Esse pessoal não é sério... Ou:
A doutrina Obama para a Europa é estúpida demais
E o que fazer da ‘nova’ doutrina de política exterior de Obama?
Em artigo anterior nessa RT, chamei de doutrina “Removam-o-Cadáver-para-o-Necrotério – Sem alarde”[1] – dado que ela ostensivamente privilegia a guerra clandestina, em vez de “Choque e Pavor”.
Depois, em outro artigo,[2] mostrei o quando a doutrina ainda excepcionalista recolhe do pensamento do neoconservador de primeira hora (e quem conceptualizou a guerra do Iraque) Robert Kagan – marido da notória Victoria, Rainha do Nulandistão.
Mas tudo isso ainda estava, sem dúvida, conceitual demais. De fato, como espirrou de registros da Casa Branca, a “doutrina” nada é além de um prosaico “Não façam nenhuma merda estúpida” [orig. “Don’t Do Stupid S**t,”[3]], denominação plenamente aceita pelo The New York Times.[4]
Mas “merda estúpida” é pouco para descrever mesmo o primeiro ato de Obama depois de anunciar a doutrina, semana passada, em West Point. Para os que não entendem, digamos, a mensagem, basta uma imagem para contar toda a história:[5] Obama e o presidente da Polônia em frente a uma exposição de F-16s num aeroporto militar perto de Varsóvia.
Merda estúpida viaja também de carona na merda séria, durante o atual tour de Obama pela Europa. Basta examinar o que foi acontecendo em cada um dos seletos pit stops.
Primeiro, Varsóvia – cujo nervosíssimo governo-poodle, vassalo dos EUA, está absolutamente histérico com uma tal iminente “ameaça” russa. Na sequência, o G7 em Bruxelas – é o “ex-G8”, do qual a Rússia foi expulsa pelas autoproclamadas “grandes potências”. Um dos itens na agenda é a possibilidade de desancar ainda mais sanções contra a “ameaça Moscou” à Ucrânia.
E então, as cerimônias do 70º aniversário dos desembarques na Normandia. Quem derrotou a Alemanha nazista foi, essencialmente, a União Soviética; o “Ocidente” só arrematou o serviço. Os generais de Stálin poderiam ter entrado em Berlim; só não entraram, porque Stálin teve medo de arrepiar excesso de penas em Yalta (e todo o cenário do pós-guerra teria sido história completamente diferente).
É só verificar: o processo inteiro, fascinante, fica perfeitamente visível, se se mistura “Rússia’s Road to the Cold War. Diplomacy, Warfare and the Politics of Communism, 1941-1945”, de Vojtech Mastny, com “Inside the Kremlin’s Cold War”, de Vladislav Zubok e Constantine Pleshakov.
Hoje, um evento sério da 2ª Guerra Mundial, como os desembarques na Normandia, já foi maculado por – adivinhem! – pura merda estúpida.
Porque Barack Primeiro absolutamente não pode estar na mesma sala com Vladimir Putin – porque, por ali, não há teleprompter que diga a Obama o que dizer –, o presidente da França François Hollande teve de servir dois jantares, um depois do outro, na mesma noite, na 5ª-feira. Foi o que vazou para a imprensa-empresa dos EUA por um dos conselheiros de política exterior de Obama, aquela espantosa, inacreditável mediocridade, de nome Ben Rhodes.
E o absurdo mais (quase) inacreditável é que tudo isso está acontecendo tendo, como pano de fundo, uma “operação antiterroristas” regida por Kiev e viabilizada por Washington – no momento em Lugansk[6] –, onde os civis mortos, chamados “dano colateral”, estão sendo acusados de serem culpados de tudo. Deve haver nazistas em festa – dentro dos túmulos de ontem, ou dentro das balaclavas de hoje.
Sigam o dinheiro pirado das armas
A valsa de Obama em Varsóvia veio com a promessa de um martelo de $1 bilhão[7] – como o Saker resumiu bem.Está sendo vendido – e já é praticamente certa a aprovação no Congresso dos EUA – como um “plano de segurança” para o Leste da Europa, código para deslocamento de mais soldados, mais jatos de combate e mais navios de guerra dos EUA.
A Casa Branca, em mais um clássico de duplifalar orwelliano, explicou que essa “Iniciativa para Tranquilização Europeia” [orig. European Reassurance Initiative (what the fuck?! (NTs)] vem como resposta à (inexistente) “ameaça” russa na fronteira da Ucrânia. Assim sendo, a resposta será mais ação da Marinha dos EUA em patrulhas da OTANpelo Mar Báltico e Mar Negro e mais “apoio” clandestino a Ucrânia e Georgia, estados não membros da OTAN.
Mais uma vez, a terminologia é chave: não apenas estamos falando de uma doce “tranquilização” à vista desses “novos desafios de segurança”, mas, sobretudo, acima de tudo, mais que tudo, houve uma promessa religiosa, de fé, enunciada por Obama em pessoa, de que a segurança do leste europeu é “sacrossanta”.[8]
A Casa Branca tomou o cuidado de destacar que todo esse “sacrossanto” esforço para inventar guerras e mais guerras na Europa absolutamente não implica deslocamento, retração ou qualquer tipo de redução do muito falado “pivoteamento” para a Ásia.
Não se precisa nem de meio nanossegundo para ver que a nova postura de excepcionalismo & esteroides não passa de merda estúpida – que é o que é. Essas “medidas concebidas para intimidar a Rússia” são também um Plano B semicozido, considerando que o Plano A – repetidas provocações, tentando empurrar a Rússia para “invadir” a Ucrânia – falhou miseravelmente.
Com a húbris imperial dos EUA tão perversamente ativada, o duplifalar da imprensa-empresa vira uma Sala de Espelhos que só reflete o próprio duplifalar. Mesmo ante o bombardeio diário que Kiev promove contra civis no Leste da Ucrânia, Obama insiste que a Rússia está tentando desestabilizar a Ucrânia; assim sendo... inevitavelmente haverá mais “castigos”, tipo “sanções”.
Não procure lógica no que chamei, há poucas semanas, antes do advento da merda estúpida, de “escola de diplomacia de delinquentes juvenis; diplomacia do “não gosto de você; não falo com você; estou de mal de você; tomara que você morra.”[9]
A contraparte da merda estúpida foi O Imperador a ordenar aos seus vassalos europeus que ajam juntos, que parem coessa conversa mole de crise econômica, que destinem muito mais dinheiro para comprar da OTAN mais proteção.Se parece coisa saída diretamente do manual dos Goodfellas de Scorsese, é porque é o que é. Só o nervoso poodlepolonês e alguns outros europeus do leste – e nenhuma das nações da União Europeia – destinam à defesa no mínimo 2% dos respectivos PIBs. Washington está exigindo, em altos brados, um naco maior de carne – e ouro.
E em seguida, imediatamente depois, o secretário-geral (está em final de mandato) da OTAN, o vácuo, tolo, mentalmente raso Dane Anders “Fogh of War” Rasmussen, elogiou a sabedoria d’O Imperador.
Vale sempre lembrar que a todo-poderosa OTAN levou chute no traseiro coletivo que ostentava no Afeganistão, posta a correr de lá por gerações de verdadeiros combatentes de montanha e deserto armados com Kalashnikov. Mesmo assim a OTAN está assumindo que o novo presidente afegão – a ser eleito no final da próxima semana – assinará disciplinadamente um Tratado do Estado das Forças [orig. Status of Forces Agreement (SOFA)] que permitirá permanência “residual” perene de soldados da OTAN por lá, acordo a ser sacramentado na próxima reunião de cúpula da OTAN em setembro.
O que a doutrina do “Não façam nenhuma merda estúpida” revela é, até aqui, que o acordo de parceria OTAN-Rússiade 1997 – que determina que não haveria tropas e bases “substanciais e permanentes” no Leste da Europa – está praticamente morto.
A doutrina também revela que os únicos “tranquilizados” pela nova iniciativa de segurança será um bando de euroburocratas/plutocratas em Bruxelas – que lucrarão com a próxima chuva de notas verdes saídas das prensas de imprimir dinheiro do Tio Sam. Basta seguir o dinheiro pirado das armas, para ver de que lado está soprando a merda estúpida imperial.
Bem, bem... Pelo menos os adultos estão reunidos – em outra sala, para discutir merda realmente séria. Na Normandia, na 6ª-feira, Putin reúne-se com a chanceler alemã Angela Merkel. É grande avanço, se se pensa em 70 anos atrás. *****
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