Guerra psicológica nos mercados
financeiros: o acordo sino-russo do gás.
por
Madhi Darius Nazemroaya
GlobalResearch, 01 de junho de 2014.
Tradução - mberublue
url do artigo: http://www.globalresearch.ca/the-sino-russian-gas-deal-psychological-warfare-in-financial-markets/5384696
Já havia negociações há
tempos para um acordo de gás natural entre a Rússia e a China. Por que a
gritaria quando finalmente aconteceu?
Quanto aos acontecimentos
mundiais, é prudente que a pessoa olhe para além das manchetes. Muitos destes
acontecimentos são, de forma sensacionalista, grosseira e tacanha,
desarticuladas e mal interpretadas por uma espécie de novilíngua, combinadas a
uma visão estreita. O anúncio de um mega acordo energético que representa cerca
de 36.8 bilhões de metros cúbicos (1.3 trilhões de pés cúbicos) de gás natural
fechado entre a Federação Russa e a República Popular da China em 21 de maio é
apenas mais um exemplo disso.
Apesar de não se
tratar nem sinalizar nada de novo em termos políticos ou econômicos, nem
significar um estreitamento dos laços entre os dois países, o acordo atingido
por Moscou e Pequim está sendo visto dessa maneira.
De qualquer maneira,
de uma ou de outra forma, as notícias destacam e distorcem a natureza do acordo
energético sino-russo e a grande maioria delas enfatiza este acontecimento em
particular apenas nos seus termos puramente políticos. Na realidade, com perdão
do trocadilho, este acordo já está no gasoduto há algum tempo e tanto Pequim
quanto Moscou tem falado e estão em negociação sobre algum tipo de acordo de
exportação/importação de gás natural há dez anos. Qualquer um que estivesse
seguindo essas negociações (realmente importantes) saberia disso e
identificaria no ato a forma sensacionalista, distorcida e desarticulada com
que se relata atualmente o acordo do gás.
Especialistas e meios
de comunicação hostis a Moscou estão apresentando o acordo como um sinal de que
a Rússia tem planos de apertar os parafusos sobre o fluxo de energia que manda
para a União Europeia. Usam então esta suposição para argumentar por uma
diversificação urgente das fontes de energia da União Europeia, encorajando
seus líderes a reduzir seus laços econômicos com a Rússia e promover o começo
de uma “revolução do gás de xisto” a ser promovida pelos Estados Unidos com a
exploração das reservas de gás natural e petróleo através do processo de
fracionamento hidráulico.
Por outro lado,
especialistas e meios de comunicação que claramente apóiam a Moscou retratam o
acordo do gás entre a Gazprom e a Corporação Nacional de Petróleo da China
(China National Petroleum Corporation – CNPC) como uma movimentação do Kremlin
para minimizar as perdas econômicas e direcionar seus negócios para o leste a
partir de quando foi confrontado com sanções econômicas e desrespeito
diplomático pelo ocidente em relação à Ucrânia e a península da Criméia.
Reclassificar uma tendência existente.
Sem dúvida, o acordo
sino-russo de gás indubitavelmente não marca o começo de uma política de “olhar
para o oriente” ou de “desdolarização”. A precipitação da crise ucraniana
também não causou uma aliança estratégica entre a Rússia e a China que germinou
como consequência da crise. Qualquer coisa que tentar mostrar o contrário não
passa de sensacionalismo projetado pelas fontes midiáticas e especialistas
desinformados que fazem vista grossa sobre fatos reais que acontecem entre
Rússia e China. Em vez disso, há por parte desses veículos de mídia e
especialistas ou um déficit de compreensão abrangente dos fatos que estão
moldando o mundo, relatados e analisados por eles, ou eles tentam uma
malversação que enquadre tais fatos a uma conveniência aos seus atuais
interesses políticos.
De qualquer maneira,
nada há de novo em tudo isso.
Primeiro,
não há novidades no acordo firmado entre a Gazprom e a CNPC. Segundo, desde quando os Estados Unidos e a
OTAN atacaram a República Federal da Iugoslávia em 1999 que a Rússia e a China
se tornaram parceiros na estratégia de se opor aos sonhos dos EUA por um mundo
unipolar.
O acordo do gás em si
mesmo é parte de uma tendência e um processo que já se desenvolvem há vários
anos. Na realidade há uma década, a
Federação Russa intentou aumentar seu comércio com a Ásia. Quanto à
desdolarização, há muito tempo os governos da China e da Rússia anunciaram sua
decisão de tentar essa via, negociando com suas moedas locais em vez do dólar.
Em 2007, os governos de China e Rússia iniciaram a programação para a criação
de um grupo de trabalho que visava a desdolarização do comércio bilateral
através de um acordo formal. Em 2008, quando Vladimir Putin exercia o cargo de
primeiro ministro russo, ele e seu homólogo chinês, o então primeiro ministro
Wen Jiabao, estavam envolvidos neste processo. Acordos semelhantes existem
entre Moscou e Pequim e seus outros parceiros da Eurásia.
O acordo do gás
natural anunciado em Xangai foi elaborado em conjunto por tecnocratas dos dois
países. É o resultado de um trabalho de anos de negociações insistentes – e não
um acordo que surgiu de repente no espaço de poucos meses de trabalho. Também
não se trata o acordo sino-russo de uma iniciativa da Rússia como esforço para
fugir das sanções econômicas que são feitas a toda hora por Washington e seus
parceiros.
De uma forma ou de
outra, o negócio que atualmente é avaliado em US$ 400 bilhões seria fechado e
assinado, independentemente das tensões entre Moscou e Washington sobre a crise
que arde na Ucrânia.
Por causa das sanções
econômicas contra a Federação Russa, a revelação da finalização do acordo,
feita na última semana durante a cúpula reunida na Conferência sobre Interação
e Medidas de Confiança na Ásia em Xangai teve destaque político e foi
politicamente encenada, enfatizando cuidadosamente as ramificações trazidas
pelo anúncio do acordo.
Mesmo sendo verdade
que o negócio foi destacadamente tecnocrático, há forte possibilidade de que o
preço de compra do gás tenha sofrido alteração por parte dos russos em relação
ao que pediam anteriormente aos chineses, o que teria feito ambos os lados
acelerarem o processo de fechamento do acordo, daí sim baseados em
considerações políticas. Falando de outra forma, a guerra econômica
desencadeada contra a Federação Russa pode sim ter apressado o fechamento do
acordo com a introdução de variáveis ou objetivos políticos para o que até
então era apenas uma questão tecnocrática para ambos os países.
O acordo do gás e a guerra psicológica.
A frase que importa
neste instante é: confiança dos investidores. O que marcará definitivamente o
acordo do gás é o fato de que a China e a Rússia têm de volta a arma da
confiança dos investidores na guerra do mercado. Em larga medida, o anúncio do
acordo fechado em Xangai é uma resposta da Rússia e da China aos Estados Unidos
e seus aliados que estão estrategicamente tentando minar a confiança dos
investidores na economia russa.
Em seu depoimento de
08 de maio ao Comitê de Política Externa da Câmara dos Deputados dos Estados
Unidos da América, Victoria Nuland, secretária assistente do Estado para
assuntos da Europa e da Eurásia, afirmou o que segue, de uma declaração adrede
preparada:
“A economia russa já
está se curvando à pressão das sanções internacionais que lhe foram impostas.
Sua classificação de crédito paira um pouco acima do status “junk” (lixo). 51
bilhões de dólares de capital externo saíram da Rússia desde o início deste ano
e aproximadamente 61 bilhões de dólares durante o ano de 2013. Os títulos russos
têm o rendimento negociado mais alto de toda a Europa, mais que a dívida de
qualquer outro país. Com a queda do rublo, o Banco Central teve que elevar as
taxas de juros por duas vezes e gastou cerca de 30 bilhões de dólares
americanos de suas reservas desde o início do mês de março apenas para
estabilizá-lo.”
Embora Nuland não
tenha dito de forma clara que o povo russo era o alvo das sanções e dos danos
colaterais destas, acabou por ficar muito claro entre os ouvintes que o alvo
das sanções sempre foi na realidade o povo russo. O deputado Albio Sires,
durante a palestra e algo candidamente, deixou bem claro que o povo russo “tem
que sentir” as sanções, e mais: pediu provas para a administração Obama de que
o povo estava sofrendo na pele o castigo das sanções econômicas que os Estados
Unidos lhes impunham. Sires foi tranqüilizado por representantes do Departamento
de Estado e do Tesouro dos EUA, que declararam que o povo russo “começará a sentir”
a punição das sanções econômicas com o estrago no comércio entre a Rússia e a
União Europeia, com a alta desenfreada do custo dos empréstimos e com a
inflação se expandindo.
Glaser |
As palavras de Nuland
encontraram eco em Daniel Glaser, secretário assistente para terrorismo
financeiro (grifo nosso [NT])
no Departamento do Tesouro, na mesma audiência no Capitólio. Deixaram ambos bem
claro que o governo dos Estados Unidos estão trabalhando para impor custos
econômicos severos aos russos que devem crescer como uma bola de neve. Glaser
deixou bem claro porém, que é preciso tempo para que os danos infligidos à economia
russa pelos EUA tenham reflexos políticos. A intenção é que a criação de uma
recessão econômica na Rússia possa tornar o povo russo tão miserável que eles
mesmos exigirão que o Kremlin se renda às imposições dos Estados Unidos.
Eis
o depoimento de Glaser:
“As sanções, e a incerteza que
certamente trarão ao mercado, terão impacto direta e indiretamente na já
combalida economia russa. Com o aumento das sanções, não só os custos
aumentarão como também a possibilidade da Rússia mitigar seus efeitos
diminuirá. Os analistas de mercado já estão prevendo saídas pesadas e contínuas
de capital estrangeiro e local, e um enfraquecimento das perspectivas de
crescimento para este ano. O FMI reviu para baixo as expectativas de
crescimento da Rússia para 0,2% este ano, sugerindo que não está fora de questão
o surgimento de uma recessão.”
Ele também fez as
seguintes observações:
- ü Desde o início de 2014, o mercado de ações da Federação Russa caiu cerca de 13%.
- ü Pesadas saídas de capital começaram a prejudicar a economia russa, o que teve como resultado a degradação da classificação do crédito soberano da Rússia pela Standard and Poors para BBB-, apenas um nível acima do que a S & P chama de “status de lixo” (junk status).
- ü Investidores em títulos russos exigem agora mais retorno, já que o investimento na Rússia envolve riscos maiores.
- ü O Banco Central da Rússia gastou quase 50 bilhões de dólares americanos, ou 10% de toda a sua reserva em moeda estrangeira para defender sua moeda (e seu valor) ante o ataque financeiro desfechado por Washington.
- ü Apesar da substancial intervenção do Banco Central Russo no mercado, a um aumento nas taxas de juros, a moeda nacional russa depreciou-se cerca de 8% desde o início de 2014.
O que Glaser parece
ter “esquecido” de dizer é que a classificação supostamente má de BBB- à qual
foi reduzida a economia russa pela S & P, é a mesma classificação dessa agência
para outros dois parceiros dos russos no BRICS, que sejam a Índia e o Brasil,
os quais não parecem estar tremendo de medo ou em pânico por causa disso. Também
esqueceu que as análises feitas pela S & P, como a economia, não estão
livres de manipulação por interesses políticos. A própria ênfase na
classificação como sendo “um nível apenas acima do status de lixo” não passa de
teatro deliberadamente destinado a causar alarme e medo.
O método de
Washington contra a Rússia, claramente envolve estratégias para insuflar
incertezas no mercado com a intenção de desestabilizar a Rússia ou, como Nuland
colocou, “criar condições no mercado que tornem a Rússia cada vez mais
vulnerável a ataques financeiros.” A guerra psicológica para minar a confiança
na economia da Federação Russa usando manipulação financeira foi lançada e a
oportunidade temporal do anúncio do acordo sino-russo do gás está ligada a
isso.
um jab |
Mesmo que o negócio
já estivesse em negociações e independentemente da situação na Ucrânia, e que a
Rússia está se voltando para a China como forma de obter apoio econômico contra
a guerra financeira que está enfrentando, a revelação extremamente pública do
acordo de energia fechado em Xangai foi um contraponto às ações de Washington
contra a Rússia. Não apenas a realização finalizada do acordo sino-russo de gás
indica que a Rússia tem alternativas econômicas, como o seu anúncio serviu como
um “jab” psicológico para contrapor aos ataques financeiros do governo dos
Estados Unidos contra a Rússia, destinados a minar a confiança dos investidores
na economia russa. Supostamente, o que o acordo faz é tornar segura a confiança
na economia russa, ao mostrar que a Rússia terá ganhos elevados pelos próximos
30 anos.
por
Madhi Darius Nazemroaya Autor premiado e analista de geopolítica,
Madhi Darius Nazemroaya é autor de The Globalization of NATO (Clarity Press) e
de um livro a ser em breve lançado sobre a Guerra da Líbia e a recolonização
africana. Também contribuiu para muitos outros livros com temas desde a crítica
cultural até relações internacionais. É um sociólogo e pesquisador associado do
Centro para Pesquisa sobre Globalização (Centre for Research on Globalization -
CRG) e contribui com a Strategic Culture Foundation (SCF), Moscou, e membro do
Scientific Committee of Geopilitica, Itália.
Tradução: mberublue
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