terça-feira, 17 de novembro de 2015

Um conto de duas cidades: Lágrimas por Paris e silêncio pelas bombas em Beirute?         


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Mahdi Darius NAZEMROAYA           
tradução por mberublue                            

Governos do mundo todo condenaram os ataques que aconteceram no subúrbio de Saint Denis, ao norte da capital francesa no último dia 13 de novembro de 2015. Inquestionavelmente, as mortes e a destruição que tiveram lugar em Paris são desprezíveis e trágicas. No entanto, há questões que precisam ser respondidas, como parte de uma importante discussão sobre a narrativa que está surgindo.

Colocar uma bandeira francesa como forma de mostrar solidariedade pelo povo de Paris empolgou grande parte do público internacional. Memes e símbolos de apoio apareceram por todos os lados. Mostrar apoio a Paris tornou-se uma das maiores tendências nas mídias sociais e nas capitais euro/atlânticas.

Um conto de duas cidades e dois critérios.


Os ataques em Saint Denis vieram um dia depois de ataques similares na área de Dahiyeh, no sul de Beirute, em 12 de novembro de 2015. A destruição e as mortes em Beirute foram similares e foram virtualmente ignoradas pelas mídias da América do Norte e da União Europeia. É importante ressaltar isso, porque significa que há dois critérios diferentes sendo aplicados.

O comportamento da mídia e as mensagens que estão galvanizando as audiências não podem ser em absoluto ignorados. Se os ataques terroristas em Beirute foram mesmo mencionados, a imprensa empresa só o fez casualmente. Por outro lado, as reportagens da imprensa corporativa sobre a tragédia que abalou Paris têm mostrado preocupação e emoção pelos ataques acontecidos ali. Vítimas em lugares como Bagdá, Mogadíscio, Damasco, Donetsk, Trípoli, Gaza e Sanaa são vistas como não tendo interesse jornalístico.

Os canais de notícias estão transmitindo continuamente imagens e reportagens sobre a violência em Paris, enquanto políticos e oficiais através do Império (Norte)Americano já começaram com seus impropérios, no processo de aumentar o medo e saturar de emoção a opinião pública. O Facebook chegou mesmo a começar um serviço de questionamento de seus usuários em Paris, para saber se estavam a salvo através dessa checagem, mas nada disso foi providenciado para os usuários do Facebook em Beirute. Será que este serviço foi disponibilizado para a população de Bagdá, que está sofrendo ataques terroristas contínuos desde a invasão ilegal do país pelos (norte)americanos em 2003?

Apenas para dar um exemplo de como as emoções pessoais podem ser manejadas e influenciadas relatamos que o cantor libanês/canadense Sari Abboud, conhecido pelo nome artístico de Massari, que por acaso estava em Paris quando dos atentados, ficou tão mergulhado no clima de infelicidade de Saint Denis ao ponto de fazer uma declaração nas mídias sociais, afirmando que estava rezando por Paris. Nada disse sobre o Líbano, esquecendo sua terra natal. Imediatamente, um de seus fãs o interpelou, perguntando por que não orar pelas pessoas em Beirute. Massari, que se deixou levar pela corrente das emoções do dia, retirou as postagens rapidamente.

O terrorismo e as atrocidades são definidos politicamente, não de forma isolada, mas em conjunto com quem sofreu os atentados. Essas definições tentam qualificar quem merece nossa preocupação e simpatia e quem não os merece. Existe um claro significado que a União Europeia e líderes da Inglaterra, australianos, franceses, canadenses e alemães declaram sua solidariedade com o povo francês, mas relegam ao esquecimento Beirute e os povos da Líbia, Iêmen, Somália, Iraque, Nigéria, Leste Ucraniano e Palestina.

Diferencial político

As audiências ocidentais foram inundadas com informações massivas sobre a tragédia em Paris enquanto o terrorismo em Beirute ou foi ignorado ou minimizado. As coisas se encaminharam dessa forma por uma razão. É uma questão do que interessa às potências que seja projetado para o povo. Como parte dessa estratégia, há um discurso subliminar implicando tacitamente que o que aconteceu em Beirute não é uma tragédia, haja vista que o povo libanês não merece a simpatia global tanto quanto o povo francês.

A forma de narrativa acima mencionada é parte do processo de um discurso ilusório sobre a “Guerra ao Terror Global”, que busca justificar as invasões e as incursões de dominação sob o manto de termos humanitários. As vítimas do terrorismo em Beirute são desprezadas e tornadas quase invisíveis porque as pessoas que morreram em Beirute são um amontoado de pessoas de cidadania libanesa, identidade árabe, fé muçulmana, confissão xiita, classe trabalhadora e pessoas que vivem no mesmo espaço que uma entidade conhecida como apoiadora do Hezbollah. As vítimas entre os civis em Beirute são pessoas essencialmente condenadas a ocupar um lugar bem baixo na escala de valores da humanidade que suas contrapartes em Paris. Seus crimes são a acumulação no tempo do que eles são e representam.

Nos Estados Unidos, um candidato da Pennsylvânia ao senado dos EUA, Everett Stern, escreveu inúmeras vezes que apoia os atentados em Beirute. No Twitter, ele declarou: “Boas Novas!!! Espero que terroristas do Hezbollah tenham morrido”. Quando confrontado, Stern classificou o ataque em Beirute como um ataque contra o Hezbollah.

O Hezbollah está lutando contra os esquadrões da morte do Daich (ISIL/ISIS), enquanto o governo da França os apoia.

Além disso, o padrão histórico de como esses acontecimentos são manipulados também não podem ser ignorados. A cada vez que ocorrem ataques e os governos juntamente com a mídia de massa inundam a sociedade de informações, as informações sempre são direcionadas à promoção de interesses bem definidos. Podem tomar a forma de reprimir as liberdades civis ou como justificativa para guerras. Foi exatamente o que fez o governo dos Estados Unidos depois dos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001.

Depois da tragédia em Paris, a França rapidamente promoveu o fechamento de suas fronteiras e o governo impopular de François Hollande, de forma oportunista, nem esperou o pó baixar para declara uma “guerra sem quartel”. Não pode acabar bem. Migrantes e imigrantes já estão sendo apontados como culpados enquanto a islamofobia e a xenofobia na União Europeia foi incrementada ao máximo. Não há dúvidas de que a tragédia de Paris será usada para promover ainda mais as guerras sujas no Oriente Médio, como as que já existem e nas quais o governo francês é aliado de primeira hora dos Estados Unidos. Já se divulga amplamente que passaportes egípcios e sírios foram encontrados no Stade de France, com ênfase especial para os de suposta origem síria. Também já se sabe que o porta aviões Charles de Gaulle está sendo mandado do porto de Toulon para o Oriente Médio, para ajudar as operações lideradas pelos Estados Unidos.

O que não pode mais ser ignorado no passar dos dias, é que a gangue que atacou Paris são os mesmos canalhas que a França e o presidente Hollande apoiaram direta ou indiretamente na Síria, Líbano, Líbia e por todo o Oriente Médio. O governo francês e o presidente Hollande apoiaram de uma ou de outra forma a Al Qaeda, a Al Nusra, o ISIL/ISIS/Daich e grupos semelhantes. São esses os grupos que o governo francês e seus aliados como a Arábia Saudita e os Estados Unidos apoiaram através de armas, treinamento, financiamento e cobertura diplomática e política, para que fossem aproveitados como procuradores para operações de derrubada de governos no Oriente Médio. Quando esses grupos criminosos cometeram atentados tão ou mais hediondos que os de Paris em Damasco ou Aleppo, foram ou ignorados ou desculpados. O presidente sírio Bashar Al Assad foi rápido ao salientar esse ponto quanto ao acontecido em Paris no dia 13 de novembro de 2015.

O presidente Hollande descreveu os acontecimentos em Paris como sendo uma guerra conduzida do exterior. A verdade é o contrário. A origem da guerra e do sofrimento não está no estrangeiro como quer o governante francês, e sim está conectada diretamente com as ações violentes da política externa francesa. O governo francês está entre os criadores do terrorismo através de treinamento, apoio e encorajamento desse tipo de atividades. “São considerados terroristas apenas agora, quando começaram a matar o povo francês, mas quando estavam matando o povo sírio, eram considerados jihadistas” disse Bashar Al-Jaafari, enviado da Síria para a ONU.


Ainda não se passou um ano desde que o ataque contra o Charlie Hebdo foi desfechado em Paris por pessoas que foram encorajadas pelo governo da França a ir lutar na Síria para derrubar o governo democraticamente instalado em Damasco. O povo francês deveria estar raivoso contra o governo francês por ter dado apoio a esses grupos quando eles resolveram ir lutar na Síria e em outros lugares mundo afora. De uma forma ou de outra, a política adotada para mudanças de regimes pela França e pelos Estados Unidos e seus aliados é a causadora primeira desses ataques. Pense: se você incentiva pessoas a ir lutar e assassinar no exterior, e ainda por cima apoia esse tipo de conduta, o que você acha que eles farão quando retornarem aos seus países de origem?

Mahdi Darius Nazemroaya - é cientista social, escritor premiado, colunista e pesquisador. Suas obras são reconhecidas internacionalmente em uma ampla série de publicações e foram traduzidas para mais de vinte idiomas, incluindo alemão, árabe, italiano, russo, turco, espanhol, português, chinês, coreano, polonês, armênio, persa, holandês e romeno. Seu trabalho em ciências geopolíticas e estudos estratégicos tem sido usado por várias instituições acadêmicas e de defesa de teses em universidades e escolas preparatórias de oficiais militares. É convidado freqüente em redes internacionais de notícias como analista de geopolítica e especialista em Oriente Médio.   Recentemente, em viagem pela América Central, contactou a Frente Sandinista de Libertação Nacional, em sua base em León, na Nicarágua. Como Observador Internacional esteve em El Salvador no primeiro turno das eleições.


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