domingo, 7 de setembro de 2014

ISIS e a nossa era.



 
por Noam Chomsky



06 de setembro de 2014 – “Information Clearing House” – Não é prazeroso ficar a matutar sobre a idéia de que, enquanto o crepúsculo cai sobre o mundo, passa pela cabeça da coruja de Minerva a dura tarefa de assumir a interpretação da atual era da civilização humana, que hoje está se aproximando de seu inglório fim.
A era teve início há cerca de 10.000 anos no Crescente Fértil, alongando-se por terras do Tigre e do Eufrates, através de Fenícia na costa oriental do Mediterrâneo até ao Vale do Nilo, e de lá para a Grécia e além. O que acontece hodiernamente nessas regiões, nos dá uma dolorosa lição sobre as profundezas para a qual a espécie mergulha.

A terra do Tigre e do Eufrates é o palco onde ocorrem cenas, nos anos recentes, de horrores indescritíveis. A agressão promovida em 2003 por George W. Bush/Tony Blair que muitos iraquianos comparam com a invasão mongol no século 13, foi mais um golpe letal. Destruiu muito do que havia sobrevivido no Iraque à política de sanções impostas pela ONU, manipulada por Bill Clinton, condenada como “genocida” pelos eminentes diplomatas Denis Halliday e Hans Von Sponeck, que a administraram antes de renunciarem em protesto. O relato devastador de Halliday e Von Sponeck recebeu o tratamento comum ministrado aos fatos indesejados quando vêm à luz.

Uma das terríveis consequências da invasão patrocinada por EUA e Reino Unido é descrita no “guia visual da crise no Iraque e Síria” do New York Times: a mudança radical que aconteceu em Bagdá, de uma vizinhança miscigenada e pacífica em 2003 para os enclaves sectários mergulhados em ódio amargo dos dias atuais.

Grande parte da área do Tigre/Eufrates hoje se encontra nas mãos do ISIS e seu auto declarado Estado Islâmico, uma sinistra caricatura do Islã radical extremista que tem sua casa na Arábia Saudita. Patrick Cockburn, um correspondente do jornal “The Independent” e um dos mais bem informados analistas sobre o ISIS o descreve como “uma organização horrível, fascista de muitos modos, extremamente sectária, que assassina qualquer um que não acredite em sua particular e rigorosa maneira de culto ao Islã”.

Cockburn também salienta a contradição que existe na reação do ocidente à emergência do ISIS: ao mesmo tempo em que tenta deter o avanço do ISIS, também se esforça para enfraquecer o seu maior oponente na Síria, o regime de Bashar Assad. Ao mesmo tempo, a maior barreira à difusão da praga ISIS para o Líbano é o Hezbollah, odiado inimigo dos Estados Unidos e seu aliado Israel. Para complicar ainda mais a situação, os Estados Unidos e o Irã agora dividem uma justificada preocupação com o crescimento do Estado Islâmico, assim como de outros naquela região altamente conflitada.

O Egito se encontra mergulhado em dias sombrios, sufocado por uma ditadura militar que continua a receber apoio dos Estados Unidos. Não estava escrito nas estrelas o destino do Egito. Por séculos, sendas alternativas foram possíveis e não sem freqüência uma pesada mão imperial barrou estes caminhos.

Depois dos renovados horrores presenciados pelo mundo nas últimas semanas, torna-se desnecessário comentar o que vem de Israel, que na história remota foi considerado como uma reserva moral.

Há cerca de oitenta anos, Martin Heidegger saudava o surgimento da Alemanha Nazista como a esperança que o mundo proporcionava para resgatar os valores e a glória da civilização grega em contraposição aos bárbaros do ocidente e do oriente. Hoje, a Alemanha esmaga a Grécia sob o tacão da bota dos banqueiros e um regime econômico destinado a manter a sua riqueza e o poder.

A previsão mais provável para efetivamente acontecer está contida em um relatório preliminar expedido pelo Comitê Intergovernamental para a Mudança Climática (Intergovernmental Panel on Climate Change) o monitor, geralmente conservador, do que está acontecendo com o mundo físico.

O relatório conclui que o risco cada vez mais crescente de emissão de gás de efeito estufa “terá impacto severo, generalizado e irreversível sobre pessoas e ecossistemas” nas próximas décadas. O mundo se aproxima cada vez mais da temperatura através da qual a perda do imenso manto de gelo que cobre a Groenlândia se tornará irreversível. Junto com o derretimento do gelo da Antártida, isso pode elevar o nível dos oceanos até a inundação de grandes cidades, bem como de planícies costeiras.

A era da civilização coincide aproximadamente com a época geológica do Holoceno, que teve seu início há cerca de 11.000 anos. A época anterior, o Pleistoceno, durou por 2,5 milhões de anos. Atualmente, os cientistas sugerem que a nova época seja chamada de Antropoceno, começando 250 anos atrás, o que faria desta época a que marca o período em que a atividade humana tem um impacto dramático no mundo físico. É difícil ignorar o ritmo de mudança dessa época geológica.

Um dos índices do impacto do surgimento dos seres humanos é a extinção das espécies, agora estimado como sendo do mesmo nível de 65 milhões de anos atrás, quando um asteróide colidiu com a Terra. Presume-se que seja esta a causa da extinção dos dinossauros, o que abriu a possibilidade para o progresso e proliferação dos mamíferos, que acabou resultando nos seres humanos. Hoje o asteróide são os humanos, que condenam a maior parte da vida à extinção.

O relatório do IPCC reafirma que a “grande maioria” das reservas conhecidas do combustível fóssil deveria ser deixada no subsolo por trazer riscos intoleráveis para as gerações futuras. Enquanto isso, as maiores corporações energéticas não fazem segredo de sua meta de explorar essas reservas e descobrir novos campos de exploração.

Apenas um dia antes da publicação do resumo das conclusões do IPCC, o jornal New York Times relatou que muito do estoque de grãos do Centro Oeste estava apodrecendo para que o óleo extraído no recente boom de petróleo de Dakota do Norte pudesse ser transportado por via férrea e enviado para a Europa e Ásia.

Uma das consequências mais temidas do perigo antropogênico global é a possibilidade de derretimento das regiões de pergelissolo (permafrost no original – NT). Um estudo da Science Magazine alerta que “mesmo um pequeno aumento da temperatura (menor do que o que pode ocorrer [e já se antecipa] nos próximos anos) pode começar o derretimento do pergelissolo, o que por sua vez ameaça disparar o gatilho da liberação de grandes massas de gás de efeito estufa atualmente presos no gelo, com conseqüências possivelmente fatais para o clima global”.

Arundhati Roy lembra que “a metáfora mais apropriada para ilustrar a insanidade em nossos dias” é o Glaciar Siachen, onde soldados hindus e paquistaneses mataram uns aos outros na luta que aconteceu no campo de batalha mais alto do mundo até hoje. Hodiernamente, o glaciar está se derretendo, revelando “milhares de cápsulas usadas de artilharia, tambores de combustível vazios, machados de gelo, velhas botas, barracas e outras coisas aos milhares, que humanos produzem quando em guerra uns contra os outros nos seus estúpidos conflitos.” Agora, com o derretimento do glaciar, Índia e Paquistão estão face a face com desastres indescritíveis.

Triste espécie. Pobre Coruja.




Noam Chomsky

Tradução: mberublue




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sábado, 6 de setembro de 2014

O ocidente pavimenta com mentiras a estrada para a guerra.



Por Paul Craig Roberts

Tradução mberublue




Declarações oficiais do governo russo indicam que o presidente e o ministro do exterior continuam a confiar na boa vontade de seus “parceiros ocidentais” para o desenvolvimento de uma solução diplomática razoável para o problema ucraniano causado por Washington. Não apenas não existe qualquer evidência de boa vontade nas capitais ocidentais como as medidas hostis contra a Rússia seguem aumentando. Além disso, essas medidas hostis aumentam mesmo quando se torna claro que seus efeitos são desastrosos para a Europa.

Por exemplo: o presidente socialista da França resolveu seguir caninamente as ordens de Washington e se recusou a entregar para a Rússia um navio que está construindo sob contrato. As notícias sobre o assunto são tão mal relatadas que não dão conta se a Rússia já pagou pelo navio ou se o pagamento ainda está à espera de complementação. Se a Rússia ainda não pagou, então a falha na entrega causará danos apenas para quem financiou a construção do navio. Se a Rússia já pagou, então o imbecil presidente francês colocou a França em flagrante violação de contrato e sob a lei internacional o país estará sujeito a pesadas sanções financeiras.

Não está claro como isso prejudicaria a Rússia. São as forças estratégicas nucleares da Rússia que o ocidente tem que temer, não um navio de transporte de helicópteros. A lição que Hollande está dando para a Rússia é a seguinte: não faça negócios com a França ou qualquer outro país da OTAN.

A Rússia pode simplesmente colocar de imediato a violação contratual em julgamento. No caso a França deverá sofrer sanções com penalidades cujo valor pode exceder o próprio valor do contrato, ou então o ocidente estará provando que em suas mãos a lei internacional não passa de um amontoado de palavras sem sentido. Se eu fosse a Rússia desistiria tranquilamente de um navio de transporte de helicópteros apenas para deixar estabelecido esse ponto.

Marine Le Pen
Atualmente a França tem apenas um líder: Marine Le Pen, a qual, embora seu apoio tenha crescido exponencialmente, não está no poder. Le Pen disse que a atitude subserviente de Hollande para com  Obama “acarretará um custo enorme para a França: a perda de milhões de horas trabalhadas e uma multa entre 5 a 10 bilhões de euros”.

Hollande tenta justificar sua submissão abjeta a Washington com uma mentira: “As ações da Rússia no leste da Ucrânia transgridem princípios fundamentais da Segurança Europeia”. Ocorre exatamente o oposto. São as ações estúpidas de Hollande, Merkel e Cameron que colocam em perigo a Segurança Europeia ao permitir que Washington continue com a sua rota de guerra contra a Rússia.

Tomando-se por base as reportagens (pelo que elas valem), Washington e seus fantoches da União Europeia estão preparando mais sanções contra a Rússia. Levando-se em conta a incompetência crônica de Washington e Bruxelas, é incerto quem será mais prejudicado com tais sanções, se Rússia ou Europa. O que importa é que a Rússia nada fez para merecer que as sanções lhe sejam impostas.
As sanções baseiam-se na mentira de Washington afirmando que, nas palavras de Obama (03 de setembro) “forças russas de combate, com armas russas e tanques russos” instalaram-se no leste ucraniano. Conforme relato do Professor Michel Chossudovsky no Global Research, observadores da OSCE (Organization for Security ond Cooperation in Europe – Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) “não houve registro de tropas, munição ou armas que tenham cruzado a fronteira entra a Rússia e a Ucrânia nas últimas duas semanas”.

As passagens seguintes são relatos do Professor Chossudovsky baseadas nas conclusões da OSCE:

“A missão de observação da OSCE está instalada nos postos de controle russos de Gukovo e Donetsk a pedido do governo russo. A decisão foi tomada em acordo consensual por todos os 57 Estados que participam da OSCE, muitos dos quais se encontram representados na Cúpula da OTAN em Gales.”

“O relato da OSCE contradiz as declarações do regime de Kiev e de seus padrinhos EUA e OTAN. Confirma que as acusações que se referem ao fluxo de tanques russos não passam de uma mentira deliberada.”

“A OTAN deu apoio para as declarações de Obama, baseadas em imagens falsas de satélite (28 de agosto ode 2014) as quais supostamente mostrariam forças russas engajadas em operações de combate no interior do território soberano da Ucrânia. Estas declarações foram refutadas detalhadamente por relatos da missão de monitoramento da OSCE estacionada nas fronteiras entre a Rússia e a Ucrânia. Os relatórios da OTAN que se basearam nas fotos de satélite construíram uma evidência falsa.”

“Note-se como importante que a OSCE monitoriza cuidadosamente os movimentos através da fronteira, movimentos estes que consistem na maioria em refugiados.”

Tal como no Iraque, Afeganistão e Líbia, atacados com base em mentiras evidentes e Síria e Irã, que estão na mira de outros ataques também suportados em mentiras transparentes, as sanções contra a Rússia igualmente se apoiam apenas em mentiras descaradas.

De acordo com o UK Telegraph as novas sanções proibirão que todas as companhias estatais russas de defesa ou petrolíferas façam captação de recursos nos mercados europeus de capital. Em outras palavras qualquer empresa petrolífera em operação na Rússia também pode ser excluída desse mercado. Ninguém ficará imune.

Uma das possíveis respostas russas a tal sanção pode ser o confisco de qualquer empresa ocidental em operação na Rússia como forma de compensação para o eventual prejuízo causado pelas sanções infligidas ao país.

Outra resposta pode ser voltar-se para a China na busca por financiamento.
Ainda outra pode ser o financiamento próprio para a indústria de energia e defesa. Se os Estados Unidos podem imprimir dinheiro para manter quatro ou cinco megabancos à tona, a Rússia pode muito bem imprimir dinheiro para financiar suas necessidades.

A lição que Washington está proporcionando para grande parte do mundo é que um país tem que estar completamente louco para fizer negócios com o ocidente. O ocidente usa os negócios de forma hegemônica para punir, explorar e saquear. É incompreensível que depois de tantas lições amargas ainda existam países que recorrem ao FMI para empréstimos. É impossível não ter consciência atualmente que os empréstimos do FMI tem dois propósitos: o saque do país pelo ocidente e a subordinação do país à política hegemônica ocidental. Pois mesmo assim, governantes imbecis ainda candidatam-se para os empréstimos do FMI.

Toda a escalada da situação ucraniana é trabalho dos Estados Unidos, União Europeia e Kiev. Aparentemente, Washington interpreta a resposta moderada da Rússia como se o governo russo estivesse intimidado. Mas, quando Putin tem todas as cartas na mão, pode destruir a Europa simplesmente desligando a torneira do fluxo de gás natural e pode reincorporar a Ucrânia inteira de volta para a Rússia em apenas duas semanas ou menos, como pode os EUA vir a impor seja o que for?

Será que a Rússia está tão desesperada para fazer parte do ocidente que sucumbirá, transformando-se em apenas mais um dos Estados fantoches de Washington?


Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da ReaganomicsEx-editor e colunista do Wall Street JournalBusiness Week e Scripps Howard News ServiceTestemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch e no Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

Tradução: mberublue




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