sexta-feira, 30 de maio de 2014




27/5/2014, [*] Pepe EscobarRússia Today, Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


 
Petro Poroshenko passa diante do painel que anunciava sua vitória
As circunstâncias que cercam as eleições na Europa e na Ucrânia estão longe de ser mera coincidência.

Os mudadores de regime em Kiev decidiram fazer eleições presidenciais dia 25 de maio, no mesmo dia das eleições para o Parlamento Europeu, para assim manifestar o desejo de seguir política externa eurocêntrica. Praticamente, eleições que nasceram unidas pelos quadris! 

No final, a eleição na Ucrânia foi mesmo manifestação da própria política exterior europeia em ação – o mudancismo de regime, que acorda o monstro da guerra civil. 

Poucos na Europa terão observado o quanto esse processo é distante de qualquer “democracia” – em vez de conciliação democrática, está consagrando a intolerância e uma ideologia de confrontação brutal, cega, representada nesse “debate” em Kiev, “coordenado” por um historiador-de-Yale absolutamente sem-noção. 

Fatos chaves que têm de ser compreendidos são como o “ocidente” ignorou o massacre de Odessa e a prisão de jornalistas russos; e como o “ocidente” atropelou as aspirações dos ucranianos do leste e do sul, tratando-as como se fossem serviço de “pró-russos” ou de “terroristas”. O pessoal foi convertido em objeto de repressão violenta – amplamente supervisionada pelo “ocidente”, com, agora, todo o teatro-do-absurdo do mudancismo tresloucado de regime em Kiev já legitimado por uma eleição-farsa. 

Muito mais que o fato já comprovado de que houve uma avançada-putsch atlanticista contra fronteiras ocidentais da Rússia, a Ucrânia permanece como rinha-octógono de luta-livre entre oligarquias locais. Não surpreende que o novo presidente ucraniano seja, ele também oligarca: é o 7º homem mais rico do país, dono não só de um império de chocolate, mas, também de fábricas de automóveis, de um estaleiro na Crimeia e de um canal de TV. A única diferença, é que se trata, aí, de oligarca OTANista. 

É a economia, estúpido! 

Entrementes, no OTANistão, elites locais e transnacionais tentaram desesperadamente divulgar imagem de sucesso. A abstenção continua impressionante – apenas 4 em cada 10 europeus deram-se o trabalho de votar sobre o que se passa em Estrasburgo, com uma maioria suficientemente alienada para legitimar o mix de (i) austeridade para dentro da Europa e (ii) beligerância internacional. 

Mesmo assim, o voto no domingo foi muito além de apenas anti-establishment e nacionalista – e partidos francamente xenofóbicos ou, mesmo, fascistas consolidaram a rejeição de “mais União Europeia”. 

Praticamente não discutidas, na campanha pré-eleições, foram as revelações de Snowden sobre feitos da Agência de Segurança Nacional dos EUA; as negociações sombrias entre Washington e Bruxelas sobre acordo de livre comércio que MUITO ajudaria o Big Business dos EUA; e como o cassino financeiro supervisionado pelo Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia permanecerá inalterado, devastando, destruindo ainda mais completamente as classes médias europeias. 

A multidão anti-UE portou-se muito bem na França, Reino Unido, Dinamarca e Grécia. Menos bem na Itália e na Holanda. A tendência dominante saiu-se relativamente bem na Alemanha e na ultraconservadora Espanha – apesar de ter perdido votos para pequenos partidos. 

Vista geral do parlamento europeu durante o anúncio do resultado eleitoral-2014
Na Itália, o Partido Democrata governante, partido do primeiro-ministro Matteo Renzi saiu-se muito bem (quase 41%). O Tony Blair à italiana continua a prometer uma vaga “reforma radical” – seja isso o diabo que for. Quanto ao Partido 5 Estrelas, anti-establishment, do comediante Beppe Grillo, perdeu muitos, muitos votos. 

Em regiões como o noroeste da França, que inclui a Normandia – tradicional bastião da esquerda – o Front Nacional de Marine Le Pen obteve acachapantes 32,6% dos votos. Com os socialistas da linha patética de François Hollande no poder, Le Pen riu por último. 

Bastou isso para que uma portentosa nulidade intelectual do quilate do ex-editor executivo do jornal International Herald Tribune zurrasse que Marine Le Pen “é” o Vladimir Putin da França.

Essencialmente, os eleitores europeus disseram duas coisas, bem alto: “União Europeia, você é um saco!” ou “não damos a mínima p’ra vocês, seus eurocratas panacões”.”. 

Como se o oceano de apparatchiks de gordos salários de Bruxelas – os eurocratas – dessem alguma bola para eleitores. Afinal, o mantra deles é “democracia” só é boa para os outros (até ucranianos, pode ser!), mas não é boa para a União Europeia; quando o rebanho de ovelhas-poodles europeias votam, só podem considerar alguns tratadinhos aprovados por Bruxelas, e para aprovar, depois de Bruxelas ter aprovado. 

Bruxelas, por falar dela, está condenada a persistir esse epítome de kafkiano político de controle centralizado e confusão de secretudes semisecretas. Não surpreende que a União Europeia corre alucinada a pivotear-se ela também, com toda a economia global a pivotear-se incansavelmente para a Ásia. 

Siga o dinheiro 

Crer que a União Europeia, sob a austeridade da troika “resgatará” Kiev de sua dívida-monstro é pensamento delirante-desejante. A receita – já inserida no pacote de “resgate” do FMI de $17 bilhões – é, claro, austeridade. 

Os oligarcas permanecerão no controle, enquanto os saqueadores já fazem fila à porta. A ex-secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright – para quem centenas de milhares de crianças iraquianas seriam descartáveis – “observou” as eleições, e, sobretudo, observou muito como privatizar a Telecom Ucrânia, como ela já está fazendo agora com a Telekom Kosovo.

Não há qualquer sinal de que os partidos Setor Direita e Svoboda deixarão de ser criptofascistas, racistas e intolerantes, só porque Poroshenko – o Rei do Chocolate Ucraniano – e, agora, presidente. Por falar dele, sua margem de manobra é estreita e seus próprios mercados – para nem falar de algumas de suas fábricas – estão na Rússia. Toda a indústria pesada e a indústria de armamento no leste da Ucrânia depende da demanda russa. Seriam necessários estonteantes $276 bilhões, para que o “ocidente” “estabilizasse” o leste da Ucrânia. A ideia de que a União Europeia “salvará” a Ucrânia faleceu ao desembarcar, MaD [Morta ao Desembarcar]. D.O.A. 

Moscou, mais uma vez, só tem de fazer o que já está fazendo: nada. E cuidar para que não apareça nenhuma ajuda econômica ou política, a menos que uma Ucrânia federalizada – e finlandizada –, com regiões fortes, veja a luz do dia. 

Até a Brookings Institution teve de admitir, embora relutantemente, que o gambito dos neoconservadores norte-americanos deu miseravelmente côs burros n’água; não existe Ucrânia sem ajuda russa. 

Homem auxilia senhora a votar em Dinipropetrovsk , sul da Ucrânia 
Assim sendo, cabe ao Rei do Chocolate provar que é líder de todos os ucranianos; só depois disso haverá cheiro de entente cordiale para o lado dele – e até alguma ajuda – de Moscou.

Até aqui, os sinais não são claros. Poroshenko disse que a Ucrânia poderia “possivelmente” tornar-se estado-membro da União Europeia lá por 2025 (nunca acontecerá). Descartou entrar para a OTAN. [Movimento esperto. Rejeita a federalização (movimento idiota). Acredita que com uma economia forte, a Crimeia desejará voltar (pensamento delirante-desejante). Mesmo assim, acredita em promover algum acerto com Moscou (o que Moscou sempre quis, mesmo antes do golpe de mudança de regime]. 

Que confusão!

De volta ao OTANstão, há a questão crucial de o que acontece à brigada de ultra-direita anti-União Europeia no Parlamento, em Estrasburgo. Podem até detestar a União Europeia, mas aquele cesto de ideologias dificilmente constituirá qualquer tipo de aliança.

Uma aliança significaria pelo menos 25 membros do Parlamento, de pelo menos sete países diferentes. Marine Le Pen já subiu ao ring. Ela tem um acordo com o detestável Geert Wilders na Holanda; e pode também contar com o FPO da Áustria e com o belga Vlaams Belang. Os democratas suecos – que, de fato, são criptonazistas – permanecem sentados na cerca. Os neonazistas gregos do Aurora Dourada e o Jobbik húngaro estão fora. Quanto ao UK Independence Party, UKIP, definitivamente não se vê como parte dessa “família”. 

Isso significa, no frigir dos ovos, que esses partidos conservadores e moderados, pelo próprio status quo, permanecerão no controle, manifesto pela extremamente provável coalizão do European People’s Party (de centro-direita) com os Socialistas e Democratas (centro-esquerda). 

O que virá a seguir, no segundo semestre de 2014, é a indicação de uma nova Comissão Europeia. É Kafka redux, como no braço executivo infestado de burocratas da UE, que formata a agenda (digamos assim, quando não está ocupado demais distribuindo subvenções em pastinhas de cores diferentes, para diferentes vaquinhas europeias). 

Há cinco candidatos disputando a posição de presidente da Comissão Europeia. Segundo o tratado da UE vigente, os estados membros têm de considerar o resultado das eleições para o Parlamento Europeu, ao indicar o novo presidente. Alemanha quer um conservador. França e Itália querem um socialista. Podem todos aguardar um terrível debate à frente, para encontrar substituto para o espetacularmente medíocre José Manuel Barroso. 

O favorito é direitista do European People’s Party, ex-primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. É empenhado defensor dos sigilos e secretudes para os bancos e faz pose de defensor da “economia social de mercado”.

E há mais Kafka: escolher o novo presidente do Conselho da União Europeia e o Alto Representante para Assuntos Externos. Tradução: a União Europeia não decidirá nada nem reformará coisa alguma, durante meses! Inclui-se nesse nada as críticas negociações com os norte-americanos sobre o acorde de livre comércio. 

É absolutamente impossível noticiar as eleições desse domingo, sem desacreditar ainda mais o projeto da União Europeia, no pé em que está. 

Como vi com meus próprios olhos, desde o início de 2014, em cinco dos países top da União Europeia, o que interessa ao cidadão mediano é o seguinte: como lidar com a imigração; como combater a erradicação do estado de bem-estar; as implicações do acordo de livre comércio com os EUA; o valor do euro – incluindo o custo de vida absurdamente alto; e o que a máfia do Banco Central Europeu está realmente fazendo para combater o desemprego. 

Com Kafka no timão do futuro previsível, certo é que Paris e Berlim navegarão cada vez mais por rotas divergentes. Não haverá nada de redesign das instituições da União Europeia. E o novo Parlamento, cheio de som e fúria, nada será além de refém da inexorável, devastadora fragmentação política da Europa.

 “Salvar” a Ucrânia? Que piada! A União Europeia não consegue salvar nem ela mesma.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009. 







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