Poder global: a Rússia sobe.
Paul Craig Roberts
22 de maio de 2014
Há
dois propósitos principais na propaganda ocidental sobre os acontecimentos
atuais na Ucrânia. Primeiro, encobrir ou pelo menos disfarçar o papel
fundamental que Washington teve na derrubada do governo democraticamente eleito
da Ucrânia. Segundo, demonizar ao máximo a Rússia.
Sabe-se
a verdade, mas a verdade não faz parte nem importa para a TV ocidental, ou para
a mídia impressa. Um telefonema interceptado de uma conversa entre a Secretária
Assistente de Estado dos EUA Victoria Nuland e o embaixador dos Estados Unidos
para a Ucrânia, Geoffrey Pyatt, revela o teor da discussão entre os dois
golpistas em relação a quem seria instalado como “pessoa de confiança”, a
marionete de Washington no novo governo fantoche. Outra interceptação
telefônica, desta vez entre o Ministro do Exterior da Estônia, Urmas Paet e a
funcionária de política externa da União Européia, Catherine Ashton, põe a nu
as suspeitas, posteriormente confirmadas, de que os atiradores que alvejaram e
mataram pessoas no conflito em Kiev vieram do lado apoiado pelos EUA no conflito.
A "revolução" laranja |
Resumindo:
depois de 2004, quando Washington orquestrou a “Revolução Laranja”, que deveria
entregar nas mãos do ocidente a Ucrânia, mas falhou, Washington, de acordo com Victoria
Nuland, gastou nos próximos dez anos, cerca de 5 bilhões de dólares na Ucrânia.
O numerário foi entregue a políticos que os EUA prepararam com cuidado e a
Organizações Não Governamentais (ONGs) que operavam de fachada como
instituições educacionais, pró democracia e de Direitos Humanos, mas na
realidade eram quinta colunas de Washington na Ucrânia.
Quando,
depois de analisar os custos e benefícios, o presidente Yanukovych rejeitou o convite
para aderir à União Europeia, Washington enviou suas bem financiadas ONGs e as
colocou em ação. Brotaram protestos em Kiev, exigindo que o presidente mudasse
de opinião e unisse a Ucrânia à UE. Os protestos, inicialmente pacíficos,
rapidamente se tornaram violentos com a adesão de ultranacionalistas e
neonazistas aos manifestantes. O mote do protesto também mudou; passou de “adesão
à União Europeia” para “derrubar Yanukovych e seu governo”.
O
que se seguiu foi o caos político total. Um governo fantoche foi instalado por
Washington, que o considerava como uma força democrática contra a corrupção.
Entretanto, os ultranacionalistas e neonazistas, como os do Pravy Sektor (Setor
da Direita), começaram a intimidar os fantoches instalados por Washington no
poder. Na tentativa de responder à ameaça, os títeres idiotas de Washington
começaram a ameaçar a população ucraniana de nacionalidade e de língua russa.
Historicamente
se sabe que as áreas do sul e do leste ucraniano sempre fizeram parte do território
russo e foram incorporadas à Ucrânia por líderes soviéticos. No início da União
Soviética, Lenin integralizou para a Ucrânia essas áreas e Khrushchev fez a
incorporação da Criméia à Ucrânia em 1954. A população dessas áreas, alarmada
pela destruição de monumentos de guerra soviéticos erguidos em comemoração à
liberação da Ucrânia das garras nazistas pelo exército vermelho, pela proibição
do uso do russo como língua oficial e pelas agressões físicas às pessoas de
língua russa na Ucrânia, explodiu por sua vez em protestos. O povo da Crimeia
votou pela sua própria independência, pedindo e obtendo a reunificação com a
Rússia, mesmo anelo das regiões de Donetsk e Lugansk.
votando em Donetsk |
Washington
e seus fantoches, assim como a mídia ocidental, negaram que as votações
realizadas na Crimeia, em Donetsk e Lugansk tenham sido sinceras e espontâneas.
Em vez disso, Washington alegou que os protestos que levaram às votações e
mesmo estas, teriam sido orquestrados pelo governo russo através de ameaças,
subornos e coerção. Já o caso da Crimeia foi descrito como simples invasão e
anexação pela Rússia.
São
mentiras deslavadas e os observadores estrangeiros que fiscalizaram o
desenrolar das eleições sabem disso, mas não tem voz na mídia ocidental que não
passa de um ministério menor para os EUA. Até a BBC, antes orgulhosa de sua
coragem, agora mente por Washington.
Washington
teve pleno sucesso em controlar a explicação da “crise ucraniana”. A população
na Crimeia, Donetsk e Lugansk, unidas em torno de seu ideal, foi taxada de “terroristas”.
Em contraste, os neonazistas ucranianos foram elevados à condição de membros de
uma “coalizão democrática”. Ainda mais surpreendente, os neonazistas são
descritos na mídia ocidental como os “libertadores” das regiões em protesto das
mãos dos “terroristas”.As milícias neonazistas provavelmente transformar-se-ão
no novo exército do governo fantoche da Ucrânia, subserviente a Washington, já
que muitas unidades do real exército ucraniano se recusa a disparar contra
manifestantes pacíficos.
A
questão agora é saber como o líder russo, presidente Vladimir Putin, reagirá aos
acontecimentos e jogará esta partida. Sua hesitação e relutância em aceitar
Donetsk e Lugansk como parte da Rússia novamente, serão usadas pela imprensa
ocidental para apresentá-lo como um líder enfraquecido e amedrontado. Na
Rússia, o argumento pode ser usado contra Putin pelas ONGs fundadas e
patrocinadas por Washington e por nacionalistas russos.
Putin
sabe disso. Mas também tem consciência de que Washington quer que ele confirme
a imagem demonizada que a mídia ocidental tenta lhe impingir. Se Putin aceitar
o pedido de Donetsk e Lugansk de voltar a pertencer à Rússia, Washington
repetirá ad nauseam a alegação de que
a Rússia invadiu e anexou, mais uma vez. O mais provável é que Putin não esteja
nem amedrontado nem enfraquecido, mas tem boas razões para não querer dar à
Washington mais motivos de propaganda para ser utilizada na Europa.
Angela Merkel |
A
pressão de Washington por mais sanções contra a Rússia tem um obstáculo na
Alemanha. A chanceler germânica, Angela Merkel, é uma vassala servil de
Washington, mas o Ministro do Exterior alemão, Frank Walter Steinmeier e o
complexo industrial alemão não vêem com bons olhos as sanções. Acrescente-se que
a Alemanha depende visceralmente do gás natural da Rússia, centenas de
companhias alemãs tem negócios em andamento na Rússia e o emprego de muitas
centenas de cidadãos da Alemanha depende de relações econômicas com a Rússia.
Antigos chanceleres da Alemanha, como Helmut Schmidt e Gerhard Schroeder tem
discordado violentamente de Merkel pela sua subserviência a Washington. Merkel
se encontra em uma posição muito fraca, pela sua estúpida decisão de colocar os
interesses de Washington acima dos interesses da Alemanha.
Acontece
que Putin tem demonstrado não ser como os políticos burros do ocidente e vê no
conflito entre a pressão de Washington sobre a Alemanha e os reais interesses desta,
uma oportunidade de dobrar a OTAN e a União Europeia. Caso a Alemanha decida,
como Yanukovych fez, que seu interesse está em ter boas relações com a Rússia e
não em ser mais um fantoche para Washington, será que Washington é capaz de
derrubar o governo alemão para colocar uma marionete mais confiável?
Talvez
a Alemanha já tenha tido o suficiente de Washington. Passados 69 anos da
Segunda Guerra Mundial e ainda ocupada por tropas norte americanas, a Alemanha
teve seu sistema educacional, sua história, sua política externa e sua adesão
como membro da União Europeia e do mecanismo do Euro manipulados de maneira
coercitiva por Washington. Caso a Alemanha tenha ainda um resquício de orgulho
nacional, como povo recentemente reunificado, talvez essas imposições
humilhantes sejam demais para suportar.
Um
confronto, econômico ou militar com a Rússia, é a última coisa que a Alemanha quer.
O vice chanceler Sigmar Gabriel disse que Merkel certamente não demonstrou muita
inteligência ao dar a impressão de que a Ucrânia tinha que decidir entre a
Rússia e a União Europeia.
Caso
o governo russo decida que o controle da Ucrânia ou de qualquer parte dela após
uma eventual separação por Washington representa uma inaceitável ameaça para a
Rússia, os militares russos se aproveitarão do fato de que a Ucrânia é
historicamente parte da Rússia. Se a Rússia ocupar a Ucrânia, nada há que
Washington possa fazer a não ser deflagrar uma guerra nuclear. Os países da
OTAN, com o risco de simplesmente deixarem de existir, jamais concordarão com
essa opção.
Putin
pode tomar a Ucrânia quando quiser e depois voltar as costas para o ocidente,
uma entidade corrupta atolada em depressão e saqueada constantemente pela
classe capitalista. O século 21 pertence ao Oriente, China e Índia. A grande
expansão russa encontra-se centrada nos dois países mais populosos do mundo.
Com
o Oriente, a Rússia ascende ao poder.
Paul
Craig Roberts
(nascido
em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators
Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração
Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e
colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps
Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de
política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado
em Counterpunch e no Information Clearing House,
escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde
Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a
proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais
como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado
posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as
drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel
contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da
Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na
Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford
University.
Tradução: mberublue
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