Putin contra o camarada Lobo
Duelo na Ucrânia...
por Mike Whitney
“O camarada lobo sabe
o que comer e não pede licença a ninguém”
– o presidente russo
referindo-se aos Estados Unidos.
A crise na Ucrânia
tem suas raízes em uma política que remonta há 20 anos. Sua origem pode ser
rastreada até um artigo de Zbigniew Brzezinski, em 1997, na Foreign Policy
Magazine (Revista de Política Externa), intitulado “A Geostrategy for Eurásia”
(Uma geoestratégia para a Eurásia), onde defende que os Estados Unidos precisam
estabelecer-se firmemente no Ásia Central a fim de manter sua posição de única
superpotência mundial. Mesmo que muitos leitores estejam familiarizados com a
forma de pensar de Brzezinski em relação a estas questões, podem estar perdidos
quanto ao que ele fala sobre a Rússia, o que seria muito esclarecedor, já que o
recente incremento da violência tem mais a ver com a guerra por procuração
movida contra a Rússia que com a Ucrânia em si mesma. Eis o que diz Brzezinski:
A forma pela qual se
auto definirá a Rússia tem muito a ver com o papel que desempenhará a longo
prazo na Eurásia... Mais do que tentar
readquirir o status de potência global, a Rússia deve priorizar a sua própria modernização.
Dado o tamanho do país e sua diversidade, um sistema político descentralizado
somado à economia de livre mercado provavelmente se mostrará a melhor opção
para liberar o potencial criativo do povo russo, assim como de seus vastos
recursos naturais. Uma confederação russa que não fosse tão rígida, composta de
uma Rússia Europeia, uma República Siberiana e uma República do Extremo
Oriente, poderia inclusive tornar mais fácil o cultivo de relações econômicas
mais estreitas com seus vizinhos. Cada um dos estados confederados se
habilitaria então para a exploração de seu próprio potencial criativo local,
sufocado ao longo dos séculos pela mão pesada da burocracia moscovita. Ao mesmo
tempo, uma Rússia descentralizada seria menos suscetível aos movimentos do império.
“Zbigniew Brzezinski, Uma geoestratégia para a Eurásia – Relações Exteriores,
76:5, setembro/outubro de 1997.”
Então, essa é a meta política
dos Estados Unidos: criar uma “Confederação russa frouxa”, com uma economia que
poderia ser incorporada ao sistema baseado no mercado dos EUA?
Veja como é fácil
para Brzezinski fatiar a Rússia em pequenos, mínimos estados sem poder para
ameaçar a expansão imperial dos EUA. Indubitavelmente Brzezinski tem a visão de
uma Rússia vendendo a baixo preço seus “vastos recursos”... em petrodólares,
lógico! Para em seguida reinvesti-los em Títulos do Tesouro Americano tornando
ainda mais ricos os usurários corruptos de Wall Street e Washington. Antevê
ainda uma Rússia que abdicará de seu papel histórico no mundo e não terá voz
ativa na elaboração da política global. Ele imagina uma Rússia cabisbaixa e
conformada que facilitará as ambições imperiais dos Estados Unidos na Ásia, até
o ponto mesmo em que deverá pagar para reprimir seu próprio povo em nome dos
oligarcas dos Estados Unidos, fabricantes de armamento, magnatas do petróleo e
o 1%. Vejamos um parágrafo da peça composta por Brzezinski que faz um resumo
das metas de Washington na Ucrânia, na Rússia e o que mais aparecer. As
seguintes palavras foram apropriadamente colocadas em negrito:
“SEGURANÇA
TRANSCONTINENTAL”
“Institucionalizar
a forma e definir a substância de um sistema de segurança trans-Eurásia pode
vir a se tornar a maior iniciativa de arquitetura política do próximo século. A
base de uma nova estrutura de segurança transcontinental poderia ser um comitê
permanente composto dos maiores poderes da Eurásia mais os EUA, a Europa, a
China, o Japão, a Confederação Russa e a Índia, que poderiam discutir
coletivamente os assuntos inerentes à estabilidade da Eurásia. O surgimento de
um sistema transcontinental pode gradualmente aliviar os EUA de seus encargos,
mesmo que alocados por uma geração ou mais em seu papel decisivo como árbitro
da Eurásia. O sucesso geoestratégico desse empreendimento seria a medida apropriada
para o legado deixado pelo papel dos EUA como a primeira e única superpotência
global”. Zbigniev Brzezinski, “Uma geoestratégia para a Eurásia”, Relações
Exteriores.
Tradução: Os Estados
Unidos policiarão o mundo de perto, despacharão encrenqueiros e eliminarão
quaisquer potenciais problemas onde quer que eles surjam. Será imposto o dogma
sagrado do neoliberalismo (austeridade, privatizações, ajustes estruturais,
reformas contra os direitos trabalhistas, etc) em todos os lugares e para todos
os participantes. Além do mais, os parceiros “menores” como Europa, China,
Japão, a Confederação Russa e Índia – deverão providenciar a segurança para seu
próprio povo e às suas expensas para que os EUA “sejam aliviados de alguns de
seus encargos”.
Que beleza, não é?
Ainda por cima, você tem que pagar por seus próprios carcereiros.
Afinal de contas, o
que diabos quer dizer “Segurança Transcontinental”? Não é apenas um eufemismo
para “governo mundial”?
Na realidade, é tudo
a mesma coisa. Mas temos mais de Brzezinski:
“A falha na expansão
da OTAN ... destruiria o conceito de uma Europa em expansão ... ainda pior,
poderia reacender as latentes aspirações políticas russas em relação à Europa
Central.”
Essa declaração é
estranhamente complicada. Primeiro, a ideia de uma Europa em expansão é apoiada
por Brzezinski, que logo em seguida expressa sua preocupação de que a Rússia
possa fazer o mesmo. Mais uma vez, o roto fala do esfarrapado.
O que resta claro
como água é que, na concepção de Brzezinski a expansão da União Europeia e da OTAN
ajudará as aspirações hegemônicas dos EUA. Isso é o que importa. Diz ele:
“A Europa é a cabeça
de ponte essencial dos Estados Unidos na Eurásia ... uma Europa maior e a OTAN
ampliada sevem aos interesses políticos dos EUA tanto no curto quanto no longo
prazo ... uma Europa politicamente definida também é essencial para a
assimilação da Rússia em um sistema de cooperação global.”
“Cabeça de Ponte”? Em
outras palavras a Europa não passa de um meio para alcançar um fim. E o que
seria afinal esse “fim”?
Dominação Global. É
ou não é disso que ele está falando?
Claro que é.
A crise ucraniana é difícil
de entender por causa da neblina impenetrável na qual a mídia envolve a
política por trás dos acontecimentos, todo dia. Quando a neblina sobe, é fácil
ver quem é a causa de todos os problemas. É o bom e velho país chamado Estados
Unidos da América, promovendo uma farra a tiros, na terra alheia.
Nem a maioria dos
ucranianos nem Putin querem a guerra. Todo esse imbroglio foi criado pelo Tio
Sam e seus asseclas, na tentativa de interromper o fluxo contínuo de gás russo
para a Europa, remanejar a OTAN mais um pouco para leste e quebrar a Federação
Russa em pedacinhos. Esta é toda a verdade. Para conseguir seus objetivos esse homens
insanos não se importam em destruir a Ucrânia e matar tudo o que se move, em um
raio de 4.800 quilômetros de Kiev. Afinal, foi o que fizeram no Iraque, não
foi? Certamente sim. Já mencionei que, de acordo com o Wall Street Journal
desta semana “a produção iraquiana de petróleo alcançou seu mais alto nível nos
últimos 30 anos.” Claro que com os suspeitos de sempre auferindo lucros
imensos. A questão é que eles farão na Ucrânia o que já fizeram no Iraque,
porque Washington não se importa com a carnificina, mas com seus eleitores. Com
os massacres eles podem lidar.
Hillary Clinton |
Mas Brzezinski não é
o único a apoiar a atual política. Tem Hillary Clinton como companheira de
viagem. Na verdade quem primeiro usou o termo “pivot” foi ela, quando era
Secretária de Estado, em um artigo denominado “O século do Pacífico da
América”. O artigo de opinião de Clinton descreveu um plano de reequilíbrio que
em tese abriria novos mercados para as corporações dos Estados Unidos e para
Wall Street, controlaria o fluxo de recursos vitais e “permitiria uma presença
militar ampla” em todo o continente. Aqui está um trecho do seminal discurso de
Clinton:
“A decisão sobre o
futuro da política será tomado na Ásia, não no Afeganistão ou no Iraque, e os
Estados Unidos estarão no centro da ação. Os EUA estão em um ponto de
pivoteamento, pois a guerra do Iraque está no fim e está se iniciando a
retirada das tropas do Afeganistão. Nos últimos dez anos, colocamos imensos
recursos nesses dois teatros de guerra. Nos próximos dez anos, precisamos ser
sistematicamente inteligentes em relação ao lugar onde investiremos nosso tempo
e energia, de maneira que possamos sustentar nossa liderança, assegurar nossos
interesses e fazer avançar nossos valores. Uma das mais importantes tarefas do Estado Americano
para a próxima década será então dar solidez a substanciais aumentos de
investimentos – diplomáticos, econômicos, estratégicos e outros – na região da
Ásia e do Pacífico ... O aproveitamento dinâmico do crescimento da Ásia é
fundamental para os interesses econômicos e estratégicos dos Estados Unidos e
prioridade absoluta para o presidente Obama. A abertura dos mercados asiáticos
proverá os EUA de oportunidades sem precedentes para investimentos, comércio e
acesso a tecnologia de ponta ... As empresas americanas (precisam) entrar no
mercado consumidor da Ásia, que é grande e está em crescimento ... A região
asiática já é responsável por mais da metade da produção mundial e por cerca da
metade do comércio global. Como estamos nos esforçando para atingir a meta do
presidente Obama, de dobrar as exportações até o ano de 2015, estamos à procura
de oportunidades para mais negócios na Ásia ... ao falar com líderes
empresariais através do país, ouço sempre como é importante para os Estados
Unidos expandir suas exportações e não perder as oportunidades de investimento
no dinâmico mercado asiático.” (“América’s Pacific Century”, Secretária de
Estado Hillary Clinton, Revista de Política Externa, 2011.
“O aproveitamento
dinâmico do crescimento da Ásia é fundamental para os interesses econômicos e
estratégicos dos Estados Unidos e prioridade absoluta para o presidente Obama”?
Parece por acaso a
fala de alguém que quer cultivar uma relação mútua de benefícios comuns com
seus parceiros comerciais ou a fala de quem quer chegar, assumir tudo e
comandar o espetáculo?
Tudo tem a ver com o
dinheiro, até o plano de Washington de desviar a atenção do Oriente Médio para
a Ásia. A própria Clinton sempre diz exatamente isso. Ela diz: “A região
asiática já é responsável por mais da metade da produção mundial e por cerca da
metade do comércio global ... mercados asiáticos ... proverá os EUA de
oportunidades sem precedentes para investimentos, comércio e ... mercado
consumidor da Ásia, que é grande e está em crescimento.”
Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
O potencial para mais e mais lucro é ilimitado e assim Madame Clinton quer
fincar nossa bandeira exatamente no centro da ação, onde as empresas americanas
possam acumular a grana sem temer represálias.
A mesma coisa é dita
por Brzezinski em sua obra prima “The Grand Chessboard” (O grande Tabuleiro de
Xadrez), de onde tiramos um pequeno excerto:
“O poder que
dominasse a Eurásia dominaria duas entre as três regiões mais avançadas e economicamente
produtivas do mundo. Um simples olhar que se lance ao mapa mostra que quem
domina a Eurásia tem assegurada de forma quase automática a subordinação da África
tornando o hemisfério ocidental e a Oceania (Austrália) politicamente
periféricos ao continente central do globo. Quase 75 por cento da população
mundial vive na Eurásia e a maioria da riqueza física mundial se encontra ali, ou
nas suas empresas ou em seu subsolo. A Eurásia provê três quartos dos recursos
energéticos conhecidos do mundo.” (Zbigniew Brzezinski “O Grande Tabuleiro de
Xadrez: a primazia americana e seus imperativos geoestratégicos” página 31).
Cha-ching! |
Começou a ter uma
ideia? Trata-se de uma nova corrida do ouro! Após ter pirateado, agredido e
saqueado até o último centavo a classe média dos EUA, deixando a economia aos
farrapos, Brzezinski, Clinton et caterva
estão migrando para pastos mais verdes na Ásia Central, onde se localizam as maiores
nações produtoras de petróleo do mundo, com as reservas ilimitadas da bacia do
Mar Cáspio e ainda a cereja do bolo: zilhões de consumidores ávidos para comprar
de tudo, começando por i-pads para matar o tempo, tudo, é lógico, fornecido
pelas empresas corporativistas norte americanas. Cha-ching! (1)
Então, não se
impressione com o dia a dia da Ucrânia. A luta que ali se desenrola nada tem a
ver com “forças pró Kiev e ativistas antigovernamentais. É apenas mais uma fase
do plano de conquista do mundo pelos Estados Unidos. Esse plano pretende levar
a Rússia, de forma inevitável, a lutar contra o massacrante poderio militar dos
Estados Unidos da América. É Davi contra Golias. É mãe Rússia contra o Grande
Satã, Vlad Putin contra o Camarada Lobo.
A Ucrânia é apenas o
primeiro round.
Por Mike Whitney.
é
um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua própria empresa de
paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha regulamente como
articulista freelance nos últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o
premio Project Censored por um reportagem investigativa sobre
a Operation FALCON, um massiva, silenciosa e criminosa operação
articulada pela administração Bush (filho) que visava concentrar mais poder na
presidência dos EUA. Escreve regularmente em Counterpunch e vários outros
sites. É co-autor do livro Hopeless: Barack Obama and the Politics of
Illusion (AK Press) o qual também está disponível em Kindle edition.
Recebe
e-mails por: fergiewhitney@msn.com.
(1)
Cha-ching! Palavra onomatopaica de uso
urbano nos EUA e que significa o barulho feito pela caixa registradora ao
fechar. Usada em conversação para exemplificar grande lucro com o uso de poucos
recursos. Exemplo: “comprei uma casa em leilão judicial por R$ 100.000,00 e
acabei de vendê-la por R$ 380.000,00. Cha-ching!"
Tradução: mberublue
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