sexta-feira, 6 de junho de 2014

Um império sem estratégia militar


por Thierry Meyssan
O presidente Obama explicitou a sua doutrina estratégica em West Point. No seu discurso, ele reafirmou a supremacia militar dos Estados Unidos quando estes foram ultrapassados, técnicamente, quer pela Rússia como pela China. Incapaz de enfrentar Moscovo, silenciou a perda da Crimeia e preferiu apontar o único inimigo que importa : a táctica do terrorismo. Quando os campos da Al-Qaida estão instalados em países sob ocupação da Otan, ou membros da Otan, ele anunciou um amplo programa para os combater. Por fim, ele reiterou o seu apoio à «oposição síria», e prometeu que não deixaria de lhe fornecer ajuda... logo que conseguisse obter a aprovação do Congresso.
REDE VOLTAIRE | 2 DE JUNHO DE 2014 

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Os Estados Unidos são uma «nação providêncial», unicamente no discurso do presidente Obama.
O presidente Obama pronunciou, a 28 de maio, um importante discurso precisando a sua doutrina estratégica, por ocasião da entrega dos diplomas aos cadetes da Academia militar de West Point [1].
Sem surpresa, o presidente lembrou ter mantido a sua promessa de repatriar as tropas colocadas no Afeganistão e no Iraque, e ter tido conseguido eliminar Oussama Ben Laden. Mas o que ele apresentou como um balanço supostamente laudatório não o é de facto: Os GI’s voltaram esgotados do Afeganistão, e fugiram do Iraque antes de serem caçados pela resistência popular. O custo exorbitante destas expedições - mais de 1 000 biliões(bilhões-Br) de dólares— impediu o Pentágono de fazer a manutenção do seu arsenal. Quanto à morte de Ben Laden trata-se, apenas, de um conto da carochinha: Oussama Ben Laden nada teve que ver com os atentados do 11 de Setembro, morreu por doença e foi enterrado em dezembro de 2001, tal e qual o atestou o MI6 britânico [2].
Não podemos deixar de nos espantarmos com a capacidade norte-americana de prosseguir a sua narração de uma realidade imaginária, entretanto desmentida por provas sólidas, e de a mesma continuar a ser sempre seguida pela imprensa Atlantista.
No seu discurso, o presidente descreveu o seu país como «uma nação providêncial», ao mesmo tempo, a mais poderosa militarmente e económicamente. Ora, nenhuma destas duas afirmações é mais verdadeira. No dia 14 de maio, o general Martin Dempsey, presidente do Comitê dos chefes de Estado-maior, reconhecia diante do Conselho do Atlântico que as suas forças armadas seriam definitivamente ultrapassadas nos próximos 10 anos se um enorme esforço de modernização não fosse operado imediatamente [3]; um esforço improvável com os cortes orçamentais. O Pentágono constata que o atraso existente na pesquisa militar é provavelmente irreversível. As tecnologias militares de ponta da Rússia e da China são hoje mais desenvolvidas que as dos Estados Unidos. É muito tarde para recuperar o atraso. A aparente superioridade de Washington só existe porque as suas tropas são as únicas que estão espalhadas pelo mundo inteiro. Elas prevalecem, pois, em certos teatros de operação, mas não contra a Rússia, nem contra a China, que ganhariam em caso de guerra mundial. Quanto à economia, a maioria dos bens de consumo consumidos nos E.U.A. são fabricados na China.
Sobre esta base fantasmagórica, de acordo com a expressão do Washington Post que só faz referência à fraqueza militar relativa dos Estados Unidos [4], o presidente Obama anunciou que o seu país não hesitaria em intervir no estrangeiro logo que os seus interesses diretos sejam postos em causa, no entanto recorreria a coligações(coalizões-Br) internacionais para enfrentar problemas mais distantes. Ele afirmou que, ao contrário do período da guerra Fria, a Rússia não representava, mais, um perigo iminente, e sim que o principal inimigo é o terrorismo.
Pouco importa, pois, a adesão da Crimeia à Federação da Rússia. Washington não combaterá contra aquilo que apresenta, portanto, como uma «anexação» violando gravemente o Direito internacional, não hesitando a comparar o presidente Vladimir Putin a Adolf Hitler.
Ora, sobretudo, após 13 anos de «guerra contra o terrorismo», Washington reivindica ter eliminado o pequeno grupo de fanáticos que compunha a direção internacional da Al-Qaida, mas tem agora de enfrentar um problema mais grave: os numerosos grupos de afiliados à Al-Qaida que se formaram, por todo o lado, no mundo inteiro.
Esta «guerra sem fim» tem a vantagem de tudo permitir. Apresentando-se, desde 2001, como agindo em legítima defesa, Washington autoriza-se a violar a soberania dos outros Estados para aí capturar, ou lá bombardear, todos os que lhe levantam a voz, ou quando aí surge qualquer voz contra si. Para prosseguir esta guerra, o presidente Obama anunciou a criação de um «Fundo de parceria contra o terrorismo», creditado ao nível de 5 biliões de dólares. Ele terá por objectivo formar os serviços de segurança dos Estasdos Aliados. Quem é que pode acreditar num tal programa? Actualmente os terroristas são formados em vários campos permanentes da Al-Qaida, situados no deserto líbio, país ocupado pela Otan. E por outro lado, três campos da Al-Qaida estão instalados em Sanliurfa, Osmaniye e Karaman, na Turquia, país membro da Otan [5].
Os sírios lembram-se das confissões, televisionadas, de um emir da frente Al-Nosra (afiliada à Al-Qaida) que transportou misseis químicos de uma base militar turca até à Ghouta de Damasco. Segundo este homem, não só as armas lhe foram fornecidas pelo exército de um membro da Otan, como a ordem para as usar «como ataque de falsa bandeira», para justificar um bombardeamento da Síria pelos Estados Unidos, provinha dos Estados Unidos.
13 anos após os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, quem pode ainda acreditar que a Al-Qaida é o inimigo principal da «nação providêncial», quando o próprio Barack Obama descreveu os elementos afiliados à Al-Qaida como «menos capazes» que os seus mentores, aquando do seu discurso na Universidade Nacional de Defesa, a 28 de maio de 2013? [6]. Ele declarou, então, que o perigo havia se tornado relativo e que os Estados Unidos já não deviam considerá-lo como sua prioridade.
A propósito da Síria, o presidente Obama prosseguiu, em West Point, declarando que deve-se «ajudar o povo sírio a fazer frente a um ditador que bombardeia e mata à fome o seu povo» (sic). É por isso que Washington ajudará «aqueles que se batem pelo direito de todos os sírios a serem os mestres do seu futuro» (entenda-se: não os próprios sírios que votam para eleger o seu presidente, mas somente aqueles que estão dispostos a colaborar com um governo colonial montado pela Otan).
No entretanto porquê só intervir na Síria? Porque «a guerra civil síria ao se propagar, para além das fronteiras do país, não deixará de aumentar a capacidade dos grupos extremistas aguerridos de nos tomar como alvos». Por outras palavras, depois de ter incendiado a Síria, os Estados Unidos poderiam ser atingidos pelo fogo que eles próprios atearam.
«Nós vamos intensificar nossos esforços para apoiar os vizinhos da Síria— a Jordânia e o Líbano, a Turquia e o Iraque— que enfrentam o problema dos refugiados. Eu vou trabalhar com o Congresso para aumentar o apoio aos elementos da oposição síria, que são a melhor alternativa aos terroristas e a um ditador brutal. Além disso, nós continuaremos a colaborar com os nossos amigos e aliados na Europa, e no mundo árabe, tendo em vista uma solução política desta crise, e para conseguir que estes países, e não apenas os Estados Unidos, assumam uma parte equitativa nas medidas de apoio ao povo sírio», prosseguiu.
Por outras palavras, a Casa Branca discute com o Congresso o modo de apoiar as ambições pessoais dos membros da coligação nacional. De acordo com a imprensa, Washington poderia dispensar treino militar nos Estados vizinhos e distribuir armas mais eficazes. Só que, repare-se: 

- Se Washington comec
̧a a treinar e armar os Colaboracionistas sírios, terá de admitir não o ter feito em grande escala antes, e ter recorrido, principalmente, a mercenários estrangeiros no quadro da Al-Qaida. 

- Se 250.000 mercena
́rios jihadistas foram incapazes de derrubar o governo sírio, nos últimos três anos, como é que alguns milhares de colaboradores da colonização ocidental poderiam agora consegui-lo? 

- Como e
́ que os estados vizinhos, já envolvidos numa guerra secreta, aceitariam entrar numa guerra aberta contra a Síria, com os riscos que para eles isso implicaria? 

- Que armas mais sofisticadas poderiam ser fornecidas aos Colaboracionistas do colonialismo, que um dia eles na
̃o pudessem usar contra outros alvos, nomeadamente a superioridade aérea de Israel? 

- E —the last, but not the least (por u
́ltimo, mas não menos importante-ndT)— sabendo que tudo isto é discutido há já três anos, que novidade levaria a crer que estas questões tivessem agora uma resposta?

O discurso de Obama é o da impotência: ele vangloria-se de ter retirado as suas tropas do Afeganistão e Iraque, e de ter assassinado um fantasma, que só existiu, durante uma década, nas cassetes da Al-Jazeera. Ele anuncia que vai combater o terrorismo que protege por toda a parte. Ele declara que vai apoiar, mais eficazmente, a «oposição síria», mas descarta-se imediatamente no Congresso — que não queria vê-lo bombardear o país durante a crise das armas químicas — certo que este se limitará ao mínimo.
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Os novos diplomados da Academia militar de West Point não dispensaram uma standing ovation (ovação de pé-ndT) ao presidente Obama.
Este discurso não passa de um palavreado de fachada tentando esconder um declínio irreversível. Ele provocou a estupefacção da plateia, que percebeu o fim dos seus sonhos de conquista. Contra toda a expectativa menos de um quarto dos novos 1.064 diplomados da Academia Militar de West Point aplaudiu o presidente, enquanto a maioria se manteve impassível. O Império definha lentamente.
Tradução
Alva

Muito obrigado à rede Voltaire

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