O Exército russo
afirma a sua superioridade em guerra convencional
Thierry
Meyssan - Voltairenet.org
Tradução de Alva com revisão de Ricardo Cavalcanti-Schiel publicada no Portal GGN e no Blog do Alok
Tradução de Alva com revisão de Ricardo Cavalcanti-Schiel publicada no Portal GGN e no Blog do Alok
A intervenção
militar de Moscou na Síria não apenas revirou a situação militar no terreno e
semeou o pânico entre os jihadistas. Ela vem mostrando ao resto do mundo, em
situação de guerra real, a atual capacidade das forças armadas russas. Para
surpresa geral, elas dispõem de um sistema de interferência capaz de deixar a
OTAN surda e cega. A despeito de ter um orçamento muito superior, os Estados
Unidos acabam de perder a sua supremacia militar.
A intervenção
militar russa na Síria, que poderia ser uma aposta arriscada para Moscou diante
dos jihadistas, transformou-se numa manifestação de poderio que transtorna o
equilíbrio estratégico mundial [1]. Concebida inicialmente para isolar os
grupos armados apoiados por Estados que violam as resoluções do Conselho de
Segurança da ONU a esse propósito, para em seguida destruí-los, a operação foi
conduzida de modo a cegar o conjunto dos atores ocidentais e seus aliados.
Estupefato, o
Pentágono está dividido entre os que tentam minimizar os fatos, tentando
encontrar uma falha no dispositivo russo, e aqueles que, pelo contrário,
consideram que os Estados Unidos perderam a sua superioridade em matéria de
guerra convencional, e que serão necessários muitos anos para recuperá-la [2].
Há
que se lembrar que em 2008, quando da guerra da Ossétia do Sul, mesmo que as
forças russas tenham sido capazes de repelir o ataque georgiano, acabaram mostrando
ao mundo o estado deplorável do seu equipamento. Ainda há dez dias atrás, o
antigo secretário da Defesa, Robert Gates, e a ex-conselheira de Segurança
Nacional, Condoleezza Rice, falavam do exército russo como uma força de
"segundo nível" [3].
Como é que, então,
a Federação da Rússia conseguiu reconstruir a sua indústria de defesa para
conceber e produzir armas da mais alta tecnologia, sem que o Pentágono
percebesse a amplitude do fenômeno, deixando-se ficar para trás? Os russos
utilizaram todas as suas novas armas na Síria, ou ainda dispõem de outras
maravilhas de reserva? [4]
O mal-estar é tão
grande em Washington que a Casa Branca acaba de cancelar a visita oficial do
Primeiro Ministro Dmitry Medvedev e de uma delegação do Estado-Maior russo. A
decisão foi tomada após uma visita idêntica de uma delegação militar russa à
Turquia. É inútil discutir as operações na Síria quando o Pentágono não sabe
mais o que acontece lá. Furiosos, os "falcões liberais" e os
neo-conservadores exigem a retomada de um orçamento militar arrojado e obtêm a
suspensão da retirada das tropas do Afeganistão.
Da forma mais
estranha que se possa considerar, os analistas da OTAN, que assistem à
ultrapassagem do poder militar dos EUA, denunciam o perigo de um imperialismo
russo [5]. Mas no fim das contas, a Rússia não está fazendo outra coisa que
salvar o povo sírio, ao mesmo tempo em que propõe a outros Estados trabalhar em
cooperação com ela, enquanto os Estados Unidos, enquanto detinham a supremacia
militar, apenas impunham o seu sistema econômico e destruíam vários Estados.
É forçoso
constatar que as declarações incertas de Washington durante o deslocamento
russo, antes da ofensiva, não devem ser interpretadas como uma adaptação
política lenta da retórica oficial, mas sim, pelo que elas realmente expressam:
o Pentágono desconhecia o que se passava no terreno. Ele se tornara surdo e
cego.
Um sistema de
interferência generalizado
Sabe-se, desde o
incidente do USS Donald Cook no mar Negro, em 12 abril de 2014, que a Força
Aérea russa dispõe de uma arma [o sistema de guerra eletrônica Khibiny
(L-175V)] que lhe permite interferir em todos os radares, circuitos de
controle, sistemas de transmissão de informação etc. [6]. Desde o início do
deslocamento militar, a Rússia instalou um centro de interferência em Hmeymim,
ao norte de Latakia.
Subitamente, o
incidente do USS Donald Cook repetiu-se, mas, desta vez, num perímetro de 300
km; incluindo a base da Otan em Incirlik (Turquia). E ainda persiste. Tendo o
evento ocorrido durante uma tempestade de areia de intensidade histórica, o
Pentágono acreditou a princípio que os seus instrumentos de vigilância haviam
sido afetados, antes de constatar que eles tinham sido deliberadamente
neutralizados. Todos alvo de interferência eletrônica.
Ora, a moderna
guerra convencional se assenta no "C4i", uma sigla que corresponde
aos termos em inglês: "command" (comando), "control"
(controle), "communications" (comunicações), "computers"
(computadores) e "intelligence" (inteligência). Os satélites, aviões
e drones, navios e submarinos, blindados, e agora até mesmo os combatentes,
estão ligados uns aos outros por comunicações permanentes, que permitem aos
estados-maiores comandar as batalhas. É todo este conjunto, o sistema nervoso
da Otan, que está agora eletronicamente empastelado na Síria e numa parte da Turquia.
Segundo o perito
romeno Valentin Vasilescu, a Rússia teria instalado vários Krasukha-4, teria
equipado os seus aviões de aparelhos de guerra electrónica [KNIRTI] SAP /
SPS-171 (como o avião que sobrevoou o USS Donald Cook), e os seus helicópteros Richag
-AV. Além disso, usaria o navio-espião Priazovye (da classe Projecto 864,
Vishnya na nomenclatura da Otan), no Mediterrâneo [7].
Parece que a
Rússia assumiu o compromisso de não perturbar as comunicações de Israel ―
domínio de
proteção
norte-americano ―, de modo que se
absteve de implantar o seu sistema de interferência no sul da Síria.
Na realidade, as
aeronaves russas chegaram a dar-se ao luxo de violar repetidamente o espaço
aéreo turco. Não para medir o tempo de reação da sua Força Aérea, mas para
verificar a eficácia da interferência eletrônica nessa zona, de modo a poder
vigiar as instalações colocadas à disposição dos jihadistas na Turquia.
Por fim, a Rússia
utilizou várias novas armas, como os 26 mísseis de cruzeiro furtivos 3M-14T
Kaliber-NK, equivalentes aos RGM/UGM-109E Tomahawk [8] . Disparados a partir da
Frota do Mar Cáspio ― o que não tinha
nenhum fundamento militar ―, eles
atingiram e destruíram 11 alvos situados a 1.500 km de distância, na zona não
interferida ― de maneira que a Otan pudesse
apreciar o desempenho―. Estes mísseis
sobrevoaram o Irã
e o Iraque, a uma altitude variável
de 50 a 100 metros, segundo o terreno, passando a quatro quilómetros de um
drone norte-americano. Nenhum se perdeu, ao contrário dos americanos cujos
erros se situam entre os 5 e os 10%, segundo os modelos [9].
De passagem, estes
disparos demonstraram a inutilidade das despesas faraônicas do "escudo
anti-mísseis" construído pelo Pentágono em torno da Rússia — mesmo que
fosse oficialmente justificado como dirigido contra os lançadores iranianos.
Sabendo que estes
mísseis podem ser disparados a partir de submarinos, localizados em qualquer
ponto dos oceanos, e que eles podem transportar ogivas nucleares, os russos
recuperam o seu atraso em termos de lançadores.
Em última análise,
a Federação Russa, em caso de confrontação nuclear, seria destruída pelos
Estados Unidos — e vice-versa — , mas sairia vencedora em caso de guerra
convencional.
Apenas os russos e
os sírios estão em condições de avaliar a situação no terreno. Todos os
comentários militares vindos de outras fontes, aqui incluídos os jihadistas,
são infundados, porque só a Rússia e a Síria têm agora uma visão completa do
terreno. Ora, Moscou e Damasco querem tirar o máximo de proveito da sua
vantagem, e mantêm, dessa forma, o conveniente sigilo sobre as suas operações.
Dos poucos
comunicados públicos, e confidências de oficiais, pode-se concluir que pelo
menos 5.000 jihadistas foram mortos, entre os quais numerosos chefes da Ahrar
al-Sham, da al-Qaida e do Emirado Islâmico. Pelo menos 10.000 mercenários fugiram
para a Turquia, Iraque e Jordânia. O Exército Árabe Sírio e o Hezbolla
reconquistaram o terreno sem esperar pelos anunciados reforços iranianos.
A campanha de
bombardeios deverá terminar no Natal ortodoxo. A questão que se colocará então
será a de saber se a Rússia estará autorizada, ou não, a terminar o trabalho,
perseguindo os jihadistas que se refugiam na Turquia, no Iraque e na Jordânia.
Se assim não for, a Síria estará salva, mas o problema não terá sido resolvido
por completo. Os Irmãos Muçulmanos não deixariam de procurar uma revanche, e os
Estados Unidos de os utilizar, de novo, contra outros alvos.
[1] “Russian
Military Uses Syria as Proving Ground, and West Takes Notice”, Steven Lee
Myers & Eric Schmitt, The New York Times, October 14, 2015.
[2] “Top
NATO general: Russians starting to build air defense bubble over Syria”,
Thomas Gibbons-Neff, The Washington Post, September 29, 2015.
[3] “How
America can counter Putin’s moves in Syria”, by Condoleezza Rice, Robert M.
Gates,Washington Post (United States), Voltaire Network, 8 October
2015.
[4] O único estudo disponível está bem abaixo da realidade
: Russia’s
quiet military revolution and what it means for Europe, Gustav Gressel,
European Council on Foreign Relations, October 2015.
[5] «Russisches
Syrien-Abenteuer: Das Ende der alten Weltordnung», Matthias Schepp, Der
Spiegel, 10. Oktober 2015.
[6] “O
que é o que assustou o navio de guerra americano no Mar Negro?”, Tradução
Alva, Rede Voltaire, 21 de Setembro de 2014.
[7] «Cu
ce arme ultrasecrete a cîstigat Putin suprematia în razboiul radioelectronic
din Siria ?», Valentin Vasilescu, Ziarul de gardã, 12 octobre 2015.
Versão francesa : «L’arme
ultrasecrète qui permet à Poutine d’assoir sa suprématie dans la guerre radio
électronique en Syrie ?», Traduction Avic, Réseau international.
[8] “KALIBRating
the foe: strategic implications of the Russian cruise missiles’ launch”, by
Vladimir Kozin, Oriental Review (Russia), Voltaire Network, 14
October 2015.
[9] Após ter anunciado o contrário, os Estados Unidos
tiveram que admitir os fatos : “First
on CNN: U.S. officials say Russian missiles heading for Syria landed in Iran”,
Barbara Starr & Jeremy Diamond, CNN, October 8, 2015. “Moscow rejects CNN’s report on
Russian missile landing in Iran”, IRNA, October 8, 2015. “Daily Press
Briefing”, John Kirby, US State Department, October 8, 2015. “Пентагон не комментирует сообщения
о якобы упавших в Иране ракетах РФ”, RIA-Novosti, October 8, 2015.
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