Há um objetivo comum
entre o Estado Islâmico e as potências intervencionistas: a guerra perpétua
O Professor da Universidade York, Sabah Alnasseri discute a estratégia do Estado Islâmico e atores regionais na sequência dos ataques em Paris – 19 de novembro de 2015 (entrevista concedida para Jessica Desvarieux, da TRNN).
Bio
Sabah
nasceu em Basra, Iraque, e obteve seu doutorado na Universidade Johann-Wolfgang
Goethe em Frankfurt, Alemanha. Ensina política e economia do Oriente Médio no
Departamento de Ciências Políticas da Universidade York em Toronto, Canadá.
Suas publicações cobrem vários tópicos desde a Economia Política Marxista, Estado
Marxista no viés de Gramsci, Poulantzas e Althusser, Teoria da Regulação e
Política e Economia do Oriente Médio.
Transcrição.
JESSICA
DESVARIEUX, PRODUTORA, TRNN: Sejam bem vindos à Real News Network. Sou Jessica
Desvarieux, desde Baltimore.
Muitas das
noticias na quinta feira deram ênfase para um vídeo recentemente revelado do
Estado Islâmico onde ameaçam atacar as maiores cidades (norte)americanas como
Nova Iorque. Mas o prefeito de Nova Iorque, Bill de Blasio disse que não
acredita, cito, em ameaças específicas e factíveis contra Nova Iorque, e pediu
à população que sigam com suas vidas normalmente.
Muitas pessoas
afirmam que estes vídeos fazem parte de uma estratégia do Estado Islâmico para
causar medo. Mas o que existe nessas ameaças, além da estratégia? Para
responder a esta questão, temos aqui o professor Sabah Alnasseri. Sabah é
professor de Ciência Política na Universidade York, na Canadá. Obrigada por se
juntar a nós, Sabah.
SABAH ALNASSERI: É
bom estar aqui com você, Jessica.
DESVARIEUX: Então,
vamos direto para a estratégia do Estado Islâmico. Você poderia apenas expor
para nós alguns dos principais objetivos do Estado Islâmico no que diz respeito
aos ataques acontecidos em Paris, assim como suas metas relacionadas à Síria e
ao Iraque?
ALNASSERI: Certo.
Então começarei com isto, quer dizer, com o recente ataque em Paris, que é tão
produto do Estado Islâmico quanto de Paris. O que quero dizer com isso é que o
Estado Islâmico explora e se utiliza da criminalização, inferiorização e
desumanização das nações aliadas para com os jovens muçulmanos e a população
árabe na Europa. Especialmente na França, um dos Estados Mais racistas da
Europa. Assim, eles se utilizam dessa alienação dos jovens muçulmanos. Dão a
eles uma sensação de poder, e um sentido na vida, que seria a vingança contra a
mesma sociedade que os excluiu através da descriminação racial. Esta é parte da
estratégia do Estado Islâmico, a qual significa que os ataques em Paris
esclarecem mais sobre o relacionamento da França com sua comunidade de
imigrantes, que sobre a violência do Estado Islâmico.
Claro, o Estado
Islâmico, você sabe, e eu já conversei sobre isso com Chris Hedges, é um
movimento de colonização por assentamentos, similar ao de Israel, porque essa é
a única maneira de sustentar seu Estado, através da perpetuação do conflito.
Estender o conflito. Pense sobre os Estados Unidos, nos anos 70s, quando
parecia que estava perdendo a guerra do Vietnã. Também parecia ser possível uma
solução pacífica para o conflito no Vietnã. Os Estados Unidos estenderam a
guerra até o Camboja precisamente para impedir qualquer possível solução
pacífica para o conflito.
Então o Estado Islâmico
utiliza as mesmas táticas através da extensão da guerra do Iraque para a Síria
e outras partes, na tentativa de sustentar a existência de seu Estado, sabendo
que qualquer solução pacífica ou na Síria ou no Iraque, com uma troca de forças
políticas, pode significar a ruína do Estado Islâmico. Assim, eles,
logicamente, precisam perpetuar e estender o conflito.
DESVARIEUX: Muito bem.
Sabah, vamos mudar o foco e falar sobre a estratégia do ocidente ao lidar com o
Estado Islâmico, especificamente os Estados Unidos. Nós sabemos que há um
bombardeio contínuo acontecendo na Síria e o presidente Barak Obama falou sobre
sua estratégia. Vamos
escutá-lo:
PRESIDENTE BARAK
OBAMA: Temos uma estratégia abrangente, com o uso de todos aos elementos que
podemos. Inteligência militar, desenvolvimento econômico, e o fortalecimento de
nossas comunidades. Sempre soubemos que esta seria uma campanha de longo prazo.
DESVARIEUX: Acabamos
de ouvir o presidente admitindo que esta será uma campanha de longo prazo. Há
quem a chame de infinita. O que você pode dizer sobre esses comentários do
presidente, Sabah, e esclareça também se você acha que este tipo de plano faz
com que o ocidente se torne mais vulnerável a um ataque?
ALNASSERI: Sim.
Quer dizer, isto é – esta foi uma das três coisas que me surpreenderam em
relação aos ataques em Paris. Deixe-me começar com a terceira surpresa. A previsibilidade
das reações dos Estados Ocidentais desde os acontecimentos de 9/11. Daí, sempre
que acontece um ataque, ouviremos sempre as mesmas coisas, sobre mais
militarização, intensificação dos conflitos, envio de mais tropas (inaudível),
armas, e vamos para uma guerra prolongada, uma guerra sem fim. Esta é a
mensagem. A mensagem informa ao povo que se prepare para uma forma interminável
de violência política. Nós precisamos sustentar este estado de coisas através
deste tipo de mensagem, exatamente como o Estado Islâmico precisa sustentar seu
Estado (inaudível) elementos.
Daí fica tudo como
estava. Como você pode ver, o problema é que – e mais uma vez, e esta foi uma
de minhas surpresas em relação ao ataque em Paris, sobre a previsibilidade das
reações ocidentais, foi ver que um dos perpetradores do atentado tinha um
passaporte sírio. Ou foi o que disseram. Claro que esse fato provocou uma
reação de criminalização em massa, com atos racistas dentro da Europa e dos
Estados Unidos. Todos os 26 estados e todos os candidatos republicanos falaram
contra a admissão de refugiados sírios nos Estados Unidos e na Europa.
Ocorre que esta é
apenas uma reminiscência da mentalidade colonialista, uma espécie de [deja vú]
fascismo ou nazismo como nos anos 30s. Digo isso porque quando os judeus eram
massacrados na Europa, você sabe, quando os regimes nazistas e fascistas
estavam cometendo o genocídio contra o povo judeu, nenhum dos Estados
ocidentais, os assim chamados estados civilizados, como Reino Unido ou Estados
Unidos, aceitou refugiados judeus. Na realidade, hoje acontece a mesma coisa,
como eu disse, estamos experimentando um deja vú em relação a aquilo, daquele
tempo.
A segunda surpresa
é a surpresa em si mesma, que o povo francês esteja surpreso por ter sido
atacado, considerando que sua pátria, de acordo com suas próprias declarações,
está em guerra contra o Estado Islâmico. A França se envolveu na guerra contra
a Líbia, em 2011. Em Mali, no Iraque e por aí afora. Então estou surpreso de
que o ataque tenha surpreendido os franceses.
Talvez a mais
importante delas seja a terceira surpresa, que é ver, apesar de todas as
intervenções, ocupações, massacres e/ou a deslocalização de milhões de pessoas
árabes e muçulmanas do Oriente Médio, ainda assim a absoluta maioria do povo do
Oriente Médio reage de forma pacífica. Não de forma violenta. Você vê 100.000
refugiados vindos do Oriente Médio. Mas não vêm para atacar a Europa. Se
viessem a Europa seria destruída. Mas na realidade, a Europa hoje parece um
paraíso de segurança, com uma situação de paz, pois os refugiados fugiram dessa
mesma violência que os parisienses estão enfrentando agora. Dessa forma, a
surpresa é que apesar de ter o povo árabe experimentado o terror em todas as
suas formas, violência, encarceramento etc, ainda assim são capazes de reagir
de forma tranquila.
São assim estas as
três surpresas, as quais me fazem pensar em algo muito importante.
Nomeadamente, o impulso para a (inaudível) guerra ao terrorismo. Por três
razões. Primeiro, porque desde 9/11 o terrorismo é sinônimo indissociável do
Islã. Assim, faz crescer a islamofobia. Não é possível diferenciar entre
muçulmanos bons e maus com (inaudível). Você vê, como eu disse, qual é a reação
no ocidente, EUA e Europa, ao criminalizar e culpar milhões de sírios por causa
de um passaporte. Como você vê o terrorismo se tornou intercambiável com o
Islã, e portanto, faz com que cresça a islamofobia.
Segundo, terrorismo
é um termo violento. Não é apenas o
(inaudível), mas também um julgamento. O que significa que ele cria ainda mais
violência e torna quase impossível para o povo ocidental simpatizer e criar
qualquer forma de solidariedade para com o povo do Oriente Médio.
E terceiro, o
terrorismo colocado dessa forma, nos faz esquecer o terrorismo de Estado, que os
países ocidentais estão praticando vis-a-vis do povo do Oriente Médio. É por
isso que penso que nós dever[íamos deixar de usar esse termo (não a palavra)
terrorismo para podermos ver e pensar sobre a situação com outros olhos.
DESVARIEUX: É
assunto definitivamente importante, deixar de usar esse nome terrorismo, como
você mencionou. Mas vamos falar sobre as maneiras que temos para derrotar e
destruir o Estado Islâmico. Porque é sobre isso que as pessoas querem saber, já
que, afinal de contas, eles são uma organização terrorista, quer dizer, eles
atacam civis. Não estou dizendo aqui que os próprios governos possam ser
considerados organizações terroristas, mas este já é outro assunto. Mas vamos
falar de alternativas específicas, reais, no curto e longo prazo para lidar com
o Estado Islâmico, especificamente.
ALNASSERI: Bem apenas
(inaudível) a solução já é óbvia há anos. Este é o problema. Mas nenhum dos
atores regionais o internacionais envolvidos estão interessados em uma solução
pacífica. Você vê isso claramente na Síria. Você sabe, desde 2011, 2012, há
várias opções para resolver o conflito politicamente. No entanto, as potências
regionais, você sabe, apoiam e armam e financiam todos os grupos extremistas
para perpetuar o conflito na Síria, porque o seu objetivo é uma mudança de
regime, não uma solução pacífica.
No Iraque é a
mesma coisa. A maneira de resolver o conflito é tão clara, tão óbvia. Deve-se simplesmente integrar política, econômica e territorialmente todos os
iraquianos declarados sunitas ao Estado. Em seguida, deixar que as próprias pessoas
cuidem do Estado Islâmico, que se defendam, como sempre fizeram. Só que também
quanto a isso não há vontade política de fazer dessa forma. Não há qualquer
estratégia para resolver de forma pacífica o conflito. O que temos em vez disso
é o aumento dos ataques e bombardeios, militarização crescente, tropas no
terreno. Claro que isso ocorre precisamente porque o ocidente quer mais é
perpetuar o conflito, a violência, a instabilidade em vez de resolver suas
diferenças e se livrar do Estado Islâmico.
Eliminar o Estado
Islâmico é relativamente fácil se alguém quiser realmente fazer isso, e há
muitas opções. Mas não vejo ninguém interessado nisto pelo menos até o momento.
DESVARIEUX: Entendo.
E essa má vontade que expomos aqui, eu penso, deve levar o povo destes países a
verem por si próprios e aprenderem um pouco mais sobre este assunto. Sabah
Alnasseri, muito obrigada por suas análises.
ALNASSERI: Jessica,
obrigado por me chamar.
DESVARIEUX:
Obrigada a você por se juntar a nós na Real News Network.
Fim da entrevista.
tradução por mberublue
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