Preparados para a coalizão
de duas cabeças?
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29/9/2015, Pepe
Escobar, RT
ATUALIZAÇÃO:
Pepe Escobar, 30/9/2015, 14h51 (hora de Brasília), pelo Facebook: "Estou em Berlin, berlinense por enquanto, mas não consigo parar de pensar na Nova Hidra: a coalizão de duas cabeças, na Síria. O Excepcionalistão está fora de si, 'explicando' e repetindo enlouquecidamente, para todos os lados, que não há "desconflitação" [orig., "deconfliction"] do tipo nós-podemos-bombardear-
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Tradução do Coletivo de Tradutores da Vila Vudu.
Jogo de
decisão na ONU. Um muito alardeado cara a cara depois de dois longos anos. O
momento máximo desse "está falando comigo?" geopolítico.
E então o presidente Putin da Rússia disse que é imperativo que se constitua ampla coalizão internacional contra o terror – especialmente o terror do tipo ISIS/ISIL/Daesh –, como se fez na 2ª Guerra Mundial para lutar contra Hitler.
E o presidente Barack Obama dos EUA, como se podia prever, piscou.
Por isso, no final, "não discutiram coalizões no clássico sentido do termo" – segundo o Ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov.
Para a coalizão abutres/matilha midiática, Lavrov também teve de especificar, mais uma vez, o que Moscou está fazendo no Sudoeste Asiático: "Ambos os governos, Iraque e Síria, receberam [essa assistência] que demos a eles. Enviamos especialistas militares para ajudá-los a usar o equipamento, e entendemos que todos os que lutem em solo contra os grupos terroristas ISIL e outros têm de ser coordenados. Não necessariamente sob comando unificado."
Quer dizer que o mapa do caminho à frente, depois de 90 minutos de conversas cara a cara e nenhum acordo sobre qualquer item específico, parece indicar que haverá uma coalizão de duas cabeças, uma comandada pelos EUA, outra pela Rússia, as quais, por teoria, operarão coordenadamente em solo.
Como também se poderia prever, neoconservadores e 'neoliberais conservadores' nos EUA estão fumegando. O 'Czar Putin' está em "superdistensão", feito os Romanovs. Na véspera do cara a cara Putin-Obama, uma manchete de um jornaleco norte-americano resumia tudo: "Presidente Obama enfrenta Rússia, China e Irã em discurso na ONU". É isso. Aí está toda a lista de desejos do Pentágono, uma depois da outra, as principais "ameaças" contra o Excepcionalistão, sem contar ISIS/ISIL/Daesh. Ou, geopoliticamente, o mapa do caminho dos turbulentos anos que temos à frente: o Império do Caos contra a integração da Eurásia.
A realpolitik reaparece à superfície
Para as galerias, lá estava a performance previsível de Obama na tribuna da ONU, falando como ator de segunda categoria interpretando um dandy entediado chapadão; demonizar a Rússia; tratar a China como lixo descartável, condescender sobre o Irã. O presidente Rouhani do Irã pelo menos se safou de assistir àquilo e permaneceu numa sala ao lado, reunido com David 'das Arábias'.
Mas quando subiu à tribuna, Rouhani falou muito seriamente, em nome de "uma grande nação", lamentando a morte de mais de 150 Iranianos durante o hajj, vítimas da "incompetência e administração falha dos encarregados", vale dizer, daquela "façamos de Meca uma Disneylândia" Casa de Saud.
Mas mesmo enquanto nada dizia de aproveitável ou satisfatório daquela tribuna, Obama foi obrigado a praticar realpolitik; Washington está "preparada para trabalhar com qualquer nação – inclusive Rússia e Irã – sobre a Síria. Só queria saber é o quão preparada Washington sempre esteve para trabalhar com os pirados pró-mudança de regime, da Casa de Saud/'Sultão Erdogan'. Cruzaram-se cimitarras virtuais nos corredores da ONU antes do fatídico encontro Putin-Obama cara a cara. Em jogo ali, nada menos que uma percepção da verdadeira liderança global.
Rússia e Irã de fato prevaleceram – firmando a noção de que, antes de tudo, o falso 'Califato' tem de ser convincentemente derrotado; depois disso, é possível que Assad deixe o governo; mas só deixará o governo mediante processo democrático que assim determine.
Mas um dadaísmo político digno de um Tristan Tzara ainda não baixou a crista da sua ensandecida cabeça de Hidra. Na próxima 3ª-feira, Obama preside uma reunião dos que lutam contra o ISIS/ISIL/Daesh, para a qual Teerã não foi convidada – porque é "estado patrocinador do terrorismo" (desde 1984) segundo o Departamento de Estado. E Moscou mandou dizer que não participará.
Putin, em vez disso, convocou os estados membros da ONU a reunir-se em reunião de nível ministerial comandada pela Rússia – na função de atual presidente (pela ordem do rodízio) do Conselho de Segurança da ONU. Resultado prático seria uma nova Resolução da ONU sobre combater o falso 'Califato'. Com Turquia, Arábia Saudita e Irã todos a bordo.
Essa é uma posição de todos os países BRICS. A presidenta brasileira Dilma Rousseff, da tribuna, culpou diretamente o falso "Califato" e "grupos associados" – tipo Frente al-Nusra – pela tragédia síria. O presidente chinês Xi Jinping destacou que "respeito pela segurança nacional" é um dos pilares da Carta da ONU – sem nem ter de mencionar a Síria.
Mas quem fez serviço completo foi Rouhani. Que lástima que a tradução tenha arruinado seu discurso. Rouhani culpou a invasão/bombardeio de Iraque e Afeganistão, e o apoio que Washington dá a Israel, pela criação da matriz do terror. A posição de Teerã sobre a Síria é muito próxima da de Moscou, mas as duas posições não são necessariamente idênticas. Por exemplo, não há qualquer coordenação em campo entre os dois países para a assistência militar a Damasco.
Xi, por sua vez, aplicou jab-jab-punch. (1) o movimento rumo a um "mundo multipolar" é "tendência irresistível". (2) A China é nação comprometida com o desenvolvimento pacífico, e não visa a alcançar "hegemonia, expansão ou esfera de influência só sua". (3) parcerias, só onde todos sejam "tratados como iguais"; e países realmente grandes e fortes não "vivem de atormentar países pequenos, fracos e pobres; tentar fazer valer a lei da selva não é modo adequado para que países conduzam suas relações internacionais."
Daí a histeria apoplética que tomou conta de neoconservadores e neoliberais conservadores.
Você está com eles ou contra eles?
Por trás de toda a pose sob os holofotes, já se pode detectar uma tendência subterrânea mais sutil. O governo Obama – apesar de suas células neoconservadoras firmemente incorporadas e do caráter geral de imperialismo humanitário que se vê em todos os detalhes – já está começando lentamente a perceber que, sim, tem de haver um mapa do caminho colaborativo, a ser seguido em todo o "Siriaque".
Semana passada, o 'sultão Erdogan' teve reunião crucial com Putin. Saído da reunião, já havia mudado completamente a sua conversa sobre mudança de regime: "Podemos ter um processo sem Assad, ou alguma com Assad num período de transição". O sempre escorregadio Erdogan parece agora apoiar o que ele mesmo definiu como uma "tripla iniciativa" para a Síria, que reuniria EUA, Turquia e Rússia. E que pode também incluir Arábia Saudita e Irã. Precisamente a espinha dorsal da coalizão que a Rússia está propondo.
Como Plano A para a luta contra ISIS/ISIL/Daesh, Rouhani na ONU até invocou um eco do Plano Conjunto Compreensivo de Ação [orig. Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA)] definido entre o P5+1 e o Irã para o dossiê nuclear. É importante, mais uma vez, lembrar que, no pé em que as coisas estão hoje, Irã e Rússia não têm "coalizão militar" na Síria – como Rouhani destacou em New York. O que existe é um acordo para partilha de inteligência entre Síria, Iraque, Irã e Rússia, que acaba de ser firmado em Bagdá. Pode-se chamar de Gangue dos Quatro (Damasco-Bagdá-Teerã-Moscou). Por que não?
Putin insistiu na ONU na coordenação entre todas as forças anti-ISIS/ISIL/Daesh baseada em princípios da ONU. O princípio chave que está em jogo é a soberania. No caso da Síria, essa posição traduz-se no apoio ao governo em Damasco, que pode até ter defeitos monstruosos, mas é o único jogo na cidade. 'Alternativa', só os bárbaros jihadistas salafistas.
E assim termina a obsessão por 'mudança de regime' do governo Obama; não num estouro, mas num gemido. A questão é como fará o governo Obama, para continuar a usar os jihadistas salafistas para sua operação "Assad tem de sair", ao mesmo tempo em que os bombardeia, como uma das cabeças da tal coalizão bicéfala. Dificilmente usará aqueles "não mais de cinco" rebeldes moderados treinados e armados com orçamento de $500 milhões de dólares.
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