A era Erdogan está
para acabar
por Petr Lvov - New eastern Outlook
tradução por mberublue
Há poucas dúvidas
agora entre os círculos da OTAN e através dos países que lideram a aliança – os
Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha que a derrubada do bombardeiro
russo SU-24 foi de fato um ato de agressão. Na realidade, a força aérea turca
vinha tentando emboscar um bombardeiro russo nas áreas de fronteira há dias.
Tudo foi planejado, até mesmo a presença de um cameramen profissional de um
canal turco.
Desde que Washington
tomou conhecimento que a força aérea turca derrubou um bombardeiro russo sobre
a Síria, Ancara tem tentado desesperadamente jogar a culpa sobre Obama na
intenção de se esconder atrás do apoio (norte)americano. Reportagens de 26 de
novembro das estações de TV turcas relatavam que a queda do avião alegadamente
teria acontecido com aprovação de Obama, supostamente concedida na reunião de
cúpula do G-20 em Antália. Mas foi tarde demais. Erdogan foi pego na cena do
crime ainda com sangue nas mãos. Sua carreira política provavelmente está morta
– não há lugar na política para assassinos de pilotos russos. Aliás, ele já tem
um concorrente de peso para o seu posto – o Primeiro Ministro Ahmet Davutoglu,
que fortaleceu consideravelmente suas posições depois das últimas eleições na
Turquia.
Especialistas pelo
mundo afora estão tentando prever quais seriam as respostas que a Rússia pode
tomar. Até o momento, já existem uma série de medidas a serem tomadas pela
Federação Russa, a saber:
●●
Proibição completa
de quaisquer viagens de turismo para a Turquia. Essa medida não deve demorar a
ser colocada em prática mais que duas semanas. Não haverá mais viagens com
descontos, nem aviões fretados, nem nada. O resultado será um prejuízo de
aproximadamente 3,5 bilhões de dólares para a Turquia em apenas um ano.
●●
Preparação pesada
para ataques de retaliação. Para alcançar esse resultado, a Rússia já instalou
seus sistemas antiaéreos “top de linha” S-400 Triumf nas proximidades de
Latakia. Com isso criou uma zona de exclusão aérea de facto sobre a Síria para a força aérea turca.
●●
A Rússia está reduzindo
o número de locais em Moscou que vendem produtos turcos no mercado russo. Isso
afeta tanto os produtos alimentícios quanto os bens industriais. A Turquia
deverá perder cerca de 2 bilhões de dólares anualmente devido a essas medidas.
●●
A Rússia fechou
todos os projetos que tinha em comum com a Turquia, o que inclui a construção
de uma usina nuclear. Ao mesmo tempo deverá proibir a atividade de um grande número
de companhias turcas na Rússia.
●●
A Rússia começou a trabalhar mais ativamente na cooperação política e militar
com as forças políticas curdas – a maior ameaça ao poder central em Ancara.
Esta atitude da Rússia causará certamente uma queda severa na estabilidade
política da Turquia. Especialmente em uma situação na qual a posição de Erdogan
pode não ser tão forte quanto ele pensa. Ele está às voltas com sérias
oposições dentro de seu próprio partido e não apenas nos círculos militares.
Porém o golpe mais
severo para a personalidade de Erdogan é sem dúvida uma extensa cobertura da
mídia sobre suas relações com o Estado Islâmico e o papel de sua família nesses
negócios escusos. Já está provado que o filho de Erdogan trabalha para um amigo
de infância do presidente que entrega petróleo roubado na Síria para a Ucrânia,
o Japão e outros países asiáticos. É sabido que a receita proveniente desses “negócios”
sobe a cerca de 5 bilhões de dólares ao ano, dos quais 2 bilhões voltam para as
estruturas de comando do Estado Islâmico, que os usa para comprar armas e pagar
seus militantes.
Além disso a
família de Erdogan está envolvida na produção e tráfico de drogas sintéticas.
Se alguns jornalistas revelam isso abertamente nos canais de televisão, é
porque com certeza todas as instâncias de aplicação da legislação acumularam na
evidências necessárias para processar os membros da família de Erdogan.
O "sultão" Erdogan |
Consequentemente,
tão logo a sociedade turca comece a associar a família de Erdogan com o Estado
Islâmico, fará também a associação lógica com este fato e os ataques
terroristas levados a cabo pelo Estado Islâmico na Turquia, cujos ataques
tiveram o condão de ajudar o partido AKP, no poder, a vencer as últimas eleições
parlamentares.
Dá para perceber
que a Rússia não está particularmente apressada em resolver a situação e que
não aceitará as desculpas de Ancara nem que Erdogan venha pedir perdão a Putin
de joelhos. Quanto à onda de ataques terroristas que começaram na Turquia
depois da queda do jato russo, isso só pode ter um significado – as autoridades
turcas não conseguem controlar a situação no país e portanto não pode proteger
a integridade e a vida dos turistas estrangeiros. Tudo isso pode levar à rápida
desintegração do país, com as áreas curdas se separando da nação, o que
significa que todo o sudeste da Anatolia pode se tornar independente. Assim
como a província de Hatay, ela é largamente povoada por árabes, que podem
querer se juntar à Síria em um futuro previsível. Já parece estar em tempo de
algumas regiões armênias do noroeste da Turquia, como o monte Ararat,
retornarem às mãos da Armênia.
Também não adianta
esperar a chegada da cavalaria da OTAN porque simplesmente não vai acontecer.
Afinal, quando a OTAN permitiu que a Turquia se juntasse à aliança, queria uma
espécie de contenção à crescente influência da União Soviética na região e não
um país islâmico em suas fileiras, mas acabou fazendo um pacto com o diabo.
Foi uma decisão
sem visão e imperdoável. Ao tempo, este esforço mais criou que resolveu
problemas para ao ocidente. Com o passar dos anos, a Turquia acabou por se
revelar uma criança mimada e birrenta que a OTAN tinha que vigiar. A invasão que
promoveu contra Chipre em 1974 causou uma profunda divisão na aliança e até o
ano de 1980 a Grécia se retirou da estrutura de comando da OTAN. Em 2012, a
Síria derrubou um avião turco que estava em incontestável violação de seu
espeço aéreo. Hoje, o fiel ao Islã que preside a Turquia usa seu status de
membro da OTAN para atingir seus objetivos políticos que em nada coincidem com
aquelas da Aliança.
O radicalismo do
Islã já atingiu duramente a Europa, mesmo em seu coração – Paris. O resultado
foi que o presidente francês, François Hollande passou a exigir que os Estados
Unidos deixem de lado suas diferenças com a Rússia para fortalecer uma união
geral para a luta contra os exércitos de terroristas. A Turquia, como foi
sublinhado pelo presidente russo Vladimir Putin, tem laços estreitos com o
Estado Islâmico e lucra ao apoiar suas atividades criminosas de contrabando de
petróleo. Como isso se torna a cada momento mais evidente não há que se admirar
de que haja cada vez mais apelos para que a OTAN exclua da aliança a Turquia e
estabeleça uma cooperação mais efetiva com a Rússia, mesmo porque o ocidente
tem mais em comum com a Rússia que com o mundo islâmico.
Boualem Sansal |
Nesta senda, é
curioso que o cientista político francês Boualem Sansal crê que há inimigos
piores que o Estado Islâmico, ao apontar que a Turquia à qual considera como o
último califado, está em processo de restauração do Império Otomano. O
cientista político está convencido que está em andamento uma futura, previsível
e amarga rivalidade entre Ancara e Teerã. A posição ambígua de Ancara em
relação à crise dos refugiados e agora com a revelação cada vez mais clara de
suas ligações com o Estado Islâmico deve levar as elites dirigentes na Europa a
adotar e aprovar uma posição mais dura com a Turquia. Torna-se claro que os
eleitores apoiarão com votos aqueles candidatos que apoiem uma posição mais rígida
para com o Islã e a Turquia.
Testemunhamos um
grande número de mudanças dramáticas ocorrendo no Oriente Médio nos últimos
meses. Depois de ficar exortando as partes no conflito sírio a ouvirem a voz do
bom senso sem serem ouvidos os russos resolveram intervir de forma direta na
Síria. Essa intervenção levou a uma mudança tectônica no equilíbrio das forças
em luta contra o terrorismo. No entanto, a situação se tornou perigosa tendo em
vista que nos céus da Síria se misturavam aviões de ataque de quatro grandes
potências mundiais – Estados Unidos, Rússia, Inglaterra e França, todas elas
operando sem qualquer tipo de coordenação entre si mesmas.
O exército do Hezbollah |
Que não se esqueça
as demais variantes: o Irã também está agindo ativamente na Síria, no apoio
declarado ao governo de Bashar al Assad, ou até a vitória ou até o fim. Na
outra banda, Turquia, Arábia Saudita e Qatar não abrem mão da ideia de que
Assad tem que sair, não importando as consequências. Israel supostamente não
está envolvido no conflito na Síria, mas há que se ter em mente que os
esquadrões do Hezbollah foram instalados naquele país, e permanecem até a
atualidade o inimigo mais perigoso com o qual o Estado de Israel tem lutado ao
longo de sua turbulenta história nos últimos dez anos e contra o qual
provavelmente terá que voltar a lutar. Ao mesmo tempo, o regime atual na
Turquia é o mais hostil em relação a Israel no decorrer de toda a história de
suas relações bilaterais.
Cada uma das
partes envolvidas no conflito da Síria cuida de seus próprios e diferentes
interesses. Como Putin colocou em seu discurso, não se pode negar que há um
grande fluxo de petróleo e derivados que são roubados e depois adentram
território turco, com a Turquia em contrapartida fornecendo os recursos
financeiros necessários ao Estado Islâmico para continuar lutando. A situação
nos coloca em face de uma séria preocupação – afinal, um membro da OTAN está
apoiando ativamente grupos terroristas, sejam eles o Estado Islâmico na Síria
ou o Hamas na Faixa de Gaza. Até o momento, por uma série de razões, os países
ocidentais não exigiram do governo de Ancara que cesse tais atividades de
ligação com militantes islâmicos. Quanto aos líderes israelenses, sem exceção,
manifestam pública e estridentemente sua indignação com o papel, que consideram
destrutivo, exercido pela Turquia na região. Durante muito tempo a Turquia tem
sido um dos poucos países que tem apoiado e fornecido suporte para que os
radicais islâmicos palestinos continuem capazes de matar israelenses.
Depois da tragédia
com o SU-24 da Rússia, a necessidade de repensar suas relações com a Turquia
tornou-se evidente para Moscou, e a Rússia pode e deve solicitar que a OTAN
detenha os responsáveis por tal ato imprudente de agressão. Não é possível
admitir para sempre uma situação onde um país seja ao mesmo tempo considerado
parte de uma comunidade civilizada e também apoiador de atividades de
organizações como o Estado Islâmico. Caso seja mesmo o Estado Islâmico considerado
um aliado pelas elites turcas, então a Turquia evidentemente não pode ser
aliada do mundo civilizado. Apesar do conhecido jogo de dois pesos e duas
medidas, do duplipensar do ocidente, ainda assim não se pode negar a condição
de apoiador do terrorismo ostentado por Ancara. A localização única e privilegiada
da Turquia sempre permitiu à sua elite fugir das situações difíceis com
demasiada frequência. Mas desta vez, foram muito longe e chega.
Petr Lvov,
Ph.D em ciências políticas, escrevendo com exclusividade para a revista online “New Eastern Outlook”. Este
artigo apareceu em primeiro lugar em http://journal-neo.org/2015/11/28/the-erdogan-era-is-all-but-over/
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