Washington trabalha para
derrubar o governo argentino
Redobram
os esforços contra as reformas na América Latina
por Paul Craig Roberts / Mahdi Darius Nazemroaya
tradução: mberublue
Paul C Roberts –
Foi publicada pela Strategic Culture Foundation uma reportagem de Mahdi Darius
Nazemroaya sobre o esforço em curso levado a efeito por Washington e pela
inteligência argentina para derrubar a presidente reformista da Argentina.
Nenhum governo
reformista será tolerado por Washington na América Central e do Sul. Por
exemplo: a interferência de Washington em Honduras até conseguir derrubar seu
governo reformista foi legendária. Um dos primeiros atos de governo de Obama
foi a derrubada do presidente de Honduras, Manuel Zelaya. Aliado do presidente
reformista da Venezuela, Hugo Chavez, Zelaya, como Chavez, foi retratado como
sendo um ditador e uma ameaça.
Neste momento,
Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina estão na lista de governos a serem
depostos por Washington.
Por décadas,
Washington teve o que eufemisticamente chamava de “relações próximas” com o
exército hondurenho. Já na Venezuela, Bolívia e Equador, a aliança se dá com as
elites hispânicas, que tradicionalmente prosperam permitindo que os interesses financeiros
dos Estados Unidos saqueiem os países. Na Argentina, Washington aliou-se ao
serviço de inteligência argentina, que neste mesmo instante está trabalhando
com Washington e os oligarcas daquele país contra a presidente reformista.
Washington luta
contra as reformas até esmagá-las no intento de proteger a capacidade de saque
de seus interesses comerciais. Sobre seu tempo de serviço na América Central o
general dos fuzileiros dos Estados Unidos, Smedley Butler, disse: “Servi em todas as patentes, de Segundo
Tenente a General. Durante todo este período, gastei a maior parte do meu tempo
fazendo as vezes de ‘Leão de Chácara’ para as grandes empresas, para Wall
Street e banqueiros. Resumindo, eu não passava de um chantagista do capitalismo”.
Com a já
longamente documentada história da interferência dos Estados Unidos nos
acontecimentos internos de seus vizinhos do Sul, a charada é saber por que
esses países facilitam a derrubada de seus governos acolhendo embaixadas dos
EUA e permitindo que empresas norte americanas operem em seu território?
Sempre que um
processo político coloca no poder em qualquer destes países um líder que pensa
em colocar o interesse de seu povo em confronto com os interesses dos Estados
Unidos, este líder ou é derrubado através de um golpe ou assassinado. Para os
Estados Unidos, a América do Sul existe apenas para servir aos seus interesses,
e cuidam a cada instante para que isso continue exatamente assim. Com a aliança
eventualmente desenvolvida pelos EUA com a elite e o exército de determinado
país, as reformas sofrem um processo de sabotagem contínua.
Países que se
abrem para a entrada de embaixadas dos Estados Unidos, de seus interesses
comerciais e de ONGs fundadas nos Estados Unidos não perdem por esperar: mais
cedo ou mais tarde sua independência ou sua soberania será subvertida. Uma real
reforma na América Latina só acontecerá com a expulsão dos agentes do interesse
norte americano e com a desapropriação dos oligarcas.
A
politização da Investigação sobre a AMIA (Asociación Mutual Israelita Argentina):
pretexto para uma mudança de regime na Argentina?
Mahdi Darius Nazemroaya – A história
tem um jeito estranho de se repetir. Hoje a Argentina está passando por
processo semelhante ao acontecido logo depois da queda de Boris Yeltsin, nos
anos que se seguiram a 1999, quando Vladimir Putin assumiu o poder, tomando seu
lugar no Kremlin como presidente da Federação Russa. Enquanto tenta se safar do
jugo estrangeiro, o governo da Argentina em Buenos Aires tem consolidado seu
poder econômico e político.
No entanto, o governo
argentino tem sofrido a oposição ao mesmo tempo do velho regime e da oligarquia
que colaboram, ambos, com os Estados Unidos. Tais forças fazem oposição cerrada
contra os maiores projetos nacionais, como a renacionalização de grandes
companhias e o fortalecimento do Poder Executivo. Dessa forma, o confronto
entre a presidente argentina Cristina Fernandez de Kirchner e seus oponentes
são similares aos confrontos entre o Presidente russo Vladimir Putin com os
oligarcas e políticos russos que querem subordinar a Rússia a Wall Street e
Washington, assim como à Europa Ocidental, grandes centros financeiros.
Não se perde uma
oportunidade de enfraquecer o governo argentino. A presidente Fernandez de
Kirchner chegou mesmo a acusar publicamente seus oponentes domésticos e os
Estados Unidos e trabalharem em conjunto para a mudança de regime. Quando o
DAESH ou “Estado Islâmico” ameaçou matá-la em 2014, ela aludiu ao fato de que a
ameaça veio na realidade dos Estados Unidos, já que Washington é a entidade que
procura fazê-la desaparecer, assim como é quem está por trás do Estado Islâmico
e suas brigadas terroristas na Síria e no Iraque. (1)
A
morte de Alberto Nisman
O último capítulo da luta do
governo argentino começou em janeiro de 2015. No mesmo dia em que Israel matou
o General da Guarda Revolucionária iraniana General Mohammed Allahdadi dentro
da Síria, o antigo promotor especial Alberto Nisman foi morto por um tiro
disparado no lado de sua cabeça no banheiro de seu apartamento fechado em 18 de
janeiro de 2015. (2) Nisman tinha investigado o atentado a bomba em 1994 contra
um edifício de propriedade da AMIA – Asociación Mutual Israelita Argentina por
um período de dez anos. Em 2003 fora nomeado para a tarefa pelo Presidente Nestor
Kirchner, o marido já falecido da atual presidente.
Alguns dias antes, ele tinha
feito acusações contra a presidente da Argentina, Cristina Fernandez de
Kirchner e seu ministro do Exterior Hector Timerman, ele mesmo um judeu. Nas
palavras do New York Times Nisman
havia “lançado graves acusações”, (3) afirmando “que funcionários iranianos
teriam planejado e financiado o ataque; que o Hezbollah, aliado do Irã no
Líbano o havia executado; e que a presidente da Argentina, Cristina Fernandez
de Kirchner, e seus principais assessores tinham conspirado para encobrir o envolvimento
iraniano como parte de um acordo para o fornecimento de petróleo do Irã para a
Argentina.” (4)
Tendo fugido da Argentina
após a morte de Nisman, o jornalista judeu Damian Pachter jogou lenha na
fogueira desde Israel tendo mesmo escrito um artigo para o Haaretz que não foi apoiado por ninguém, mas mesmo assim muito
citado, no qual busca polemizar com o governo argentino. O artigo de Pachter
faz a Argentina parecer um país que vive à sombra do nazismo alemão ou de algum
regime fascista. Vejam alguns de seus comentários:
è Não
tenho ideia de quando voltarei para a Argentina. Aliás, nem sei se quero
voltar. O que eu sei é que o país no qual nasci não é mais o lugar feliz sobre
o qual meus avós costumam contar histórias.
è A
Argentina transformou-se em um lugar escuro dominado por um sistema político
corrupto. Ainda não entendi direito tudo o que me aconteceu nas últimas 48
horas. Mas nunca imaginei que meu retorno para Israel aconteceria desta forma.
(5)
Antes de seguirmos em
frente, deve ser acrescentado que nos dez anos de investigação de Alberto
Nisman, ele nunca chegou a acusar o Irã ou o Hezbollah. Acrescente-se que foi
revelado que Nisman consultou frequentemente os Estados Unidos sobre o caso
AMIA e que foi frontalmente acusado por Roland Noble, antigo presidente da
International Criminal Police Organization (INTERPOL) de ser um mentiroso em
relação a muitas das acusações que fez sobre o caso AMIA. (6)
A morte de Alberto Nisman
foi noticiada como suicídio. No entanto, o momento em que a morte se deu é
muito suspeito. Ele faleceu apenas algumas horas antes de depor no Congresso
Argentino. O governo argentino disse que o que aconteceu na realidade foi um
homicídio destinado a prejudicar o governo. (7) Essa assertiva se tornou
plausível tendo em vista que a morte de Alberto Nisman está sendo usada para
fins políticos, como munição para a tentativa de remoção do governo argentino.
A
quinta coluna na Argentina
O jornal The Guardian publicou um artigo em 27 de
janeiro de 2015 onde relata que a morte de Açlberto Nisman aconteceu “depois de
uma luta acirrada” entre o governo argentino e uma importante “agência de
inteligência, o que foi revelado depois da morte suspeita de Nisman, tendo a
presidente acusado espiões desonestos que tentam solapar o seu governo”. (8) A
partir da reportagem, alguns pontos importantes podem ser notados, entre os
quais os que segue:
è Funcionários
do governo acusaram diretamente alguns espiões que eles dizem que trabalhavam
junto com Nisman e ao qual forneciam gravações de escutas.
è Entre
eles estava Antonio Stiuso, o qual até o mês passado era o diretor geral de
operações para interceptação dos adversários políticos da presidente. Foi
demitido quando a presidente Cristina descobriu que ele estava trabalhando em
conluio com Nisman na construção de um caso contra ela. Acredita-se que esteja
agora nos Estados Unidos.
è Em
um discurso em cadeia de televisão – que pronunciou a partir de uma cadeira de
rodas depois de recente acidente – Fernandez criticou também Diego Lagomarsino,
o qual foi acusado na segunda feira de ter fornecido ilegalmente uma arma para
Nisman. (9)
O que se conclui de todas as
informações acima é que a segurança e a inteligência argentina desenvolvem
operações destinadas a derrubar seu próprio governo. Acrescente-se que Antonio
Stiuso e Nisman estavam trabalhando secretamente para estabelecer um caso que
possibilitasse a remoção de Kirchner do poder.
A quinta coluna está
presente na Argentina. Note-se que muitos dos indivíduos envolvidos neste caso
são elementos que restaram do período de ditadura militar na Argentina, a qual
colaborava intimamente com os Estados Unidos. Isso pode explicar porque se
acredita que Stusio tenha voado para os Estados Unidos. Além disso, este é o
motivo que levou o governo argentino a iniciar uma investigação sobre as
atividades de vários agentes da polícia federal que estavam monitorando Nisman
e porque decidiu substituir a Secretaria de Inteligência (SI – anteriormente Secretaria
de Inteligência do Estado ou SIDE) por uma nova agência federal de
inteligência. (10) “Todas essas coisas me levaram a tomar a decisão de remover
agentes que atuam desde antes da implantação da democracia”, afirmou a própria
Kirchner. (11)
“Nós precisamos trabalhar em
um projeto para a reforma do sistema de inteligência da Argentina a fim de clarificar
um sistema que hoje não está a serviço dos interesses nacionais”, declarou a
presidente Kirchner sobre as reformas. (12) Kirchner revelou ainda que a SI
estava trabalhando para minar seu governo e anular um acordo que a Argentina
tinha assinado com o Irã. O jornal Buenos
Aires Herald escreveu que a Presidente Kirchner asseverou que “desde o
instante em que foi assinado o Memorando de Entendimento com o Irã sobre o
episódio do atentado contra a AMIA em 1994, você pode notar que o acordo vem
sendo bombardeado a partir da SI (Secretaria de Inteligência).” (13)
A
Argentina é um front da guerra global de múltiplo espectro e a AMIA não passa
de um pretexto.
O caso AMIA foi politizado
em dois fronts. Um deles é a luta interna e o outro está no campo das relações internacionais.
Um grupo de oligarcas argentinos estão usando o caso AMIA para retomar o
controle sobre o país, enquanto por outro lado os Estados Unidos estão usando o
caso AMIA como mais uma ferramenta adequada, como aconteceu com os fundos
abutres, para pressionar a Argentina e interferir em seus assuntos internos.
As opiniões estão se
radicalizando dentro da Argentina enquanto os ataques são cada vez mais duros.
A morte de Alberto Nisman está sendo usada pelos adversários políticos do
governo argentino para demonizá-lo. A oposição está até se referindo a Nisman
como um mártir na luta pela democracia e liberdade no país, que supostamente
estaria sendo conduzido para um regime cada vez mais autoritário.
O confronto político na
Argentina sobre o atentado contra a AMIA reflete uma realidade muito mais
grave. O Irã não é o único alvo a ser atingido com a polarização sobre o caso
AMIA. Nem se trata de procurar justiça para as vítimas do atentado. China,
Russia, Cuba, Brasil, Venezuela, Equador, Bolívia e uma série de outros países
independentes também são alvos do que é na realidade uma guerra que se trava
entre os EUA e os países soberanos que resistem à influência dos Estados
Unidos.
O objetivo final dos Estados
Unidos é retomar sua influência perdida na Argentina, redirecionar suas
relações comerciais e controlar sua política externa. Isto inclui o fim das
medidas lançadas por Buenos Aires no sentido de retomar o controle sobre as
Malvinas (Falklands) da Inglaterra. As Malvinas estão situadas em uma região
rica em recursos energéticos no Atlântico Sul.
Além da guerra por recursos
que incluem as reservas de energia, a guerra de múltiplo espectro lançada pelos
Estados Unidos contra seus rivais vai cada vez mais em direção a um assalto à
agricultura do qual resultará a desestabilização dos preços dos alimentos e
eventualmente a fome. Além de uma ainda não explorada reserva de petróleo e gás
natural, a Argentina é uma potência agrícola. Controlar Buenos Aires seria útil
para os Estados Unidos.
Notas (em inglês):
[1] Mahdi Darius Nazemroaya, «Eagles of
Empire and economic terrorism: Are vulture funds instruments of US policy?» RT,
October 24, 2014.
[2] Almudena Calatrava, «Supporters doubt
Argentine prosecutor killed self», Associated Press, Janaury 20, 2015; Jonathan
Watts, «Argentinian government moves to dissolve domestic intelligence agency»,
Guardian, January 27, 2015.
[3-4] Isabel Kershner, «Journalist Who Reported
on Argentine Prosecutor’s Death Flees to Israel», New York Times, January 26,
2015.
[5] Damian Pachter, «Why I fled Argentina after
breaking the story of Alberto Nisman’s death», Haaretz, January 25, 2015.
[6] «Ex Interpol head Roland Noble: What
prosecutor Nisman says is false», Buenos Aires Herald, January 18, 2015.
[7-10] Jonathan Watts, Argentinian governments
moves», op. cit.
[11-13] «CFK announces plan to dissolve SI
intelligence service», Buenos Aires Herald, Janaury 26, 2015.
Paul
Craig Roberts / Mahdi Darius Nazemroaya