A Rússia colocou as coisas de forma
simples e sucinta: A Europa precisa que o conflito na Síria tenha um fim para
resolver seu próprio problema com a crise dos refugiados. Para que o problema
seja totalmente solucionado, há que se respeitar o governo soberano da Síria
e derrotar a guerra encobertamente apoiada por potências estrangeiras que
visam mudança de regime.
Também é condição sine qua non que se respeite o direito
do povo sírio na determinação de seu próprio futuro; e isso significa que a
Europa terá que rejeitar de forma clara a agenda ilegal de Washington,
Londres e Paris de derrubar a qualquer custo o presidente sírio Bashar al
Assad. Resumindo, isso significa que a Europa deverá se alinhar com a Rússia
em suas políticas para a Síria.
Enquanto hospedava o vice chanceler
da Alemanha, Sigmar Gabriel, o Presidente Putin reiterou a posição russa em
relação à Síria. Para que não restem dúvidas quanto à importância das
palavras de Moscou, a relação entre os Estados da União Europeia sofreu mais
uma reviravolta em seu já desgastado arcabouço.
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Putin e Sigmar Gabriel |
As tensões entre os Estados balcânicos
relacionadas ao número sem precedentes de refugiados acabaram por desandar
até envolver a Alemanha e a Áustria – dois destacados membros do bloco com
fortes laços culturais. A confusão teve início após o anúncio pela Áustria de
que se tornará o próximo país da União Europeia a construir muros em suas
fronteiras para restringir o fluxo de imigrantes que pretendam cruzar seu
território.
Thomas de Maiziere, Ministro do
Interior da Alemanha, atacou fortemente a última iniciativa austríaca,
chamando seu comportamento de “fora da ordem”. Berlin foi ainda mais longe,
ao acusar a Áustria de abandonar os refugiados ao anoitecer nas fronteiras da
Alemanha, para que esta os abrigasse. Por sua vez, a Áustria realizou um
contragolpe imputando a culpa pela situação à Chanceler alemã Angela Merkel,
por ter encorajado o fluxo de imigrantes com sua “política de portas
abertas”.
Este foi mais um sinal das relações
deterioradas no interior da União Europeia como resultado da crise dos
refugiados – cuja maior fonte continua sendo a guerra de já mais de quatro
anos que grassa na Síria. O jornal francês Le Figaro verberou raivosamente a Áustria por sua decisão de
instalar um muro em suas fronteiras, pois estaria “ameaçando Shengen” – o
tratado fundamental que garante a livre movimentação de cidadãos europeus no
interior do bloco.
A movimentação austríaca aconteceu na
esteira das decisões tomadas por Hungria, Eslovênia, Croácia e Bulgária de
construir muros bordejando suas fronteiras, vigiadas por polícia de choque e
pessoal armado. Relatos de pesadas táticas policiais usadas contra os
refugiados causaram enorme consternação em Bruxelas. O jornal alemão Deutsche Welle publicou um artigo no
início deste mês acusando o premier húngaro Victor Orban de estar criando uma
“ditadura asquerosa” devido às suas políticas de contenção dos imigrantes.
O presidente da Comissão Europeia,
Jean-Claude Juncker já denunciou a dramática tendência de construir muros
para isolar imigrantes, ao dizer que esta atitude vai contra o espírito da
União Europeia. A preocupação tácita é a de que a estrutura social europeia
está desmoronando.
Enquanto isso, no interior da Alemanha,
o partido governista de Angela Merkel, a União Democrática Cristã, está sob
pressão de seus eleitores na medida em que eles têm a percepção de que o
partido exerce política conivente com a acolhida de refugiados. Protestos
contra os imigrantes foram montados na Bavária, em Hamburgo e em Dresden. Pior.
Não é apenas o movimento Pegida, de extrema direita, que está em rebuliço.
Mesmo entre os centristas, as pesquisas
mostram que a inquietação cresce em relação ao aumento de estrangeiros
adentrando o país. Uma pesquisa revelou que apenas um terço dos alemães são
apoiadores das políticas de “porta aberta” de Merkel relacionadas aos
imigrantes e aos solicitantes de asilo. Relata-se que a Alemanha receberá
800.000 pedidos de asilo neste ano. O número pode ser ainda maior, chegando a
tanto quanto 1,5 milhões.
Enquanto isso, a Inglaterra e a França anunciaram
que poderão aceitar números relativamente baixos de 20.000 e 30.000
respectivamente. Não obstante, mesmo esses números relativamente pequenos são
capazes de prover de munição pesada os partidos contrários à União Europeia,
respectivamente o UKIP na Inglaterra e a Frente Nacional na França.
Sob este prisma, a advertência que a
Rússia fez à União Europeia de que deve encontrar uma solução para a crise
síria adquire importância visceral. Caso o conflito sírio continue a arder, o
número de refugiados pressionando a Europa continuará a crescer, o que por
sua vez certamente levará os líderes dos Estados Membros da União Europeia a
travar embates cada vez mais raivosos, dividindo os países. Não há exagero em
afirmar que o conflito sírio, e por consequência a crise dos refugiados, está
dividindo a Europa e pode mesmo colocar em risco a existência do bloco.
Enquanto se deplora a maneira brutal
com que a polícia dos países trata os refugiados, e os entraves burocráticos
cruéis que estes são obrigados a enfrentar, ao mesmo tempo existe um terreno
fértil para o florescimento de problemas entre os países “na linha de frente”
da União Europeia e que estão às voltas com um fluxo de refugiados sem
precedentes. Com população relativamente pequena e economias cambaleantes, é
compreensível que Estados como a Eslovênia, com população de apenas 2 milhões
de eslovenos estão encarando o súbito aparecimento de milhares de pessoas em
situação desesperada como um desafio que não pediram e não querem.
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Victor Orban |
Já o primeiro ministro húngaro,
Victor Orban, tem um ponto de vista muito razoável quando questiona o fato de
que a Turquia é um país seguro, então porque de repente o governo de Ancara
começou a permitir que tantos refugiados atravessem o país em direção ao
território da Europa?
Por outro lado, o conflito sírio,
principal fonte do atual número histórico de refugiados é uma crise para o surgimento
da qual a maioria dos países europeus não colaboraram.
A Inglaterra e a França são acusadas,
com boas evidências, de fomentar e incrementar o conflito na Síria com o
intento de derrubar o governo do Presidente Bashar al Assad. Tanto Paris
quanto Londres foram constantes em seu apoio incondicional para as ambições
hegemônicas dos Estados Unidos no Oriente Médio. É marcante a lembrança de
que Roland Dumas, antigo Ministro de Relações Exteriores da França revelou em
2013 que foi procurado secretamente por altos funcionários da Inglaterra já
em 2009 com um plano que deveria permanecer na clandestinidade para derrubar
o governo de Assad. Isso aconteceu pelo menos dois anos antes da insurgência
apoiada no estrangeiro, sob a cobertura de uma suposta “revolta pela
democracia” sobre a qual desde então a imprensa ocidental mente
sistematicamente.
Desde aquela época a narrativa fantasiosa
de uma “revolução pela democracia” foi esvaziada pela sangrenta realidade de
uma guerra encoberta que o ocidente, a Arábia Saudita e a Turquia levaram a
efeito utilizando-se de mercenários. Não é mais possível esconder a verdade
dos fatos.
Mesmo agora, quando Washington,
Paris, Londres e seus aliados regionais combinaram nesta semana um encontro
para “conversações de paz” em Viena, juntamente com a Rússia e o Irã, não há
qualquer indicação de que a agenda de mudança do regime tenha sido abandonada
pelas potências ocidentais.
John Kerry e Philip Hammond,
Secretários de Estado dos EUA e da Inglaterra, respectivamente, aparentemente
amainaram a sua antes imperiosa demanda quanto à agenda “Assad tem que sair”,
para um processo mais tradicional de abdicação do poder. Todavia, o objetivo
final ainda é a mudança de regime. Por outro lado, a França continua
inamovível em suas exigências para a saída imediata de Assad. O ministro de
Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, que preside as conversações de
Viena, exigiu um “prazo fixo definido” para que Assad deixe o poder.
Dessa forma, quando Washington e seus
aliados europeus falam em encontrar uma “solução” para o conflito, o que
querem mesmo é que a solução encontrada vá ao encontro de seus desejos de
derrubar o governo da Síria. Não estão de forma alguma comprometidos com uma
solução pacífica para o conflito. O que querem e perseguem é conseguir realizar
suas intenções, se possível, por meios políticos. É absolutamente necessário
dizer que isso é uma violação clara dos direitos de soberania da Síria.
Uma coisa é certa. O conflito
alimentado pela agenda obsessivamente perseguida pelos Estados Unidos para o
conflito na Síria continuará a fazer crescer o número de refugiados. Esta
semana a ONU revisou seus números de sírios que estão necessitando urgentemente
de ajuda humanitária para 13,5 milhões de pessoas – mais da metade da
população total do país. Quantos milhões ainda vão se juntar a esses números?
Quantos eventualmente vão se dirigir para a Europa em busca de socorro?
O destino da Europa não deveria estar
nas mãos de dois lacaios (norte)americanos – Inglaterra e França – cujas mãos,
aliás, já estão manchadas com o sangue sírio. Não dá para aceitar que países
europeus que nada tem a ver com o conflito estejam sendo incendiados por uma
crise que não criaram.
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mercenários dos EUA na Síria |
A resolução do conflito sírio requer que
Washington e seus vassalos respeitem os ditames da lei internacional e que
suspendam imediatamente seus esquemas ilegais para uma mudança de regime e
ainda, que chamem de volta seus cães de guerra para fora do país. Isso não só
resolveria o conflito como seria uma solução integral para a crise de
refugiados. Respeitem a lei internacional. Há coisa mais simples?
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