Estratégia de crescimento da Espanha:
sexo, drogas e contas marotas.
domingo, 15 de junho de 2014.
por Don Quijones.
A milagrosa recuperação
econômica da Espanha é uma miragem, uma ilusão coletiva engendrada nas mentes
febris, porém altamente imaginativas dos ministros do governo, economistas e
contabilistas que projetam na consciência coletiva realidades oficiais.
Cristobal Montoro |
Quando se trata de
contabilidade criativa, poucos podem competir com o ministro da finanças do
país, Cristobal Montoro, que nesta semana revelou seu último esquema para “fazer
crescer” a economia, a saber, a inclusão dos comércios de prostituição e drogas
ilegais como parte do produto interno bruto.
Esta nova contabilidade safada adicionou mais 20 novos bilhões de euros
para o PIB do país, o que equivale a um aumento de 2%. Automaticamente isso
também diminuirá o rácio (relação,
geralmente percentual, entre dois números – [NT]) do déficit público para o PIB, bem assim
como o déficit de orçamento, o que tornará possível para a Espanha “alcançar” a
meta deficitária fixada pela Troika, de 6,5%.
O que torna essa
contabilidade necessária é que, apesar da brutal redução de custos, aumentos de
impostos e outras formas de repressão financeira, o governo falhou em conter a
maré da expansão do débito. A dívida pública da Espanha mais que dobrou de um
mínimo de 42 por cento do PIB seis anos atrás para mais de 100% atualmente.
Entretanto, o déficit orçamental continua em cerca de 7 por cento, quase o
dobro do máximo fixado por Bruxelas.
A Espanha não é o
único país da União Europeia a ter dificuldade para manter sob controle a sua
dívida. Como relata a BusinessWeek,
outros 17 países membros da União Europeia estão sendo monitorados pelo que Bruxelas
chama de “procedimentos relativos aos déficits excessivos”. Nem a Espanha é o
único país da União Europeia que se socorreu com a inclusão das receitas
oriundas do comércio de sexo e drogas para alavancar seu PIB. O primeiro país a
fazer isso foi a Itália, seguida logo depois pelo Reino Unido e em setembro
deste ano todos os países da UE estarão obrigados por lei a “calcular” e
incluir as receitas de procedimentos criminosos em seu balanço do PIB
trimestral.
Contabilidade Criminosa
Alguns países como a
Alemanha, Hungria, Áustria e Grécia, já têm incluído em seus cálculos receitas
provenientes da prostituição legalizada. Isso também é verdade para as drogas nos
Países Baixos, que associam receitas derivadas de drogas descriminalizadas como
a maconha, com estimativas de drogas pesadas como a heroína.
A diferença entre a
Espanha e os Países Baixos ou o Reino Unido, entretanto, é que nos Países
Baixos tanto a prostituição quanto uma importante parcela das drogas comercializadas,
mais especificamente a maconha, são não apenas legais como bem regulamentadas,
o que quer dizer que os governos destes países faz o recebimento das receitas fiscais
geradas e pode, ao menos, avaliar o total do valor financeiro dos mercados de
prostituição e drogas com algo que se aproxima da precisão. Em contrapartida,
na Espanha e no Reino Unido as drogas recreacionais continuam sendo
consideradas ilegais. Na verdade, na Espanha, um país com a tradição de ter uma
das legislações menos duras no mundo, o governo de Rajoy resolveu voltar no
tempo através da introdução de sanções muito mais pesadas para a venda ou
consumo de maconha e outras drogas.
Relata o jornal El País: como parte de uma controversa
série de medidas tomadas com base na sua chamada “Lei de Segurança do Cidadão”
o governo propõe agora triplicar a multa mínima pela posse de drogas em público
(para 1001 euros) assim como a proibição do cultivo de maconha para uso privado
(multada em até 30.000 euros) – apesar de permanecer legal o consumo em privado.
Também será revogada a possibilidade de escapar das multas em troca de
tratamento do vício.
Oportunismo e hipocrisia
Trata-se apenas de
mero exemplo do oportunismo e hipocrisia descarados de um governo que pontifica
de forma regular sobre assuntos de moralidade enquanto tenta escapar de uma
pletora de acusações de corrupção. De um lado, criminaliza e pune de maneira
intensa uma atividade – o consumo de maconha – que uma maioria de especialistas
concorda atualmente que seria muito melhor solucionada se tratado como um
problema de saúde, enquanto de outro lado aproveita a oportunidade para usar as
verbas geradas por esta atividade – com estimativas aproximadas – para melhorar
seus próprios indicadores econômicos, tentando assim preservar a fachada tão
cuidadosamente erguida de uma recuperação econômica.
Em se falando de
prostituição, ela é amplamente aceita e legalmente tolerada na Espanha. De
fato, de acordo com recente artigo do UK Independent, a Espanha é hoje uma das
capitais mundiais da prostituição.
A prostituição é tão
popular (e socialmente aceita) na Espanha que um estudo das Nações Unidas
relata que 39 por cento dos homens espanhóis já fizeram uso dos serviços de uma
prostituta pelo menos uma vez, enquanto esta proporção é de 14 por cento na
tolerante Holanda, ou na Bretanha, onde a proporção é relatada como algo entre
5 e 10 por cento. Leve-se em conta que se trata apenas daqueles homens que admitiram
o fato.
Ao contrário, na
Holanda, as mulheres envolvidas no comércio do corpo, não têm direitos
trabalhistas ou proteção da seguridade social. Elas estão condenadas a ganhar a
vida precária que conseguem em um submundo econômico do assim chamado “Sistema
D”, o gelo, termo Orweliano frequentemente usado hoje em dia para descrever a
economia informal.
Assim como na Grécia,
na Espanha a crise provocou um aumento massivo no comércio. De acordo com relatório
do Departamento de Estado dos EUA sobre o tráfico de pessoas, existem
atualmente na Espanha entre 200.000 e 400.000 mulheres trabalhando na
prostituição, das quais cerca de 90 por cento vítimas de traficantes de
pessoas. Alimentando o incremento da indústria do sexo estão vários fatores,
nos quais se incluem fronteiras porosas, leis frouxas e o aumento do turismo de
bordel. Desde 2010, a Espanha não tem qualquer legislação que faça distinção
entre a imigração ilegal e o tráfico de pessoas ou para a prisão dos
traficantes. Os serviços para as mulheres vítimas desse crime permanecem
esparsos e raros, de acordo com especialistas.
Todo o exposto não é
nada bom para as mulheres espanholas e estrangeiras que ali vivem no limite da
agonia financeira. Quanto ao desesperado governo espanhol, o momento para a
mudança nas práticas contábeis da União Europeia não poderia ser melhor. Quanto
mais tempo as autoridades continuarem a fechar os olhos para o comércio do
sexo, mais o novo componente do PIB espanhol poderá crescer. O governo Rajoy
também pode esperar boas notícias de uma ótima performance do outro novo
componente do PIB: a venda de drogas ilegais.
De acordo com alguns
especialistas, a Espanha já é o maior narco estado da Europa. Nas palavras de
Roberto Salviano, o premiado autor de Gomorra e Zero Zero Zero, a Espanha
atualmente movimenta mais cocaína e haxixe que qualquer outro país da Europa:
Por vinte anos a Espanha foi a porta de entrada européia para o comércio de
cocaína. Todos sabem, e também os espanhóis, que a Espanha é o país onde os
narco traficantes vão viver... Os políticos espanhóis sempre ignoram este
grande problema, por conveniência. Entre
as primeiras pessoas que investiram na Espanha depois da queda do regime de Franco
(os mafiosos italianos) estavam Antonio Bardellino, Nunzio de Falco e a
organização de Tano Badalamenti. Não por outra razão, nos chamam de ”Costa
Nostra”.
Em setembro deste
ano, a renda de todas essas atividades produtivas, incluindo-se aí a produção
da Costa Nostra e as vendas de drogas ilegais, prostituição e o mercado negro
de cigarros e álcool, se tornarão elementos constitutivos do PIB, não apenas da
Espanha, mas de toda a Economia Europeia. Podemos debater a moralidade de tudo
isso até que a vaca tussa e o burro fale, mas uma coisa é inegável: a enorme
conveniência do sincronismo da União Europeia.
A ilusão do crescimento
Nesta hora em que a
economia formal está estagnada e a dívida pública explode para níveis
verdadeiramente insustentáveis, a única arma que a União Europeia tem em seu
arsenal é a contabilidade criativa. Raciocínio simples: enquanto puder ser
mantida a fachada do crescimento econômico, os níveis de endividamento público –
a única coisa que mantém fora da implosão a economia e o sistema bancário
continental – podem continuar a crescer.
E qual o melhor
caminho para preservar a fachada do crescimento que a inclusão de um componente
que não apenas está crescendo a um ritmo sem precedente – a economia paralela
(que compreende não apenas drogas e prostituição mas atividades geralmente não
declaradas) que atualmente pode muito
bem representar um volume de 10 trilhões de dólares mundialmente – mas cujo
crescimento é quase impossível de seguir e de calcular com um bom grau de
precisão?
Na mais perversa e
pervertida das ironias, a economia paralela, motivo de dores de cabeça para
governos do mundo inteiro, pode neste momento estar prestes a salvar a sua
pele, pelo menos por um pouco mais de tempo!
por Don Quijones. escritor freelance e tradutor em Barcelona, Espanha.
Tradução: mberublue
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