Um conto de duas
cidades: Lágrimas por Paris e silêncio pelas bombas em Beirute?
tradução por mberublue
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Governos do
mundo todo condenaram os ataques que aconteceram no subúrbio de Saint Denis,
ao norte da capital francesa no último dia 13 de novembro de 2015. Inquestionavelmente,
as mortes e a destruição que tiveram lugar em Paris são desprezíveis e
trágicas. No entanto, há questões que precisam ser respondidas, como parte de
uma importante discussão sobre a narrativa que está surgindo.
Colocar uma
bandeira francesa como forma de mostrar solidariedade pelo povo de Paris
empolgou grande parte do público internacional. Memes e símbolos de apoio
apareceram por todos os lados. Mostrar apoio a Paris tornou-se uma das
maiores tendências nas mídias sociais e nas capitais euro/atlânticas.
Um
conto de duas cidades e dois critérios.
Os ataques em
Saint Denis vieram um dia depois de ataques similares na área de Dahiyeh, no
sul de Beirute, em 12 de novembro de 2015. A destruição e as mortes em
Beirute foram similares e foram virtualmente ignoradas pelas mídias da
América do Norte e da União Europeia. É importante ressaltar isso, porque
significa que há dois critérios diferentes sendo aplicados.
O comportamento
da mídia e as mensagens que estão galvanizando as audiências não podem ser em
absoluto ignorados. Se os ataques terroristas em Beirute foram mesmo
mencionados, a imprensa empresa só o fez casualmente. Por outro lado, as
reportagens da imprensa corporativa sobre a tragédia que abalou Paris têm
mostrado preocupação e emoção pelos ataques acontecidos ali. Vítimas em
lugares como Bagdá, Mogadíscio, Damasco, Donetsk, Trípoli, Gaza e Sanaa são
vistas como não tendo interesse jornalístico.
Os canais de notícias estão
transmitindo continuamente imagens e reportagens sobre a violência em Paris,
enquanto políticos e oficiais através do Império (Norte)Americano já
começaram com seus impropérios, no processo de aumentar o medo e saturar de
emoção a opinião pública. O Facebook chegou mesmo a começar um serviço de
questionamento de seus usuários em Paris, para saber se estavam a salvo
através dessa checagem, mas nada disso foi providenciado para os usuários do
Facebook em Beirute. Será que este serviço foi disponibilizado para a
população de Bagdá, que está sofrendo ataques terroristas contínuos desde a
invasão ilegal do país pelos (norte)americanos em 2003?
Apenas para dar
um exemplo de como as emoções pessoais podem ser manejadas e influenciadas
relatamos que o cantor libanês/canadense Sari Abboud, conhecido pelo nome
artístico de Massari, que por acaso estava em Paris quando dos atentados,
ficou tão mergulhado no clima de infelicidade de Saint Denis ao ponto de
fazer uma declaração nas mídias sociais, afirmando que estava rezando por
Paris. Nada disse sobre o Líbano, esquecendo sua terra natal. Imediatamente,
um de seus fãs o interpelou, perguntando por que não orar pelas pessoas em
Beirute. Massari, que se deixou levar pela corrente das emoções do dia,
retirou as postagens rapidamente.
O terrorismo e
as atrocidades são definidos politicamente, não de forma isolada, mas em
conjunto com quem sofreu os atentados. Essas definições tentam qualificar quem
merece nossa preocupação e simpatia e quem não os merece. Existe um claro
significado que a União Europeia e líderes da Inglaterra, australianos,
franceses, canadenses e alemães declaram sua solidariedade com o povo
francês, mas relegam ao esquecimento Beirute e os povos da Líbia, Iêmen,
Somália, Iraque, Nigéria, Leste Ucraniano e Palestina.
Diferencial
político
As audiências
ocidentais foram inundadas com informações massivas sobre a tragédia em Paris
enquanto o terrorismo em Beirute ou foi ignorado ou minimizado. As coisas se
encaminharam dessa forma por uma razão. É uma questão do que interessa às
potências que seja projetado para o povo. Como parte dessa estratégia, há um
discurso subliminar implicando tacitamente que o que aconteceu em Beirute não
é uma tragédia, haja vista que o povo libanês não merece a simpatia global
tanto quanto o povo francês.
A forma de narrativa
acima mencionada é parte do processo de um discurso ilusório sobre a “Guerra
ao Terror Global”, que busca justificar as invasões e as incursões de
dominação sob o manto de termos humanitários. As vítimas do terrorismo em
Beirute são desprezadas e tornadas quase invisíveis porque as pessoas que
morreram em Beirute são um amontoado de pessoas de cidadania libanesa,
identidade árabe, fé muçulmana, confissão xiita, classe trabalhadora e
pessoas que vivem no mesmo espaço que uma entidade conhecida como apoiadora
do Hezbollah. As vítimas entre os civis em Beirute são pessoas essencialmente
condenadas a ocupar um lugar bem baixo na escala de valores da humanidade que
suas contrapartes em Paris. Seus crimes são a acumulação no tempo do que eles
são e representam.
Nos Estados
Unidos, um candidato da Pennsylvânia ao senado dos EUA, Everett Stern,
escreveu inúmeras vezes que apoia os atentados em Beirute. No Twitter, ele declarou: “Boas Novas!!! Espero que
terroristas do Hezbollah tenham morrido”. Quando
confrontado, Stern classificou o ataque em Beirute como um ataque contra o
Hezbollah.
O Hezbollah está
lutando contra os esquadrões da morte do Daich (ISIL/ISIS), enquanto o
governo da França os apoia.
Além disso, o
padrão histórico de como esses acontecimentos são manipulados também não
podem ser ignorados. A cada vez que ocorrem ataques e os governos juntamente
com a mídia de massa inundam a sociedade de informações, as informações
sempre são direcionadas à promoção de interesses bem definidos. Podem tomar a
forma de reprimir as liberdades civis ou como justificativa para guerras. Foi
exatamente o que fez o governo dos Estados Unidos depois dos trágicos eventos
de 11 de setembro de 2001.
Depois da
tragédia em Paris, a França rapidamente promoveu o fechamento de suas
fronteiras e o governo impopular de François Hollande, de forma oportunista,
nem esperou o pó baixar para declara uma “guerra sem quartel”. Não pode
acabar bem. Migrantes e imigrantes já estão sendo apontados como culpados
enquanto a islamofobia e a xenofobia na União Europeia foi incrementada ao
máximo. Não há dúvidas de que a tragédia de Paris será usada para promover
ainda mais as guerras sujas no Oriente Médio, como as que já existem e nas
quais o governo francês é aliado de primeira hora dos Estados Unidos. Já se
divulga amplamente que passaportes egípcios e sírios foram encontrados no
Stade de France, com ênfase especial para os de suposta origem síria. Também
já se sabe que o porta aviões Charles de Gaulle está sendo mandado do porto
de Toulon para o Oriente Médio, para ajudar as operações lideradas pelos
Estados Unidos.
O que não pode
mais ser ignorado no passar dos dias, é que a gangue que atacou Paris são os
mesmos canalhas que a França e o presidente Hollande apoiaram direta ou
indiretamente na Síria, Líbano, Líbia e por todo o Oriente Médio. O governo
francês e o presidente Hollande apoiaram de uma ou de outra forma a Al Qaeda,
a Al Nusra, o ISIL/ISIS/Daich e grupos semelhantes. São esses os grupos que o
governo francês e seus aliados como a Arábia Saudita e os Estados Unidos
apoiaram através de armas, treinamento, financiamento e cobertura diplomática
e política, para que fossem aproveitados como procuradores para operações de
derrubada de governos no Oriente Médio. Quando esses grupos criminosos
cometeram atentados tão ou mais hediondos que os de Paris em Damasco ou
Aleppo, foram ou ignorados ou desculpados. O presidente sírio Bashar Al Assad
foi rápido ao salientar esse ponto quanto ao acontecido em Paris no dia 13 de
novembro de 2015.
O presidente
Hollande descreveu os acontecimentos em Paris como sendo uma guerra conduzida
do exterior. A verdade é o contrário. A origem da guerra e do sofrimento não
está no estrangeiro como quer o governante francês, e sim está conectada
diretamente com as ações violentes da política externa francesa. O governo
francês está entre os criadores do terrorismo através de treinamento, apoio e
encorajamento desse tipo de atividades. “São considerados terroristas apenas
agora, quando começaram a matar o povo francês, mas quando estavam matando o
povo sírio, eram considerados jihadistas” disse Bashar Al-Jaafari, enviado da
Síria para a ONU.
Ainda não se
passou um ano desde que o ataque contra o Charlie Hebdo foi desfechado em
Paris por pessoas que foram encorajadas pelo governo da França a ir lutar na
Síria para derrubar o governo democraticamente instalado em Damasco. O povo
francês deveria estar raivoso contra o governo francês por ter dado apoio a
esses grupos quando eles resolveram ir lutar na Síria e em outros lugares
mundo afora. De uma forma ou de outra, a política adotada para mudanças de regimes
pela França e pelos Estados Unidos e seus aliados é a causadora primeira
desses ataques. Pense: se você incentiva pessoas a ir lutar e assassinar no
exterior, e ainda por cima apoia esse tipo de conduta, o que você acha que
eles farão quando retornarem aos seus países de origem?
Mahdi Darius Nazemroaya - é cientista social, escritor
premiado, colunista e pesquisador. Suas obras são reconhecidas
internacionalmente em uma ampla série de publicações e foram traduzidas para
mais de vinte idiomas, incluindo alemão, árabe, italiano, russo, turco,
espanhol, português, chinês, coreano, polonês, armênio, persa, holandês e
romeno. Seu trabalho em ciências geopolíticas e estudos estratégicos tem sido
usado por várias instituições acadêmicas e de defesa de teses em
universidades e escolas preparatórias de oficiais militares. É convidado
freqüente em redes internacionais de notícias como analista de geopolítica e
especialista em Oriente Médio. Recentemente, em viagem pela
América Central, contactou a Frente Sandinista de Libertação Nacional, em sua
base em León, na Nicarágua. Como Observador Internacional esteve em El
Salvador no primeiro turno das eleições.
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