O comportamento dos Estados Unidos no Oriente Médio:
Origens e Significado
Dmitry MININ - Strategic Culture Foundation
tradução mberublue
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O infantilismo da diplomacia
(norte)americana na Síria.
A atitude da administração dos
Estados Unidos em relação às operações deflagradas pelo exército russo na
Síria faz lembrar uma criança embirrada e bagunceira que tem seu brinquedo
favorito tomado, depois que já arrancou as duas pernas do brinquedo e estava
pronta para arrancar a cabeça. Você explica pacientemente para ela que o
brinquedo está sendo levado em seu próprio interesse, caso contrário ela
ficará definitivamente sem seu brinquedo favorito de qualquer forma, mas ela
fica chateada assim mesmo. Ela parece entender que estava errada, mas não
consegue fazer nada em relação ao erro que praticou e provavelmente agirá de
forma exatamente igual no futuro.
Não se pode chamar de qualquer outra
coisa a não infantilidade a reação da Casa Branca às propostas russas de
combater o Estado Islâmico em conjunto. Washington não tem meios de se opor
abertamente às ações russas – já que dentro do que diz respeito às leis
internacionais, essa atitude atrairia imediata reprovação, não importa o
quanto a propaganda ocidental continue mentindo. Colocar obstáculos sérios
contra a ação russa no teatro de guerra também não é uma opção.
Dentro deste quadro, infantilismo não
se trata de mera figura de linguagem, e sim um diagnóstico acurado de toda a
estratégia do governo Obama para o Oriente Médio. Mais que atitudes
sérias e verdadeiras para alcançar um determinado objetivo, parecem ser mais
importantes para essa administração o prestígio, uma liderança universalmente
reconhecida e sombras de grandeza estatal.
Uma perturbadora inversão dos
relacionamentos tem sido observado pelos filósofos e pode ser descrita assim:
“A humanidade está se tornando
tecnologicamente mais sábia e humanitariamente mais idiota”. Mesmo quando
você examina os projetos (norte)americanos para a queda da União Soviética,
como por exemplo o Relatório do Conselho de Segurança Nacional 68, de 1950,
você tem que admitir que se tratavam de documentos multifacetados para ação
de longo prazo que deveriam fazer realmente alcançar seus objetivos (embora
não sem a colaboração entusiasmada dos líderes soviéticos, é bom que se
diga). Podia se notar naquela época que os projetos foram elaborados por gente
que entendia do negócio. Agora, seus sucessores estão repousando nas camas da
fama armadas por seus pais fundadores em
completo acordo com a fórmula filosófica de “progresso tecnológico e regresso humanitário” e ficam
simplesmente a anos luz dos elevados padrões daquela época.
A estratégia atual dos Estados Unidos
para a região do Oriente Médio está determinada em um específico documento doutrinário
– A diretiva política presidencial (PPD, na sigla em inglês – NT) “Reforma econômica e política no Oriente
Médio e Norte da África” ou PPD13 (cada presidente começa a contar as
ações do zero, assim que assumem), assinado por Barak Obama entre o final do
ano de 2010 e o início de 2011. Historiadores do futuro ainda terão muito a
dizer sobre este documento fatídico, que serviu como gatilho para disparar
mudanças tectônicas na região, obrigando a máquina governamental dos Estados
Unidos a deflagrar e encorajar “processos democráticos” nos países regionais.
Pode se ter a certeza de que outras gerações de dirigentes e/ou políticos
(norte)americanos ainda terão muito trabalho com o que se pode chamar de consequências
desastrosas dessa estratégia. Enquanto isso, embora os experts dos Estados
Unidos saibam perfeitamente da existência do documento PPD-13, nesta assim
chamada “maior democracia do mundo” é expressamente proibido discuti-lo.
Tudo começou com um número
relativamente pequeno de “especialistas em Oriente Médio” dentro do
Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos que terminaram por
convencer Obama de que, dado seus ancestrais e suas habilidades pessoais,
seria totalmente capaz de conduzir uma transformação revolucionária no assim
chamado “Grande Oriente Médio”. Ao fazer isso, ele teria alcançado o objetivo
perseguido inutilmente por seus predecessores desde setembro de 2001,
tornando a macro região um lugar completamente sob o controle dos Estados
Unidos.
Presumiu-se que Obama passaria para a
história com tais resultados, os quais eram o sonho desde sempre e de todos
os presidentes dos Estados Unidos e quem sabe, talvez mesmo chegasse a
ultrapassar a glória dos republicanos Reagan e Bush pai, cujos nomes estarão
para todo o sempre ligados à queda da União Soviética e à transformação do
Leste Europeu. O primeiro passo foi dado no discurso proferido por Obama no
Cairo em maio de 2009. A sua corte o convenceu de que a região inteira estava
no ponto para receber os benefícios da “democracia e liberdade”, lhe lhes
estava sendo prometido e que apenas esperava o sinal do ungido para começar a
aplicar seus esforços na obtenção daqueles objetivos ideológicos.
Então, quando a política começou a
ser aplicada, o seu desenvolvimento desaguou em um drástico retrocesso em
relação aos princípios proclamados. Em vez de democracia, houve tirania e
violência e no lugar de uma emancipação social o que se viu foi uma explosão
de instalação de estruturas arcaicas. Nações inteiras entraram em colapso.
Não é surpresa nenhuma saber quem estava por trás do PPD-13. Eram justamente
as três personagens já famosos pelas recomendações desastrosas para a
presidência dos Estados Unidos durante a invasão do Iraque. Trata-se de
Dennis Ross, Daniel Shapiro e Elliott Abrams. Eles foram os mentores e
pensadores da Primavera Árabe. Embora esses homens tenham advogado uma dura
ação militar durante a invasão do Iraque pelos EUA, eles decidiram tentar uma
nova política de “soft power” para a esperada “reforma política e econômica no
Oriente Médio”. O resultado foi exatamente o mesmo.
Desde então, analises insuficientes e
simplificação da relação entre causa e efeito, slogans e dogmatismo bem como
um total desrespeito às tradições e interesses das nações nas quais
Washington pretende aplicar suas políticas vão se tornando cada vez mais um
lugar comum, não apenas com relação a esse tema, mas também em outros contextos
da política externa dos Estados Unidos. Mesmo assim, o país continua com uma
confiança inabalável, embora injustificada, em seu próprio conceito de
justiça, em sua capacidade de mudar o mundo ao seu bel prazer, apesar de que
esta afirmação já não corresponder à verdade há longo tempo. Só dá para
entender essas incongruências se se pensar na degradação da política externa
dos Estados Unidos como fazendo parte da degradação do Império como um todo.
Nem sempre fica claro onde se reflete
esse declínio sempre mencionado. Parece que a incapacidade de produzir
raciocínio claro também é indicação importante do declínio imperial.
Referem-se os acadêmicos a uma “atrofia da capacidade de empatia cognitiva” do
Estado. Quando se enquadra nesta situação, o país não mais se preocupa com aspectos
realmente importantes, mesmo aqueles que estão pouco a pouco escapando de seu
controle, e sim em assegurar externamente supostos símbolos de grandeza. No
entanto, fica impossibilitado de superar sua própria inspiração para o
messianismo, chegando às vezes a flertar com a ultrapassagem das fronteiras
do bom senso.
Dispositivos desatualizados de
decisão em nível mais elevado e declarações de que o planeta inteiro está na
esfera dos interesses (norte)americanos estão levando os presidentes dos
Estados Unidos a ter que montar equipes para resolver um elevadíssimo número de
problemas a todo o tempo. Há muito tempo os Estados Unidos não são
enfrentados de maneira séria. Quem seria louco o bastante? Assim, os
relatórios de análises artificialmente otimistas são devidamente resumidos,
corrigidos onde necessário e simplificados ao máximo para que haja tempo
suficiente sem o que se tornaria impossível. As primitivas dicotomias
relacionadas pelas administrações dos EUA (democracia, totalitarismo, etc.)
desmoronam na primeira confrontação com a realidade, pois não dá para colocar
a Arábia Saudita como campeã das liberdades individuais enquanto se
classifica a Síria, o Estado mais democrático e secular da região, como uma
tirania. A vivência com a realidade reduz a pó todos esses esquemas imbecis.
Também não funcionará nunca a tentativa de reduzir o conflito sírio, com suas
extremas e complicadas implicações até a figura isolada de Bashar al Assad,
dada a falência já observada da mesma visão em relação ao Iraque (Saddam
Hussein) e Líbia (Muammar Kaddafi). Parece tudo
um simplismo patético.
Durante o transcorrer dos
acontecimentos, em dado momento os políticos dos Estados Unidos começam a
acreditar na própria propaganda enganosa e confundem a miragem midiática com
a realidade. Não deve ser fácil ter que aceitar a perda da condição de “superpotência
global” de forma espontânea e tranquila, e então os Estados Unidos, adentra a
fronteira das reações infantis, abdicando de um comportamento político
maduro. Dada a força que ainda possuem e possuirão por longo tempo, a atitude
pode se tornar extremamente perigosa. Ajudar os Estados Unidos a entender que
houve uma mudança no mundo e chegou a hora de desistir de suas pretensões
hegemônicas mundiais, tornando-se uma nação como todas as outras deveria ser
a tarefa comum e primordial da humanidade.
Dmitry Minin -
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