos
parecem ter mais medo dos islâmicos como a Al Qaeda e do Estado Islâmico que de
seu próprio governo. Assim, a guerra continua a grassar por mais de quatro anos
e cerca de 250.000 pessoas já foram mortas.
Novamente, os
sauditas erraram em seus cálculos, desta vez praticamente sozinhos. O governo
sírio se revelou um adversário mais resiliente do que parecia. A insistência da
Arábia Saudita em derrubar Assad acabou por trazer para a cena de batalha o Irã
e a Rússia, colocando em xeque uma intervenção direta através da coalizão anti Assad.
Tentar estabelecer uma zona de exclusão aérea no cenário atual implicará na
certeza de ter que enfrentar a força aérea russa, que é coisa que ninguém quer,
a não ser postulantes a candidatos presidenciais dos Estados Unidos.
A Guerra terminou
por gerar um dilúvio de imigrantes, alarmando profundamente a União Europeia,
que agora parece estar disposta a dar ouvidos às palavras de alerta de Moscou,
sobre as consequências de derrubar governos sem um plano de ação para o dia
seguinte. Não há nada melhor que milhões de refugiados prontos para invadir seu
país para fazer com que você repense suas metas estratégicas.
O objetivo saudita
de isolar o Irã entrou em pane rapidamente. O P5+1 – Estados Unidos, Rússia,
Reino Unido, França e Alemanha – completaram com sucesso um acordo nuclear com
Teerã, apesar dos esforços insanos de Arábia Saudita e Israel para impedir o
acordo. Em seguida, apesar da resistência de Washington e apenas por causa da
insistência de Moscou, houve concordância em incluir o Irã nas conversações de
paz para a Síria.
A descoberto na
Síria, travado no Iêmen, com suas finanças cada vez mais frágeis, o Reino também
tem que lidar com uma agitação interna da minoria Shiita, há muito tempo marginalizada
no leste e sul do país. Para culminar, o Estado Islâmico está pregando por uma “liberação”
de Meca das mãos da Casa de Saud e lançou uma campanha de bombardeio dirigida
contra os Shiitas do Reino.
O desastre do Haji
do último mês onde morreram mais de 2.100 peregrinos – desencadeando a raiva
contra as autoridades sauditas que deixam a investigação da tragédia se
arrastando sem solução – acrescentou-se às tribulações da família real saudita.
Os sauditas afirmam que morreram apenas 769 pessoas, entendimento que não foi
aceito por nenhum país no mundo. Há rumores cada vez mais insistentes de que o
desastre foi causado quando a polícia bloqueou uma área para permitir que altos
membros da família real tivessem acesso aos locais sagrados.
Alguns desses
passos em falso podem ser atribuídos à condução do Reino pelo novo Rei, Salman
bin Abud-Aziz Al Saud, e à jovem geração de jovens sauditas agressivos que ele
colocou nos postos chaves do Reino. Mas os problemas da Arábia Saudita convidam
também a uma reflexão sobre as transições que ocorrem no Oriente Médio. Quando
exatamente isso vai acontecer ainda não está claro, mas as mudanças estão no
horizonte.
Pouco a pouco o
Irã está saindo de seu isolamento, e com base em sua grande e bem educada
população, base industrial forte e abundantes recursos em energia, está pronto
para desempenhar forte papel no âmbito regional, se não internacional. Na
Turquia, há uma agitação política crescente, oposição cada vez mais ferrenha
entre os turcos sobre a intromissão de Ancara na guerra civil da Síria.
Por outro lado, a
Arábia Saudita está presa em suas próprias políticas, tanto no exterior quanto
no ambiante doméstico. “o contrato social entre a família real saudita e seus
cidadãos se torna cada vez mais caro, e tornará difícil, se não impossível de
sustentar sem a recuperação dos preços do petróleo”, disse para o jornal New York Times Meghan L. O’Sullivan,
diretor de Geopolítica do projeto de Energia em Harvard.
No entanto, a Casa
de Saud não tem alternativa a não ser continuar a extrair cada vez mais
petróleo para pagar suas contas externas e internas. Isso faz com que o preço
do petróleo caia cada vez mais, dado o excesso de oferta e, quando o Irã entrar
no mercado de venda de petróleo ao caírem as sanções, o excesso de petróleo no
mercado vai aumentar ainda mais.
Mesmo sendo
imensamente rico, também imensas são as contas a pagar e a vencer. Não está
claro se o Reino terá condições ou capital para honrar todas elas.
Conn Hallinan
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