sábado, 7 de novembro de 2015

Erdogan vai à guerra         

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Mike Whitney, Counterpunch        

Tradução pelo Coletivo Vila Vudu        

"Você queria saber por que 58 mil norte-americanos (e número vergonhosamente muito maior de vietnamitas) morreram na Guerra Americana [que é como se conhece, no Vietnã, o que nos EUA chama-se 'Guerra do Vietnã']? Morreram para estimular o surgimento de empresários, aumentar as exportações e fazer emergir muitos tecnocratas por todo o sudeste da Ásia."

11/3/2015, "Como criar um estado de insegurança", Andrew J. Bacevich, 
TomDispatch, traduzido em 
redecastorphoto (epígrafe acrescentada pelos tradutores)
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"ISIS ameaça nosso modo de vida e nossa segurança (...) Temos planos para agir militarmente contra eles nos próximos dias. Vocês verão" (ministro turco de Relações Exteriores Feridun Sinirlioğlu).

Vitória ampla nas eleições extraordinárias de 1º de novembro na Turquia afastaram o último obstáculo que ainda continha o ímpeto do presidente Recep Tayyip Erdoğan rumo à guerra. O surpreendente resultado das urnas, amplamente denunciado por observadores internacionais das eleições turcas como "injusto e distorcido pela violência e pelo medo", deu ao Partido Justiça e Desenvolvimento (tu. AKP) de Erdogan 49% dos votos e restabeleceu governo de partido único em Ancara. Pouco depois de anunciados os resultados das eleições, o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu convocou os partidos políticos turcos a descartarem a Constituição vigente, para dar quase ilimitada autoridade executiva ao presidente Erdogan.


Segundo o jornal turco Today's Zaman, Davutoglu disse: "Conclamo todos os partidos que chegam ao Parlamento a produzir nova constituição nacional civil (...) Vamos trabalhar juntos para uma Turquia onde o conflito, a tensão e a polarização são inexistentes e todos se saúdam em paz."

Em outras palavras, as urnas estão sendo usadas para sabotar a democracia e dar poderes supremos não controlados ao presidente. Menos de 24 horas depois de Erdogan ter reconstruído seu controle sob governo de partido único, lá estava ele a 'reiterar' o apelo de Davutoglu para aumentar os poderes do presidente mediante referendo nacional.

"Questão como o sistema presidencial não pode ser decidida sem a nação" – disse Erdogan a jornalistas numa conferência de imprensa. "Se o mecanismo exige um referendo, então faremos um referendo (...) A presidência executiva não é questão de nosso futuro pessoal na presidência (...), que já entrou para os livros de História. A motivação básica para a mudança é dar à Turquia o sistema mais efetivo possível."

Assim, segundo Erdogan, os poderes ditatoriais do presidente são 'recomendáveis' já estão estabelecidos; o referendo é mera formalidade.

Bem claramente, Erdogan quer usar o referendo para consolidar seu poder, estabelecer um governo de um só homem e pôr fim ao governo representativo na Turquia. É islamista empenhado, que planeja descartar o governo democrático e criar um regime islamista que avance além das atuais fronteiras da Turquia, invadindo Iraque e Síria. Por isso Erdogan é apoiador tão entusiasmado dos grupos jihadistas que lutam na Síria.

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Exército Turco
Mais importante que isso, Erdogan pretende usar sua vitória eleitoral para persuadir o Alto Comando Militar de que teria mandato popular para fazer sua própria política exterior, para cuja execução já há milhares de soldados e tanques turcos estacionados na fronteira síria, para uma possível invasão. Até agora, os militares turcos têm resistido contra os planos de Erdogan, mas agora que o comandante do estado-maior, general Necdet Özel, foi substituído no comando das Forças Armadas da Turquia [tu. TSK] pelo muito mais servil general Hulusi Akar, o plano para invadir a Síria e fixar a tal chamada "zona segura" ao longo do lado sírio da fronteira turca torna-se muito mais provável.

O plano para anexar território sírio soberano e usá-lo para dali lançar ataques contra o governo do presidente Bashar al-Assad existe desde 2012. Em 2015, porém, a estratégia foi expandida por Michael E. O'Hanlon, analista do [Instituto] Brookings, numa peça intitulada "Desconstruir a Síria: Nova Estratégia para a Guerra mais Sem Esperanças dos EUA". Eis um excerto:

"…a única via realista à frente pode ser um plano que efetivamente desconstrua a Síria. (...) a comunidade internacional deve trabalhar para criar bolsões com segurança e governança mais viáveis ao longo do tempo (...) Tão logo estejam viabilizados, a ideia deve ser ajudar os elementos moderados a estabelecer zonas seguras confiáveis dentro da Síria. Norte-americanos, assim como sauditas, turcos, britânicos, jordanianos e outras forças árabes devem agir no apoio, não só por ar, mas também eventualmente em solo mediante forças especiais (...). As próprias forças ocidentais devem permanecer em posições mais seguras em geral – dentro das zonas seguras, mas por trás do front –, pelo menos até que tais defesas sejam tornadas confiáveis, e também forças aliadas tornem prático instalar e viver em pontos mais avançados.

A criação desses santuários deve produzir zonas autônomas que nunca mais tenham de encarar a possibilidade de voltarem a ser governadas por qualquer Assad (...) O objetivo intermediário deverá ser uma Síria confederada, com várias zonas altamente autônomas (...). A confederação provavelmente exigirá apoio de força internacional de manutenção da paz (...) para tornar defensáveis e governáveis aquelas zonas, (...) e para treinar e equipar mais recrutas, de modo que as zonas possam ser estabilizadas e depois gradualmente expandidas" (
Deconstructing Syria: A new strategy for America's most hopeless war, Michael E. O'Hanlon, Brookings Institute).


Esse é o programa básico do governo Obama para derrubar o governo eleito do presidente Assad e reduzir a Síria a situação de estado falhado ingovernável sobre o qual reinarão senhores-da-guerra regionais, milícias de renegados, terroristas em geral e extremistas islamistas. O secretário de Estado dos EUA John Kerry confirmou nossas piores suspeitas sobre esse plano sinistro, em palestra que deu na [ONG] Carnegie Endowment for International Peace, ainda na semana passada. Eis parte do que Kerry disse:


"No norte da Síria, a coalizão e seus parceiros empurraram o Daesh (ISIS) para fora de mais de 17 mil quilômetros quadrados de território, e já securitizamos a fronteira turco-sírio a leste do rio Eufrates. É cerca de 85% da fronteira turca, e o presidente está autorizando mais ações para securitizar o resto (...).

Também estamos reforçando nossa campanha aérea, para ajudar a empurrar o Daesh, que antes dominava a fronteira sírio-turca, para fora da faixa de 70 milhas, que o grupo controla" (
U.S. Secretary of State John Kerry on the Future of U.S. Policy in the Middle East, Carnegie Endowment for International Peace).[1]


Repita comigo: "É cerca de 85% da fronteira turca, e o presidente está autorizando mais ações para securitizar o resto."


Por que Obama autorizou "mais ações para securitizar o resto"?

Porque ninguém em Washington acredita que os terroristas apoiados pelos EUA derrotarão as forças combinadas da coalizão que Rússia construiu, e que já está aos poucos aniquilando as milícias terroristas por toda a Síria. Assim sendo, Obama está passando para o Plano B, criar um santuário para terroristas no lado sírio da fronteira sírio-turca, onde EUA e parceiros possam continuar a armar, treinar e infiltrar terroristas maníacos de volta para território sírio, durante todo o tempo que entender que seja útil. Não há dúvida alguma de que as Forças Especiais de Obama serão usadas para supervisionar essa operação e garantir [sendo possível] que tudo transcorra conforme o plano.

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Há também, é claro, a questão do papel das milícias curdas nessa estratégia. Recentemente, os EUA entregaram, lançados de aviões que sobrevoaram a área, contêineres carregados de armas e munição para oPYD, na esperança de que o grupo ajude os EUA a securitizar a última faixa de terra ao longo da fronteira a oeste do Eufrates, mantendo assim abertas linhas vitais de suprimento para os terroristas, enquanto estabelecem aquele paraíso seguro de terroristas em território sírio. Erdogan opõe-se violentamente a qualquer operação que venha a criar um estado curdo contínuo, no lado sírio da fronteira com a Turquia.

Assim sendo, como será possível resolver essa situação? Obama manter-se-á fiel aos curdos, ou se 'reposicionará' ao lado de Erdogan, em troca de coturnos turcos em solo?

Ninguém sabe até agora, mas com certeza uma aliança Turquia-EUA seria muito mais formidável que uma coalizão EUA-curdos do PYD. A julgar pela longa história de Washington de preferir sempre a solução mais oportunista para alcançar objetivos políticos, deve-se esperar que Obama aliste os EUA ao lado de Ancara.

Deve-se lembrar que o Parlamento turco já "aprovou possível envio de forças terrestres turcas para a Síria, e abriu a porta para permitir que forças estrangeiras instalem-se em território turco" – e desde outubro de 2014. Servindo-se do pretexto de que teria de "combater o terrorismo", como desculpa para a invasão, disse Erdogan: "Estamos abertos a qualquer tipo de cooperação (...) Mas a Turquia não é país que se deixe usar para soluções temporárias (...). A imediata remoção do governo em Damasco, a unidade territorial síria e a instalação de um governo que reúna todos continua a ser nossa prioridade."

Em outras palavras, Erdogan não fornecerá coturnos em solo a menos que os EUA comprometam-se declaradamente com o golpe para derrubar Assad (dito 'mudança de regime').

Erdogan sempre foi o mais empenhado propositor e defensor de "zonas seguras", ideia que exige a ação de aviões norte-americanos para patrulhar os céus do norte da Síria e tropas dos EUA em solo. O plano aumenta muito a probabilidade de contato direto com aviões russos, evento que muito rapidamente pode levar a confronto entre dois adversários 'nucleares'.

Considerem agora esse artigo publicado no The Telegraph britânico, em junho de 2015, tão prematuro na 'previsão'. A matéria leva o título de "Turquia 'planeja invadir a Síria'":


"O presidente Recep Tayyip Erdogan autorizou mudança nas regras para engajamento definidas pelo Parlamento turco para permitir que o exército ataque o Estado Islâmico do Iraque e Levante [ing.ISIL], e também o regime de Assad, segundo jornais turcos. O objetivo é estabelecer zona segura para refugiados e contra o ISIL (...)


A Turquia clama pela criação de zona segura, protegida por forças internacionais no norte da Síria, desde que a guerra civil (sic) empurrou centenas de milhares de refugiados para o outro lado da fronteira (...)

A mídia turca foi informada das novas ordens que estavam sendo dadas aos militares para que enviam força de 18 mil soldados para o lado sírio da fronteira (...). Esses soldados devem tomar faixa de território de 60 milhas de comprimento por 20 de profundidade, incluindo os postos de passagem de fronteira de Jarablus, atualmente controlado pelo ISIL, e de Aazaz, atualmente controlado pelo Exército Sírio Livre (
Turkey 'planning to invade Syria'", Telegraph).


Leitores atentos já perceberam a espantosa semelhança entre o plano de Erdogan e a 'estratégia' do [Instituto] Brookings. Washington e Ancara parecem partilhar precisamente a mesma visão de como a Síria deveria ser reformatada depois da invasão agora planificada. Assim sendo, que ninguém se surpreenda se Obama e Erdogan rapidamente deixarem de lado quaisquer 'diferenças' e se organizarem para alcançar um objetivo comum dos dois.


Resultado de imagem para Erdogan goes to warErdogan empenhou considerável esforço para afastar todos os obstáculos que o impediam de invadir a Síria. Obteve luz verde do Parlamento para usar o exército, se entender que haja ali um ameaça à segurança nacional. Ele já "internacionalizou" efetivamente o conflito, ao deixar que aviões de EUA, Grã-Bretanha e França decolem de Incirlik (o que absolverá Erdogan e seus asseclas em caso de serem acusados de falta de transparência ou crimes de guerra). E, finalmente, as eleições dão a Erdogan o mandato de que precisava para convencer os militares turcos de que sua política externa conta com integral apoio do povo turco. Assim sendo, Erdogan está em posição de acertar dois coelhos com uma cajadada; a única questão é se ele realmente ordenará, ou não, a invasão à Síria.

Na 4ª-feira, o ministro de Relações Exteriores da Turquia Feridun Sinirlioğlu confirmou que Erdogan planeja invadir a Síria, sob o pretexto de "combater o terrorismo". Aqui, um excerto de artigo publicado no Daily Sabah:


"Turquia tem planos para lançar operação militar contra o ISIS em futuro próximo, disse o ministro turco de Relações Exteriores na 4ª-feira. Feridun Sinirlioğlu participava de uma reunião sobre o futuro do Oriente Médio, que aconteceu em Erbil na região curda no norte do Iraque.


"Daesh [ISIS] ameaça nosso modo de vida e segurança (...). Temos planos para agir militarmente contra eles nos próximos dias. Vocês verão. Temos de nos posicionar juntos contra esse perigo" – disse o ministro turco,

"Persistiremos em nossos esforços para eliminar todas as organizações terroristas. Vamos agir de modo responsável, de modo que a região curda e o Iraque possam ser bem-sucedidos na luta contra o terror. É mensagem muito clara ao Iraque e à região curda, a favor de um futuro brilhante" – disse (
Turkey in plans to launch military operation against ISIS, foreign minister says, Daily Sabah).


Naturalmente, nada disso tem qualquer coisa a ver com lutar contra algum terrorista ou terrorismo. Na verdade, Erdogan tem sido o melhor amigo dos terroristas, deixando que andem de um lado para o outro através da fronteira, sem que nada os impeça. O que as palavras de Sinirlioğlu anunciam é que a Turquia está finalmente pronta a tomar a faixa de território de 60 milhas de largura, de que falava o artigo do Telegraph. Até o momento em que escrevo, ainda não se conhece a reação da Casa Branca às palavras de Sinirlioğlu, mas já se sabe que Obama tem reunião agendada com Erdogan em Ancara, marcada para daqui a menos de duas semanas. Até lá o governo dos EUA terá chegado a alguma conclusão, sobre se fica com os curdos ou aposta suas fichas em Erdogan. Seja como for, haverá uma tentativa para criar uma zona segura, a partir da qual Washington poderá continuar sua guerra contra Assad. Até aí, é certeza.


Esses desenvolvimentos sugerem que Putin terá de mover-se depressa, se quiser fechar a fronteira e fazer descarrilar o plano de Erdogan. O presidente russo pode ter de deslocar Forças Especiais da Rússia e divisões blindadas para o norte do país, para desencorajar o aventureirismo de EUA-Turquia e evitar que a guerra converta-se num atoleiro.

Essa é situação daquelas em que a prevenção pode ser muito, muito, compensadora.

Mike Whitney - é um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua própria empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha regulamente como articulista freelance nos últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o premio Project Censored por um reportagem investigativa sobre a Operation FALCON, um massiva, silenciosa e criminosa operação articulada pela administração Bush (filho) que visava concentrar mais poder na presidência dos EUA. Escreve regularmente em Counterpunch e vários outros sites. É co-autor do livro Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press) o qual também está disponível em Kindle edition. Recebe e-mails por: fergiewhitney@msn.com.



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