29/5/2014, Dmitry MININ, Strategic
Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
— E isso significará que Moscou e Pequim juntam forças para lançar
poderosa contraofensiva no Ocidente?
— Não, de modo algum. Nem Rússia nem China precisam disso. Esses países
precisam, isso sim, de concorrência leal, sem manipulação, sem duplifalar e
hipocrisia e sem atividades clandestinas de subversão e terrorismo.
Maio - 2014: China e Rússia selam
acordo estratégico nas áreas de comércio, energia, infraestrutura, tecnologia
e de segurança.
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A visita do presidente Vladimir Putin
da Rússia a Xangai nos dias 20-21 de maio/2014, atraiu a atenção do mundo
inteiro, mas, por várias razões, a significação dessa visita ainda não foi
plenamente declarada. É como se o ocidente não conseguisse abrir mão da ilusão
de uma sua supremacia, e preferisse não ver a alternativa que se vai
configurando e emergindo, no formato de uma aliança russo-chinesa. Além disso,
diferente de práticas passadas, Moscou e Pequim não querem alertar o oponente
com declarações grandiloqüentes, mas nem sempre claras ou específicas, e têm
preferido trabalhar metodicamente e em silêncio, construindo suas relações
bilaterais com conteúdo abrangente e exequível.
A maioria dos relatos jornalísticos
sobre a visita de Putin − por isso, se centraram nos acordos de gás – e os
componentes militares, políticos e estratégicos de seus encontros em Xangai
estão passando praticamente sem um registro sequer pelos especialistas. Os
críticos reduziram tudo ao fornecimento de matérias primas russas e à
“penetração chinesa” no mercado russo... Mas o verdadeiro sentido dessa visita
é muito mais profundo, e talvez só possa ser devidamente apreciado, em toda sua
significação, por historiadores, no futuro.
Se se examina de perto a “Declaração
Conjunta da Federação Russa e da República Popular da China sobre um novo
estágio de parceria em ampla escala e relações estratégicas” (orig. ing. Joint Statement of the Russian
Federation and the People’s Republic of China on a new stage in full-scale
partnership and strategic relations [1])
assinado pelos chefes de estado, não é difícil ver que o documento contém
vários elementos similares a acordo que crie uma aliança militar e política,
mas sem implementação final por lei.
Afinal, se o procedimento de
implementação que talvez venha a ser necessário algum dia pode ser feito em bem
pouco tempo, o mais difícil e mais demorado é definir os princípios em torno
dos quais os signatários estão de acordo. Mas sim há, pronto, uma espécie de
acordo “de reserva”, a ser desenvolvido, se preciso.
Oleogasoduto Russia-China de US$
400 bilhões (Acordo Santo Graal)
(clique na imagem para aumentar) |
Rússia e China chamaram a coisa de “um
novo tipo” de relações entre estados, enfatizando que
(...) o resultado de uma parceria ampla e igualitária, de confiança e cooperação estratégica em nível muito mais alto será fator chave para preservar e garantir os interesses vitais dos dois países no século XXI, e para criar uma ordem mundial justa, harmoniosa e segura.
Trata-se disso. Isso, precisamente,
terá de ser levado em conta por todos, em todo o planeta.
A Declaração Conjunta delineia a
filosofia geral da atitude dos dois países em relação aos problemas globais do
nosso tempo, chamando sempre a atenção para a natureza fundamentalmente firme,
profunda e orgânica – nunca oportunista – da nova parceria. A Declaração
Conjunta declara, por exemplo, que
(...) os dois países
continuarão a garantir um ao outro firme apoio em questões relacionadas a
interesses-núcleo, como soberania, integridade territorial e segurança. Os dois
países opor-se-ão a qualquer tentativa por quaisquer métodos de intervenção em assuntos
internos, e apoiarão total adesão às provisões fundamentais da lei
internacional consolidada na Carta das Nações Unidas; respeito incondicional
aos direitos dos parceiros a escolher independentemente a própria via de
desenvolvimento; e respeito incondicional ao direito de defender os próprios
valores culturais, históricos, éticos e morais.
Nada além de um modelo liberal
tristemente mediano. Mas muito distante do “modelo” que tem sido universalmente
imposto pelo Ocidente. Os dois países destacam a necessidade de
(...) rejeitar
a linguagem das sanções unilaterais, ou a organização, ajuda, apoio,
financiamento ou encorajamento de atividades que visem a mudar o sistema
constitucional de qualquer outro país, ou de arrastar ou empurrar qualquer
outro país para qualquer tipo de bloco unilateral ou união.
Mapa dos países sancionados
unilateralmente pelos EUA
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Em outras palavras, é a rejeição
categórica de incontáveis “revoluções coloridas” orquestradas por todo o
planeta pelo Ocidente; e da expansão de tradicionais blocos de estilo militar e
político, como a OTAN. As relações desse “novo tipo” escolhido por Moscou e
Pequim são também convenientes, porque não deixam aos EUA nenhum espaço ou
terreno para justificar qualquer tentativa para expandir o bloco.
Mas, no processo, China e Rússia
admitem a expansão de sua própria “proto-união”, mediante a inclusão de mais
uma das grandes potências da política mundial – a Índia. Consideram a interação
dessas três potências como
(...) importante
fator para garantir segurança e estabilidade tanto na região como no mundo.
Rússia e China continuarão seus esforços para fortalecer o diálogo estratégico
trilateral para aumentar a confiança mútua, desenvolver posições comuns sobre
questões regionais e globais importantes, e promover cooperação prática
mutuamente benéfica.
Narendra Modi
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Deve-se lembrar que o recém empossado
novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, a julgar por suas declarações,
está pronto para trabalhar desse modo.
Permanece a necessidade de reformar a
arquitetura financeira e econômica internacional, de realinhá-la às
necessidades da economia real, e de aumentar a representação e o direito de
voto de mercados emergentes e países em desenvolvimento no sistema da
governança econômica global, para restaurar a confiança no sistema.
Deve-se observar que Rússia e China
consideram o G-20 como o principal fórum de cooperação econômica internacional,
não o notório “G7”, e empenharão esforços ativos para fortalecer a união e
aumentar a efetividade das atividades do G-20. Celebrações pelo “ocidente”
depois de a Rússia ter sido expulsa do “G8” foram pois precipitadas.
Rússia e China visam a transformar
também outro grupo, o dos países BRICS,
(...) num
mecanismo para cooperação e coordenação com ação em ampla gama de questões
financeiras, econômicas e políticas globais, incluindo o estabelecimento de
parceria econômica mais próxima, a necessidade de criar-se brevemente um Banco
de Desenvolvimento dos BRICS, e a constituição de uma cesta de moedas de
reserva para os negócios internacionais.
Foram firmados importantes acordos
também para a criação de um corredor de transporte para a Rota da Seda, cuja
criação o ocidente também muito desejava, por acreditar que seria uma
alternativa à rota de trânsito eurasiana pela Rússia, e uma espécie de coluna
de contenção nas relações russo-chinesas. Esse projeto, que preocupou a Rússia
durante muito tempo, revela-se hoje como item importante e benéfico na
cooperação russo-chinesa. Moscou já declarou que
(...) considera
importante a iniciativa da China, para o desenvolvimento do “Cinturão Econômico
Rota da Seda”; e aprecia a disposição da China para tomar em consideração os
interesses da Rússia, no curso do desenvolvimento e da realização desse
projeto. Os dois países continuarão a procurar meios possíveis para unir o
projeto do “Cinturão Econômico Rota da Seda” e a União Econômica Eurasiana que
está sendo criada.
Implica que a nova Rota da Seda não
servirá aos interesses geopolíticos do ocidente. Em vez disso, responderá às
demandas urgentes de China e Rússia, inclusive em termos da presença
estratégica de ambos os países em regiões adjacentes à própria Rota da Seda.
Mediante esforços conjuntos, Moscou e Pequim são perfeitamente competentes para
tirar a área das mãos do ocidente – o que configura mais uma gigantesca derrota
para Washington.
A participação de Putin ao lado do
líder chinês Xi Jinping na abertura dos exercícios navais conjuntos na Base
Naval Woosung acrescentou mais um tom simbólico à visita de Putin a Xangai.
Vale recordar que reunião semelhante aconteceu no início do que viria a ser
a Entente Franco-Russa, que foi marcada pela chegada do
esquadrão francês a Kronstadt.
Os países também decidiram realizar
exercícios conjuntos para comemorar o 70º aniversário da vitória contra o
fascismo alemão e o militarismo japonês nos teatros europeus e asiáticos da IIª
Guerra Mundial, além de continuar em sua “oposição decidida contra tentativas
de falsear a história e minar a ordem do mundo do pós-guerra”. Essa é questão
considerada de alto significado estratégico, além do alto significado
histórico.
De fato, Moscou e Pequim, em 2014,
estão reconhecendo reciprocamente o papel decisivo de ambas as nações na
vitória contra a Alemanha, pelo lado russo; e na vitória contra o Japão, pelo
lado chinês. Afinal o ocidente sempre se empenha em reduzir, ou até apagar o
papel que Rússia e China desempenharam naquela guerra mundial. Os EUA impuseram
à força, a todo o planeta, a ideia de a contribuição dos EUA na vitória na IIª
Guerra Mundial teria sido decisiva, se não na Europa, pelo menos na Ásia.
Mas hoje se sabe que as forças
terrestres do Japão foram dizimadas principalmente na China, e que a Wehrmacht foi
dizimada no Front Oriental. O que os norte-americanos fizeram
foi, quase exclusivamente, dizimar populações civis nas Ilhas do Japão, em
violentas campanhas de bombardeios aéreos, quando usaram inclusive bombas
atômicas. Não é mistério o motivo pelo qual o exército Kwantung japonês, de um
milhão de soldados, não marchou na direção da Sibéria; não marchou contra a
Sibéria porque não conseguiu sair da China, onde foi detido pelos chineses.
Naquela guerra, morreram meio milhão de
norte-americanos. Mas morreram 35 milhões de chineses. Toda a glória a todos
que morrem em luta por causa justa, mas esses números mostram com clareza qual
o país que carregou nos ombros o verdadeiro peso da vitória na IIª Guerra
Mundial. Assim afinal se corrige, não só o conteúdo de uma lembrança histórica,
mas, também, a verdade histórica sobre o papel especial que duas potências –
Rússia e China – desempenharam para determinar a ordem mundial do pós-guerra.
Dos acordos econômicos práticos
firmados pelos dois países, além dos planos de energia, o acordo sobre
desenvolvimento conjunto de aviões de grande porte é particularmente
interessante. Prevê-se que, no verão de 2014, a Russian United Aircraft
Corporation (UAC) e a Commercial Aircraft Corporation COMAC,
da China, apresentarão um estudo de viabilidade do projeto aos respectivos
governos. O investimento dos países na empresa conjunta ainda não foi
especificado, mas a russa UAC informou que será comparável ao projeto do Boeing
787 (cerca de 32 bilhões de dólares norte-americanos) e ao projeto do Airbus
350. Dado que a Rússia já domina o processo de produção dos Sukhoi Superjet 100
de curto alcance e em breve iniciará a produção dos MC-21 de médio alcance,
Rússia e China, e adiante talvez Rússia e Índia, poderão entrar na produção de
itens para toda a linha de aviões de transporte civil, com motores especiais e
alta proporção de itens de tecnologia avançada. Além disso, terão uma vantagem
competitiva sobre as empresas Boeing e Airbus, porque estarão orientadas para o
mercado doméstico – cerca de 2,5 bilhões de pessoas. Há planos também para o
desenvolvimento de um helicóptero de grande porte, sucessor do ainda
insubstituível Mi-26. E não é só o esperado sucesso comercial desses projetos
que importa. A maior importância deles está em que, com eles, cria-se um novo
centro global, independente do ocidente, para produção de tecnologias críticas.
O analista norte-americano Robert Parry escreveu que
a aproximação entre Rússia e China é “histórica”, entendendo que a crise
ucraniana deu à China, país cujo poder econômico está em franco crescimento, e
à Rússia, com sua abundância de recursos naturais, ímpeto novo e muito
significativo.
China e Rússia uniram-se recentemente
num bloco no Conselho de Segurança da ONU, para bloquear iniciativas do
ocidente. Significa que, em vez de ter isolado a Rússia na ONU, a abordagem
linha-duríssima do Departamento de Estado dos EUA na ONU no caso da Ucrânia
teve efeito exatamente oposto: a Rússia tem hoje um novo e poderoso aliado.
E isso significará que Moscou e Pequim
juntam forças para lançar poderosa contraofensiva no Ocidente? Não, de modo
algum. Nem Rússia nem China precisam disso. Esses países precisam, isso sim, de
concorrência leal, sem manipulação, sem duplifalar e hipocrisia e sem
atividades clandestinas de subversão e terrorismo a serviço dos “negócios” dos
EUA e da União Europeia.
Tudo isso considerado, em breve será
possível comparar e aferir, para determinar qual o melhor modelo. A cada ano
que passar, mais e mais difícil será, para o ocidente, continuar a ignorar as
justas demandas propostas, cada dia mais claramente, pelos novos polos da
política global.
Nota dos tradutores
[1] Não
se encontra outra versão, de fonte oficial, pelo menos por enquanto. Há matéria oficial da China,
sobre o encontro (em inglês).
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