sábado, 14 de novembro de 2015

ARÁBIA SAUDITA, UM REINO TRÔPEGO

     
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por Conn Hallinan          
tradução mberublue             

A Arábia Saudita tem agido cuidadosamente pelas últimas oito décadas.

Através do uso de seu enorme patrimônio em petróleo, a Arábia Saudita disseminou sorrateiramente seu entendimento ultraconservador do que significa o Islã através do mundo muçulmano, corroendo secretamente regimes seculares em toda a região, mantendo-se o tempo todo prudentemente nas sombras, enquanto outros lutavam e morriam. Foi o dinheiro saudita que abasteceu os Mujahedin no Afeganistão, sustentou a invasão de Saddam Hussein contra o Irã e financiou movimentos e grupos terroristas desde o Cáucaso até o Hindu Kush.

Atualmente, esta diplomacia cautelosa está em ruínas e a Casa de Saud se vê mais vulnerável que em qualquer outra época desde a sua fundação em 1926. Colocar à luz as causas do corrente acidente de percurso dos sauditas é um completo estudo de quão facilmente a húbris, a ilusão e a incapacidade à moda antiga podem exaurir até mesmo patrimônios aparentemente inesgotáveis.

O primeiro tropeço do Reino Saudita foi a decisão tomada no último outono de enfraquecer seus competidores através do aumento de produção combinado com a queda do preço do petróleo. O raciocínio foi que se o preço do barril de petróleo caísse de $100 dólares para algo por volta de $80 dólares isso dificultaria a competição de outras fontes mais custosas e de novas tecnologias, incluindo a indústria do fracking nos Estados Unidos, o Ártico, e produtores emergentes como o Brasil. Caso tal situação se materializasse, permitiria que Riad recuperasse o seu mercado de energia que diminuía dia após dia.

Haveria também um benefício adicional: a queda drástica no preço do petróleo poderia prejudicar países odiados pela Arábia Saudita: Rússia, Venezuela, Equador e Irã.

Em certo sentido acabou funcionando. A indústria americana de fracking está minguando, a exploração canadense de areias betuminosas tornou-se lenta e muitos poços no Ártico simplesmente encerraram atividades. Acrescente-se que de fato, países como Venezuela, Equador e Rússia estão com sérios problemas econômicos. Porém, apesar dos óbvios sinais, os sauditas não tiveram a capacidade de antecipar a queda econômica do crescimento chinês e como isso repercutiria, arrefecendo o crescimento econômico das principais nações industriais. O preço do petróleo foi de $115 dólares em junho para $44 dólares atualmente. Como é muito puro, o custo para a extração do petróleo saudita é de apenas $10 dólares.

O Reino planejava na realidade usar suas reservas financeiras de quase $800 bilhões de dólares para fazer frente à queda nos preços, mas não previa que o petróleo caísse além de $80 dólares o barril, e mesmo assim, pensava que a queda duraria poucos meses.

Para equilibrar seu orçamento, de acordo com o Financial Times, a Arábia Saudita precisa que o preço do barril de petróleo fique entre $95 e $105 dólares. Mesmo se levando em conta que o preço do petróleo deve seguir subindo nos próximos cinco anos, as projeções são de que o preço do barril deverá ficar a cerca de $65 dólares. A dívida da Arábia Saudita deverá crescer de  uma taxa de 6,5% do PIB este ano, para a de 17,3% no próximo ano. O déficit no orçamento de 2015 chegará a 130 bilhões de dólares.

A Arábia Saudita está gastando 10 bilhões de dólares a cada mês de suas reservas internacionais para pagar as contas e foi forçada a contrair empréstimos no mercado financeiro internacional. Duas semanas atrás o diretor regional do FMI, Masud Ahmed, alertou Riad de que se continuar a gastar nesse ritmo, deverá esgotar suas reservas internacionais em cinco anos. A solução seria um corte drástico no orçamento.

Mas o Reino não pode fazer isso.

Quando teve início no Oriente Médio a Primavera Árabe, a Arábia Saudita a enfrentou injetando 130 bilhões de dólares na economia, aumentando salários, melhorando os serviços públicos e providenciando empregos para sua crescente população. A Arábia Saudita tem uma das populações mais jovens do Oriente Médio, muitos deles desempregados e com educação precária. Cerca de 25% da população vive na pobreza. Por enquanto, o dinheiro sustenta a situação, mas por quanto tempo, mesmo sabendo o grau de repressão que caracteriza a vida política saudita?

 Sob o pretexto de que o Irã estava por trás de uma guerra civil no Iêmen, conclusão com a qual nem os (norte)americanos concordam, a Arábia Saudita se lançou a uma intervenção no país, com guerra aérea, bloqueio naval e campanha no terreno.

Mais uma vez, os sauditas erraram no cálculo, embora um de seus maiores aliados, o Paquistão, trnha alertado Riad de que eles estavam procurando sarna para se coçar.  A húbris saudita foi alimentada em parte pela ilusão de que o apoio dos Estados Unidos faria com que a guerra fosse de curta duração – os (norte)americanos estão armando os sauditas, suprindo-os com alvos certos para bombardeio, apoiando um bloqueio naval e abastecendo seus aviões no ar.

Acontece que seis meses depois do início dos conflitos, estão todos em um stalemate (xeque contínuo – NT). A guerra já matou 5.000 pessoas, das quais 500 são crianças, arrasou cidades e afastou grande parte da população local. Além disso, gerou uma crise médica e de alimentos, assim como criou oportunidades para que a Al-Qaeda e o Estado Islâmico conquistassem grandes porções de territórios no sul do Iêmen. Esforços da ONU para investigar a possibilidade de terem ocorrido crimes de guerra foram bloqueados pela Ará bia Saudita e pelos Estados Unidos.

Como os sauditas estão descobrindo da maneira mais dolorosa, a guerra é uma coisa muito dispendiosa. A Arábia Saudita poderia suportar os custos de uma guerra como esta, em circunstâncias normais, mas não quando o preço de sua única fonte de renda, a commoditty petróleo, está caindo.

Diga-se que o Iêmen não é a única guerra na qual os sauditas estão envolvidos. Assim como outras monarquis no Golfo, Riad, juntamente com Qatar e Emirados Árabes Unidos estão por trás de muitos dos grupos que lutam na Síria tentando derrubar o governo de Bashar Aa Assad. Quando as manifestações contra o governo começaram em 2011 os sauditas, ao lado dos (norte)americanos e turcos – calcularam que Assad cairia em poucos meses.

Mas tudo parece estar cheio de toques de magia. Por mau que Assad seja retratado, um enorme contingente de sírios, em particular minorias como shiitas, cristãos e drusos parecem ter mais medo dos islâmicos como a Al Qaeda e do Estado Islâmico que de seu próprio governo. Assim, a guerra continua a grassar por mais de quatro anos e cerca de 250.000 pessoas já foram mortas.

Novamente, os sauditas erraram em seus cálculos, desta vez praticamente sozinhos. O governo sírio se revelou um adversário mais resiliente do que parecia. A insistência da Arábia Saudita em derrubar Assad acabou por trazer para a cena de batalha o Irã e a Rússia, colocando em xeque uma intervenção direta através da coalizão anti Assad. Tentar estabelecer uma zona de exclusão aérea no cenário atual implicará na certeza de ter que enfrentar a força aérea russa, que é coisa que ninguém quer, a não ser postulantes a candidatos presidenciais dos Estados Unidos.

A Guerra terminou por gerar um dilúvio de imigrantes, alarmando profundamente a União Europeia, que agora parece estar disposta a dar ouvidos às palavras de alerta de Moscou, sobre as consequências de derrubar governos sem um plano de ação para o dia seguinte. Não há nada melhor que milhões de refugiados prontos para invadir seu país para fazer com que você repense suas metas estratégicas.

O objetivo saudita de isolar o Irã entrou em pane rapidamente. O P5+1 – Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e Alemanha – completaram com sucesso um acordo nuclear com Teerã, apesar dos esforços insanos de Arábia Saudita e Israel para impedir o acordo. Em seguida, apesar da resistência de Washington e apenas por causa da insistência de Moscou, houve concordância em incluir o Irã nas conversações de paz para a Síria.

A descoberto na Síria, travado no Iêmen, com suas finanças cada vez mais frágeis, o Reino também tem que lidar com uma agitação interna da minoria Shiita, há muito tempo marginalizada no leste e sul do país. Para culminar, o Estado Islâmico está pregando por uma “liberação” de Meca das mãos da Casa de Saud e lançou uma campanha de bombardeio dirigida contra os Shiitas do Reino.

O desastre do Haji do último mês onde morreram mais de 2.100 peregrinos – desencadeando a raiva contra as autoridades sauditas que deixam a investigação da tragédia se arrastando sem solução – acrescentou-se às tribulações da família real saudita. Os sauditas afirmam que morreram apenas 769 pessoas, entendimento que não foi aceito por nenhum país no mundo. Há rumores cada vez mais insistentes de que o desastre foi causado quando a polícia bloqueou uma área para permitir que altos membros da família real tivessem acesso aos locais sagrados.

Alguns desses passos em falso podem ser atribuídos à condução do Reino pelo novo Rei, Salman bin Abud-Aziz Al Saud, e à jovem geração de jovens sauditas agressivos que ele colocou nos postos chaves do Reino. Mas os problemas da Arábia Saudita convidam também a uma reflexão sobre as transições que ocorrem no Oriente Médio. Quando exatamente isso vai acontecer ainda não está claro, mas as mudanças estão no horizonte.

Pouco a pouco o Irã está saindo de seu isolamento, e com base em sua grande e bem educada população, base industrial forte e abundantes recursos em energia, está pronto para desempenhar forte papel no âmbito regional, se não internacional. Na Turquia, há uma agitação política crescente, oposição cada vez mais ferrenha entre os turcos sobre a intromissão de Ancara na guerra civil da Síria.

Por outro lado, a Arábia Saudita está presa em suas próprias políticas, tanto no exterior quanto no ambiante doméstico. “o contrato social entre a família real saudita e seus cidadãos se torna cada vez mais caro, e tornará difícil, se não impossível de sustentar sem a recuperação dos preços do petróleo”, disse para o jornal New York Times Meghan L. O’Sullivan, diretor de Geopolítica do projeto de Energia em Harvard.

No entanto, a Casa de Saud não tem alternativa a não ser continuar a extrair cada vez mais petróleo para pagar suas contas externas e internas. Isso faz com que o preço do petróleo caia cada vez mais, dado o excesso de oferta e, quando o Irã entrar no mercado de venda de petróleo ao caírem as sanções, o excesso de petróleo no mercado vai aumentar ainda mais.

Mesmo sendo imensamente rico, também imensas são as contas a pagar e a vencer. Não está claro se o Reino terá condições ou capital para honrar todas elas.


Conn Hallinan

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