sábado, 31 de maio de 2014



Relatório de combate (SITREP) – por “Juan”
30 de maio de 2014.




The Saker

1-) Combates esporádicos e pesados, às vezes, em torno de Slaviansk e nas aldeias do entorno em 29 de maio, sem acontecimentos dignos de nota para o exército local e da Guarda Nacional. Foram relatadas algumas perdas para a Guarda Nacional.

2-) Meia bateria de lançadores de mísseis Grad, tipo BM-21, se encontra em posição dentro do alcance para Mariupol. Desde essa manhã, mas não foram acionados os mísseis. O alcance dos Mísseis Grad é de 35 quilômetros.
3-) Está em posição meia bateria de lançadores de mísseis Grad, com alcance para Slaviansk.

4-) Não tenho verificação positiva de qualquer ataque com mísseis Grad em Slaviansk. Mas isso não quer dizer que não tenha ocorrido um ataque. Alguma coisa grande e múltipla explodiu nos arredores de uma aldeia nos arredores da cidade, mas não tenho fontes que informem do impacto para identificar o tipo.

5-) Minhas fontes informam que a ação do exército do Donbass no aeroporto de Donetsk foi uma armadilha montada naquela ocasião por algumas unidades do exército da Ucrânia com o apoio de uma organização ocidental em Donetsk. Logo em seguida ao início das negociações, o exército da Ucrânia enviou por via aérea reforços para a sua unidade no aeroporto que a seguir atacaram a unidade do exército do Donbass.


LPG
6-) O transporte dos feridos do exército do Danbass em comboio para fora da área do aeroporto mais tarde, na segunda feira, aconteceu por ter se pactuado uma trégua para que fossem socorridos os feridos. Em cada um dos caminhões de transporte Kamaz, foram colocadas duas bandeiras: uma vermelha da Cruz Vermelha e outra branca, pela trégua. Foram direto para uma emboscada armada por unidades da Guarda Nacional/ Pravy Sektor (Setor Direito – partido de extrema direita, de tendência neonazista, da Ucrânia [NT]). Os motoristas dos dois caminhões foram mortos. Um deles capotou depois de bater na sarjeta. O outro foi atingido por um disparo de LPG (arma de lançamento de granadas anti tanque, móvel, lançada a partir do ombro do atirador[NT]). Os feridos que sobreviveram ao impacto foram assassinados pelos componentes do Pravy Sektor no lugar. As bandeiras foram retiradas durante o assassinato dos feridos.

7-) Atividade de “partisans” (membros de uma tropa irregular e secreta que atua nos bastidores de cidades ou regiões ocupadas por exército estrangeiro para fazer a resistência [NT]) começou há três dias na região ao redor de Carcóvia, entre outras áreas para atingir unidades da Guarda Nacional/Pravy Sektor. Em 29 de maio duas unidades da Guarda Nacional/Pravy Sektor tiveram pesadas baixas em emboscadas.

8-) Em 29 de maio o batalhão Vostok começou uma operação no Edifício da Administração de Donetsk para estancar saques que teriam sido cometidos por alguns membros do exército do Donbass, depois de graves queixas dos cidadãos.  O supermercado Metro, que se situa perto do aeroporto foi pesadamente saqueado por membros do exército do Danbass asssim como várias outras lojas e os estoques de grande parte do saque foi estocado em três tendas armadas na área do prédio de Administração do Donbass. Foram exibidos vídeos de uma das tendas, assim como dos autores dos saques. Conforme relatado, os saqueadores são sete e já foram presos, aguardando julgamento. São falsos os relatos originários da Ucrânia e da mídia ocidental, reportando que os saqueadores foram mortos.

9-) Assim que terminada a operação de combate aos saques o Batalhão Vostok liberou a praça em frente ao prédio da Administração do Donbass a fim de facilitar o acesso dos cidadãos e também a defesa, no caso de ataque por parte da Ucrânia.
10-) As mortes de civis no Donbass aumentam em número devido a ataques aleatórios realizados por unidades do exército da Ucrânia e da Guarda Nacional/Pravy Sektor. Oito civis morreram no Donbass e igual número ficou ferido em 29 de maio. Algumas dessas baixas foram causadas por explosões aéreas de disparos de armas antipessoal disparados de canhões do exército da Ucrânia. Os disparos têm como alvo prédios de apartamentos nos quais não existem quaisquer unidades do exército do Donbass.

11-) Uma grande manifestação de protesto foi realizada por famílias dos reservistas mobilizados para integrar o exército da Ucrânia em frente ao edifício de Parlamento. Exigindo o imediato retorno de seus filhos e maridos. Pela lei ucraniana dos reservistas, estes não podem ser mobilizados por tempo maior que 45 dias sem que esteja em vigor declaração de guerra contra outro Estado soberano pela Ucrânia. Tal declaração não existe. No entanto, Kiev havia ordenado que a mobilização fosse prorrogada por tempo indeterminado.

12-) Em um dos dois helicópteros que foram derrubados em 29 de maio, estava sendo transportado o general comandante da “Guada Nacional” e que também era o “comandante das operações de campo das unidades da Guarda Nacional”.
13-) A oferta de ajuda humanitária para as duas regiões, de Donetsk e Lugansk, feita pela Rússia, foi rejeitada pelo governo ucraniano.

14-) Não teve sucesso a tentativa de evacuação de crianças de algumas áreas de Slaviansk em 29 de maio. As unidades do exército ucraniano que bloqueiam a cidade recusaram permissão de passagem aos ônibus que transportavam as crianças.

15-) Um centro de encaminhamento de refugiados foi montado na cidade de Sebastopol (Crimeia), da Federação Russa, para auxiliar no assentamento dos refugiados que chegam de áreas atingidas pelos combates na Ucrânia. Algumas centenas de refugiados chegaram a Sebastoipol às 17h00 do dia 29 de maio e foram alojados e alimentados na cidade. Outro número está sendo socorrido em Simferopol, capital da República Autônoma da Criméia. Um outro centro de encaminhamento deve estar em funcionamento já hoje (30 de maio) em Simferopol para ajudar aos refugiados. Espera-se pela chegada de ainda mais refugiados em ambas as cidades. Se necessário, será ainda criado outra instalação para abrigar refugiados na cidade de Kerch.


(assina) The Saker

Tradução: mberublue


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29/5/2014, Dmitry MININStrategic Culture

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


— E isso significará que Moscou e Pequim juntam forças para lançar poderosa contraofensiva no Ocidente?

— Não, de modo algum. Nem Rússia nem China precisam disso. Esses países precisam, isso sim, de concorrência leal, sem manipulação, sem duplifalar e hipocrisia e sem atividades clandestinas de subversão e terrorismo.

Maio - 2014: China e Rússia selam acordo estratégico nas áreas de comércio, energia, infraestrutura, tecnologia e de segurança.
A visita do presidente Vladimir Putin da Rússia a Xangai nos dias 20-21 de maio/2014, atraiu a atenção do mundo inteiro, mas, por várias razões, a significação dessa visita ainda não foi plenamente declarada. É como se o ocidente não conseguisse abrir mão da ilusão de uma sua supremacia, e preferisse não ver a alternativa que se vai configurando e emergindo, no formato de uma aliança russo-chinesa. Além disso, diferente de práticas passadas, Moscou e Pequim não querem alertar o oponente com declarações grandiloqüentes, mas nem sempre claras ou específicas, e têm preferido trabalhar metodicamente e em silêncio, construindo suas relações bilaterais com conteúdo abrangente e exequível.

A maioria dos relatos jornalísticos sobre a visita de Putin − por isso, se centraram nos acordos de gás – e os componentes militares, políticos e estratégicos de seus encontros em Xangai estão passando praticamente sem um registro sequer pelos especialistas. Os críticos reduziram tudo ao fornecimento de matérias primas russas e à “penetração chinesa” no mercado russo... Mas o verdadeiro sentido dessa visita é muito mais profundo, e talvez só possa ser devidamente apreciado, em toda sua significação, por historiadores, no futuro.

Se se examina de perto a “Declaração Conjunta da Federação Russa e da República Popular da China sobre um novo estágio de parceria em ampla escala e relações estratégicas” (orig. ing. Joint Statement of the Russian Federation and the People’s Republic of China on a new stage in full-scale partnership and strategic relations [1]) assinado pelos chefes de estado, não é difícil ver que o documento contém vários elementos similares a acordo que crie uma aliança militar e política, mas sem implementação final por lei.

Afinal, se o procedimento de implementação que talvez venha a ser necessário algum dia pode ser feito em bem pouco tempo, o mais difícil e mais demorado é definir os princípios em torno dos quais os signatários estão de acordo. Mas sim há, pronto, uma espécie de acordo “de reserva”, a ser desenvolvido, se preciso.


Oleogasoduto Russia-China de US$ 400 bilhões (Acordo Santo Graal)
(clique na imagem para aumentar)
Rússia e China chamaram a coisa de “um novo tipo” de relações entre estados, enfatizando que

(...) o resultado de uma parceria ampla e igualitária, de confiança e cooperação estratégica em nível muito mais alto será fator chave para preservar e garantir os interesses vitais dos dois países no século XXI, e para criar uma ordem mundial justa, harmoniosa e segura.

Trata-se disso. Isso, precisamente, terá de ser levado em conta por todos, em todo o planeta.

A Declaração Conjunta delineia a filosofia geral da atitude dos dois países em relação aos problemas globais do nosso tempo, chamando sempre a atenção para a natureza fundamentalmente firme, profunda e orgânica – nunca oportunista – da nova parceria. A Declaração Conjunta declara, por exemplo, que

(...) os dois países continuarão a garantir um ao outro firme apoio em questões relacionadas a interesses-núcleo, como soberania, integridade territorial e segurança. Os dois países opor-se-ão a qualquer tentativa por quaisquer métodos de intervenção em assuntos internos, e apoiarão total adesão às provisões fundamentais da lei internacional consolidada na Carta das Nações Unidas; respeito incondicional aos direitos dos parceiros a escolher independentemente a própria via de desenvolvimento; e respeito incondicional ao direito de defender os próprios valores culturais, históricos, éticos e morais.

Nada além de um modelo liberal tristemente mediano. Mas muito distante do “modelo” que tem sido universalmente imposto pelo Ocidente. Os dois países destacam a necessidade de

(...) rejeitar a linguagem das sanções unilaterais, ou a organização, ajuda, apoio, financiamento ou encorajamento de atividades que visem a mudar o sistema constitucional de qualquer outro país, ou de arrastar ou empurrar qualquer outro país para qualquer tipo de bloco unilateral ou união.

Mapa dos países sancionados unilateralmente pelos EUA
Em outras palavras, é a rejeição categórica de incontáveis “revoluções coloridas” orquestradas por todo o planeta pelo Ocidente; e da expansão de tradicionais blocos de estilo militar e político, como a OTAN. As relações desse “novo tipo” escolhido por Moscou e Pequim são também convenientes, porque não deixam aos EUA nenhum espaço ou terreno para justificar qualquer tentativa para expandir o bloco.

Mas, no processo, China e Rússia admitem a expansão de sua própria “proto-união”, mediante a inclusão de mais uma das grandes potências da política mundial – a Índia. Consideram a interação dessas três potências como

(...) importante fator para garantir segurança e estabilidade tanto na região como no mundo. Rússia e China continuarão seus esforços para fortalecer o diálogo estratégico trilateral para aumentar a confiança mútua, desenvolver posições comuns sobre questões regionais e globais importantes, e promover cooperação prática mutuamente benéfica.
 

Narendra Modi
Deve-se lembrar que o recém empossado novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, a julgar por suas declarações, está pronto para trabalhar desse modo.

Permanece a necessidade de reformar a arquitetura financeira e econômica internacional, de realinhá-la às necessidades da economia real, e de aumentar a representação e o direito de voto de mercados emergentes e países em desenvolvimento no sistema da governança econômica global, para restaurar a confiança no sistema.

Deve-se observar que Rússia e China consideram o G-20 como o principal fórum de cooperação econômica internacional, não o notório “G7”, e empenharão esforços ativos para fortalecer a união e aumentar a efetividade das atividades do G-20. Celebrações pelo “ocidente” depois de a Rússia ter sido expulsa do “G8” foram pois precipitadas.

Rússia e China visam a transformar também outro grupo, o dos países BRICS,

(...) num mecanismo para cooperação e coordenação com ação em ampla gama de questões financeiras, econômicas e políticas globais, incluindo o estabelecimento de parceria econômica mais próxima, a necessidade de criar-se brevemente um Banco de Desenvolvimento dos BRICS, e a constituição de uma cesta de moedas de reserva para os negócios internacionais.


Foram firmados importantes acordos também para a criação de um corredor de transporte para a Rota da Seda, cuja criação o ocidente também muito desejava, por acreditar que seria uma alternativa à rota de trânsito eurasiana pela Rússia, e uma espécie de coluna de contenção nas relações russo-chinesas. Esse projeto, que preocupou a Rússia durante muito tempo, revela-se hoje como item importante e benéfico na cooperação russo-chinesa. Moscou já declarou que

(...) considera importante a iniciativa da China, para o desenvolvimento do “Cinturão Econômico Rota da Seda”; e aprecia a disposição da China para tomar em consideração os interesses da Rússia, no curso do desenvolvimento e da realização desse projeto. Os dois países continuarão a procurar meios possíveis para unir o projeto do “Cinturão Econômico Rota da Seda” e a União Econômica Eurasiana que está sendo criada.

Implica que a nova Rota da Seda não servirá aos interesses geopolíticos do ocidente. Em vez disso, responderá às demandas urgentes de China e Rússia, inclusive em termos da presença estratégica de ambos os países em regiões adjacentes à própria Rota da Seda. Mediante esforços conjuntos, Moscou e Pequim são perfeitamente competentes para tirar a área das mãos do ocidente – o que configura mais uma gigantesca derrota para Washington.

A participação de Putin ao lado do líder chinês Xi Jinping na abertura dos exercícios navais conjuntos na Base Naval Woosung acrescentou mais um tom simbólico à visita de Putin a Xangai. Vale recordar que reunião semelhante aconteceu no início do que viria a ser a Entente Franco-Russa, que foi marcada pela chegada do esquadrão francês a Kronstadt.


Os países também decidiram realizar exercícios conjuntos para comemorar o 70º aniversário da vitória contra o fascismo alemão e o militarismo japonês nos teatros europeus e asiáticos da IIª Guerra Mundial, além de continuar em sua “oposição decidida contra tentativas de falsear a história e minar a ordem do mundo do pós-guerra”. Essa é questão considerada de alto significado estratégico, além do alto significado histórico.

De fato, Moscou e Pequim, em 2014, estão reconhecendo reciprocamente o papel decisivo de ambas as nações na vitória contra a Alemanha, pelo lado russo; e na vitória contra o Japão, pelo lado chinês. Afinal o ocidente sempre se empenha em reduzir, ou até apagar o papel que Rússia e China desempenharam naquela guerra mundial. Os EUA impuseram à força, a todo o planeta, a ideia de a contribuição dos EUA na vitória na IIª Guerra Mundial teria sido decisiva, se não na Europa, pelo menos na Ásia.

Mas hoje se sabe que as forças terrestres do Japão foram dizimadas principalmente na China, e que a Wehrmacht foi dizimada no Front Oriental. O que os norte-americanos fizeram foi, quase exclusivamente, dizimar populações civis nas Ilhas do Japão, em violentas campanhas de bombardeios aéreos, quando usaram inclusive bombas atômicas. Não é mistério o motivo pelo qual o exército Kwantung japonês, de um milhão de soldados, não marchou na direção da Sibéria; não marchou contra a Sibéria porque não conseguiu sair da China, onde foi detido pelos chineses.

Naquela guerra, morreram meio milhão de norte-americanos. Mas morreram 35 milhões de chineses. Toda a glória a todos que morrem em luta por causa justa, mas esses números mostram com clareza qual o país que carregou nos ombros o verdadeiro peso da vitória na IIª Guerra Mundial. Assim afinal se corrige, não só o conteúdo de uma lembrança histórica, mas, também, a verdade histórica sobre o papel especial que duas potências – Rússia e China – desempenharam para determinar a ordem mundial do pós-guerra.


Dos acordos econômicos práticos firmados pelos dois países, além dos planos de energia, o acordo sobre desenvolvimento conjunto de aviões de grande porte é particularmente interessante. Prevê-se que, no verão de 2014, a Russian United Aircraft Corporation (UAC) e a Commercial Aircraft Corporation COMAC, da China, apresentarão um estudo de viabilidade do projeto aos respectivos governos. O investimento dos países na empresa conjunta ainda não foi especificado, mas a russa UAC informou que será comparável ao projeto do Boeing 787 (cerca de 32 bilhões de dólares norte-americanos) e ao projeto do Airbus 350. Dado que a Rússia já domina o processo de produção dos Sukhoi Superjet 100 de curto alcance e em breve iniciará a produção dos MC-21 de médio alcance, Rússia e China, e adiante talvez Rússia e Índia, poderão entrar na produção de itens para toda a linha de aviões de transporte civil, com motores especiais e alta proporção de itens de tecnologia avançada. Além disso, terão uma vantagem competitiva sobre as empresas Boeing e Airbus, porque estarão orientadas para o mercado doméstico – cerca de 2,5 bilhões de pessoas. Há planos também para o desenvolvimento de um helicóptero de grande porte, sucessor do ainda insubstituível Mi-26. E não é só o esperado sucesso comercial desses projetos que importa. A maior importância deles está em que, com eles, cria-se um novo centro global, independente do ocidente, para produção de tecnologias críticas.


O analista norte-americano Robert Parry escreveu que a aproximação entre Rússia e China é “histórica”, entendendo que a crise ucraniana deu à China, país cujo poder econômico está em franco crescimento, e à Rússia, com sua abundância de recursos naturais, ímpeto novo e muito significativo.

China e Rússia uniram-se recentemente num bloco no Conselho de Segurança da ONU, para bloquear iniciativas do ocidente. Significa que, em vez de ter isolado a Rússia na ONU, a abordagem linha-duríssima do Departamento de Estado dos EUA na ONU no caso da Ucrânia teve efeito exatamente oposto: a Rússia tem hoje um novo e poderoso aliado.

E isso significará que Moscou e Pequim juntam forças para lançar poderosa contraofensiva no Ocidente? Não, de modo algum. Nem Rússia nem China precisam disso. Esses países precisam, isso sim, de concorrência leal, sem manipulação, sem duplifalar e hipocrisia e sem atividades clandestinas de subversão e terrorismo a serviço dos “negócios” dos EUA e da União Europeia.

Tudo isso considerado, em breve será possível comparar e aferir, para determinar qual o melhor modelo. A cada ano que passar, mais e mais difícil será, para o ocidente, continuar a ignorar as justas demandas propostas, cada dia mais claramente, pelos novos polos da política global.



Nota dos tradutores
[1] Não se encontra outra versão, de fonte oficial, pelo menos por enquanto. Há matéria oficial da China, sobre o encontro (em inglês). 



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O fracking balança.


Nick Cunningham 

Quinta-feira, 29 de maio, 2014 AT 02:42
Por Nick Cunningham.


O setor de extração de gás/petróleo do xisto dos Estados Unidos pode ser bem menos forte do que muita gente pensa. Em análise mais recente, Bloomberg News descobriu um elevado nível de endividamento das indústrias do setor, com muitas companhias se endividando mais e mais, desapontadas com suas receitas.

Nos últimos quatro anos, relata a pesquisa, quase dobrou a dívida contraída pelas empresas de petróleo e gás de xisto. Enquanto as companhias perfuradoras necessitaram dobrar os empréstimos para se expandir, suas receitas nesses quatro anos não seguiram o mesmo ritmo, crescendo meros 5,6%.

O caso é que embora muitos poços de petróleo e gás de xisto ofereçam uma produção inicial espetacular, esta cai verticalmente após o primeiro ou segundo ano. Se as empresas não conseguirem pagar suas dívidas nesse pico inicial, acabam com muito mais dificuldades nos anos seguintes do que anteciparam. Elas caem em uma espiral descendente em que uma grande parte de suas receitas tem que ir para o pagamento de dívidas.

Das 61 companhias pesquisadas, a Bloomberg concluiu que mais ou menos uma dúzia está gastando 10 % de suas receitas apenas para pagar os juros das dívidas contraídas.

O que significa haver tantas companhias de perfuração de gás/petróleo de xisto lutando para obter algum lucro? Quer dizer que o entusiasmo com o qual tantos investidores colocaram dinheiro nas companhias do xisto pode ter chegado ao fim. A indústria está abalada.

As empresas em pior situação – aquelas que estão muito endividadas – sem um portfólio de produção em crescimento, podem estar a caminho da falência. Conforme vão caindo os elos mais fracos, consolidam-se e permanecem em campo apenas os produtores mais fortes e organizados.

É normal que qualquer indústria sofra um abalo, quando diminui o ímpeto inicial de crescimento. Ocorre que, ao contrário da indústria de tecnologia, por exemplo, na indústria do gás/petróleo de xisto, a sorte econômica das companhias ramifica-se para além delas, atingindo seus empregados e investidores.


Se as companhias perfuradoras começam a fracassar, o crescimento da produção de óleo e gás natural pode diminuir drasticamente ou mesmo parar. A administração de informações energéticas projeta em seu mais recente Panorama Anual de Energia que a produção de gás natural nos Estados Unidos crescerá a um percentual de 1,6% ao ano até meados de 2040, o que quer dizer que a produção deverá se expandir para admiráveis 55%.

Os dados podem estar sendo oferecidos de forma muito otimista, levando-se em consideração que as empresas neste mesmo instante estão lutando para ter rentabilidade na venda do xisto. Dito de outra forma, nos preços atuais, a produção pode não ser sustentável. Para que o crescimento continue no mesmo nível, o preço tem que subir.

Seja o crescimento mais lento, sejam os preços mais elevados, de qualquer maneira, ambos os cenários alterariam de forma dura as expectativas sobre a imagem vendida pelos Estados Unidos quanto à sua matriz energética. Como exemplo, se para manter o crescimento, o preço do gás necessitar de uma majoração, isso diminuiria muito a oportunidade da exportação de grandes volumes de gás natural liquefeito (GNL), porque as companhias americanas enfrentariam difícil competição para a venda do gás americano que teria que ser liquefeito para ser depois vendido a preço mais elevado para os consumidores ávidos  no leste asiático.

Como resultado, as companhias que investem dinheiro na construção de terminais de exportação de gás natural liquefeito, que custam bilhões de dólares, poderia começar a achar esse gasto um tanto exagerado.


Um abalo na indústria do xisto teria consequências também no setor de energia elétrica, dado que o estancamento da produção de gás de xisto seria como uma espécie de bênção para a energia renovável. Esperava-se que o gás natural seria usado em grande escala para a geração de energia elétrica, mantendo os preços da eletricidade estáveis, mesmo porque a produção de gás estaria sempre em ascensão. Como essas expectativas parecem erradas, abre-se espaço para outras formas de geração de energia elétrica. Já que carvão e a energia nuclear são cada vez menos competitivos no século 21, criou-se uma janela de oportunidades enorme para a energia renovável.

Em relação ao petróleo, uma produção fraca do xisto quer dizer que os Estados Unidos continuarão a contar com a importação de petróleo no lugar da produção nacional. Mesmo que isso não queira dizer grande coisa, o fato é que a indústria americana de petróleo não pode mais vir com a conversa fiada de “independência energética” o que quer dizer que o Congresso terá que se confrontar com o fato de que os EUA precisam encontrar alternativas ao petróleo no longo prazo.

Caso a indústria de gás/petróleo do xisto começar a vacilar, começará também a mudar esse ópio para muitos problemas energéticos dos Estados Unidos que se chama “revolução do xisto”.

Em tempo: Aqui está o porquê de ser uma ilusão, conversa fiada, vento quente, o papo de que a exportação de gás natural liquefeito dos EUA “vai tirar a Europa das Garras da Rússia” e ganhar muito dinheiro abastecendo o Japão sedento de energia. Não passa de uma isca suculenta no jogo das grandes negociatas. Leia em: Por que a promessa de exportação de GNL pelos EUA é conversa pra boi dormir... (será traduzido em seguida - NT).

Nick Cunningham - é um escritor que vive em Washington DC - escreve sobre assuntos que envolvem desde energia até questões ambientais. Pode ser encontrado no twitter: @nickcunningham1  

Tradução: mberublue




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sexta-feira, 30 de maio de 2014

O futuro visível em
São Petersburgo 



30/5/2014, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Central_Ásia/CEN-01-290514.html




Traduzido pelo Coletivo de tradutores Vila Vudu.

“O modelo de ordem mundial unipolar falhou.”
22/5/2014, Vladimir Putin, São Petersburgo

Em mais de um sentido, o último fim de semana viu nascer um século eurasiano.[1] Claro, com o negócio de gás de US$400 bilhões entre Rússia e China, anunciado no último minuto em Xangai, na 4ª-feira (complemento do negócio de petróleo, para 25 anos, assinado em junho de 2013, de $270 bilhões, entre a Rosneft russa e a CNPC da China). 


Depois, na 5ª-feira, a maioria dos principais atores lá estavam, no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo – resposta russa a Davos. E na 6ª-feira, o presidente Vladimir Putin, ainda sob a aura da glória alcançada em Xangai, falou aos participantes do FE; a casa veio abaixo, de tantos aplausos. 


Será preciso mais tempo para avaliar o redemoinho que se viu semana passada, em todas as suas complexas implicações. Nessa página
[2] veem-se alguns dos destaques de São Petersburgo, em algum detalhe. Haveria menos altos executivos e presidentes de empresas ocidentais na cidade, porque o governo Obama pressionou-os a não ir – como parte da política de “isolar a Rússia”? Talvez um ou outro a menos, mas não muitos a menos; Goldman Sachs e Morgan Stanley não deram as caras, mas os europeus que realmente contam lá estavam, foram, viram, falaram e suplicaram por negócios.

Mais importante, havia asiáticos por todos os lados.

Considere isso aqui como mais um capítulo do contragolpe-revide à chinesa contra o tour do presidente dos EUA Barack Obama pela Ásia em abril, amplamente descrito como “tour de contenção contra a China”.[3] 


No primeiro dia do fórum em São Petersburgo, assisti a sessão crucial (vide o programa
[4]), sobre a parceria estratégica Rússia-China. Prestem bem atenção: o mapa do caminho está, inteiro, ali. Como o vice-presidente da China Li Yuanchao declarou: “Planejamos combinar o programa para o desenvolvimento do Extremo Leste da Rússia e a estratégia para o desenvolvimento do Nordeste da China, num conceito integrado.”

É apenas um aspecto da coalizão Eurásia que está emergindo muito rapidamente, destinada a desafiar até o osso os excepcionalistas “indispensáveis”. Comparações com o pacto sino-soviético são infantis. O putsch na Ucrânia – parte do ‘pivô’ de Washington para “conter” a Rússia – só serviram para acelerar o pivô da Rússia em direção à Ásia, o qual, mais cedo ou mais tarde se tornaria inevitável. 


Tudo começa em Sixuan


Em São Petersburgo, de sessão em sessão e em conversas cuidadosamente selecionadas, o que vi foi a construção de blocos cruciais da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda chinesa, cujo objetivo final é unir, pelos negócios e pelo comércio, nada menos que China, Rússia e Alemanha. 


Para Washington, é além e muito pior que anátema. A resposta foi empurrar alguns negócios que, em tese, garantiriam o monopólio dos EUA sobre dois terços do comércio global: a Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] – que, na essência, foi rejeitada por asiáticos-chave como Japão e Malásia durante a viagem de Obama; e a ainda mais problemática Parceria Trans-Atlântico [orig. Trans-Atlantic Partnership (TAP) com a União Europeia, que os europeus médios absolutamente detestam.
[5] Esses dois negócios estão sendo negociados em segredo e só são lucrativos, de fato, para as corporações multinacionais norte-americanas.

Para a Ásia, a China por sua vez propõe uma Área de Livre Comércio do Pacífico Asiático; afinal, a China já é o maior parceiro comercial da Associação de Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Asian Nations (ASEAN)], de dez membros. 


E para a Europa, Pequim propõe uma extensão da estrada de ferro que em apenas doze dias de viagem liga Chengdu, a capital de Sichuan, a Lodz na Polônia, cruzando o Cazaquistão e a Bielorrússia. O negócio total é a rede Chongqing-Xinjiang-Europa, com uma estação final em Duisburg, Alemanha. Não surpreende que esteja sendo planejada como a mais importante rota comercial do mundo.
[6]

E tem mais. Um dia antes de ser assinado o negócio Rússia-China de gás, o presidente Xi Jinping pregou a criação de nada menos que uma nova arquitetura de cooperação para segurança asiática, incluindo é claro Rússia e Irã e excluindo os EUA.
[7] Ecoando de certo modo o que Putin dissera, Xi descreveu a OTAN como relíquia da Guerra Fria. 


E adivinhem quem estava presente ao anúncio em Xangai, além dos ‘-stões’ da Ásia Central: o primeiro-ministro do Iraque Nouri al-Maliki; o presidente do Afeganistão Hamid Karzai e, crucialmente importante: o presidente Hassan Rouhani do Irã. 


Os fatos em campo falam por eles mesmos. A China está comprando pelo menos metade da produção de petróleo do Iraque – e está investindo pesadamente na infraestrutura de energia iraquiana. A China investiu pesadamente na indústria afegã de mineração – especialmente na mineração do lítio e do cobalto. E é óbvio que China e Rússia continuam a fazer negócios no Irã.
[8]  


Quer dizer... Eis o que Washington conseguiu com uma década de guerras, abusos incessantes, sanções as mais sórdidas e trilhões de dólares desperdiçados, mal gastos. 


Não surpreende que a sessão mais fascinante à qual assisti em São Petersburgo foi sobre as possibilidades comerciais e econômicas em torno da expansão da Organização de Cooperação de Xangai [orig. Shanghai Cooperation Organization (SCO)], cujo convidado de honra foi ninguém menos que Li Yuanchao. Pode-se dizer com razoável certeza que eu era o único ocidental na sala, cercado por um oceano de chineses e centro-asiáticos. 


SCO trabalha para converter-se em algo que superará em tamanho uma espécie de contraparte da OTAN, focada principalmente no combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. Quer fazer grandes, grandes negócios. Irã, Índia, Paquistão, Afeganistão e Mongólia são observadores, e mais cedo do que se supõe serão aceitos como membros plenos. 


Mais uma vez, eis aí a integração eurasiana em ação. O desdobramento em vários ramos da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda é inevitável; o que faz ver, na prática, integração mais íntima com o Afeganistão (minérios) e o Irã (energia). 


boom na nova Crimeia 


São Petersburgo também expôs bem claramente como a China quer financiar uma série de projetos na Crimeia, cujas águas, por falar delas, cheias de riqueza energética ainda não explorada, são hoje propriedade russa. Os projetos incluem uma ponte crucialmente importante que atravessará o Estreito de Kerch para conectar a Crimeia à Rússia continental; expansão dos portos crimeanos; usinas de energia solar; e até zonas econômicas especiais [orig. special economic zones (SEZs)] de manufaturas; Moscou, obviamente, interpretou tudo isso como gesto de aprovação, por Pequim, da reintegração da Crimeia à Rússia. 


Quanto à Ucrânia, é preciso, sim, como Putin voltou a dizer em São Petersburgo, que pague as próprias contas.
[9] E quanto à União Europeia, como o presidente em final de mandato da Comissão Europeia Jose Manuel Barroso afinal entendeu, é o óbvio: antagonizar a Rússia não é precisamente estratégia vencedora. 


Dmitry Trenin, diretor do Carnegie Moscou Center, foi um dos raros bem informados a aconselhar o ocidente, embora de pouco tenha adiantado o conselho: “Rússia e China certamente passarão a cooperar cada vez mais intimamente (...). Esse resultado com certeza beneficia a China, mas dará à Rússia uma oportunidade para fazer frente à pressão geopolítica dos EUA, compensar pela reorientação da energia na União Europeia, desenvolver a Sibéria e o Extremo Leste da Rússia e ligar-se à região do Pacífico-Asiático.”
[10] 


De novo na estrada (da seda) 


A aliança estratégica agora simbiótica China-Rússia – com a possibilidade de estender-se na direção do Irã
[11] – é Ofato fundamental em campo nesse jovem século 21. Terá extrapolações para os BRICS, para a Organização de Cooperação de Xangai, para a Organização do Tratado de Segurança Coletiva e para o Movimento dos Não Alinhados. 


Claro que os laranjas & testas-de-ferro de sempre continuarão a ‘ensinar’ e a ‘noticiar’ que o único futuro possível tem de ser qualquer um, desde que liderado por império “benigno”.
[12] Como se bilhões de pessoas em todo o mundo real – inclusive atlanticistas bem-informados – fosse idiotas o suficiente para acreditar nisso. É. A unipolaridade pode estar morta, mas o mundo, ainda tem, tristemente, de arrastar às costas o cadáver da unipolaridade. Segundo a nova doutrina Obama, aliás, o cadáver anda “empoderando parceiros”. 


Parafraseando Dylan (“I left Rome and landed in Brussels
[13] [Deixei Roma e aterrissei em Bruxelas]), eu deixei São Petersburgo e aterrissei em Roma, para acompanhar mais um episódio da lenta decadência da Europa – as eleições parlamentares. Mas antes disso, tive a felicidade de viver uma iluminação estética.


Visitei um quase deserto Instituto de Manuscritos Orientais da Academia de Ciências da Rússia,
[14] onde dois pesquisadores importantes, extremamente dedicados e a quem muito agradeço, ofereceram-me um tour privado por algumas peças da coleção que bem se pode dizer que é a mais fantástica do planeta, de manuscritos asiáticos. Como viajante serial fanático da Rota da Seda, eu já ouvira falar de muitos daqueles documentos, mas jamais vira qualquer deles. Até que... lá estava eu, às margens do Neva, menino em loja de doces (históricos), imerso naquelas maravilhas de Dunhuang à Mongólia, em védico ou sânscrito, sonhando passadas e futuras Rotas da Seda. Por mim, lá ficava até o fim dos meus dias. *****



[1]  20/5/2014, Pepe Escobar: “Nasce o século eurasiano − Rússia e China fazem o Oleogasodutostão”, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/05/pepe-escobar-nasce-o-seculo-eurasiano.html, redecastorphoto
[5] 15/4/2014, “Pé na estrada pelo sul do OTANistão”, 15/4/2014, AToL, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/04/pepe-escobar-pe-na-estrada-pelo-sul-do.html)
[7] 21/5/2014, Washington Post, China calls for new Asian security structure
[10] 28/5/2014, Conflicts Forum: Comentário semanal de 16 a 23/5/2014, traduzido em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/05/conflicts-forum-comentario-semanal-de_28.html
[12] 19/3/2014, The Atlantic In Defense of Empire


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