Guerras, assassinatos e sanções.
por John Kozy
Publicado
inicialmente em GlobalResearch em 16 de maio de 2014
Link para o artigo original: http://www.globalresearch.ca/sanctions-wars-and-assassinations/5382457
“O líder do mundo
livre” – é assim que os EUA gostam de chamar a si mesmos. Difícil atinar porque
alguém acreditaria. Obviamente, as pessoas aqui não são mais livres que as de
qualquer outra nação. Pergunte a um americano no que ele é mais livre que
qualquer cidadão da Holanda para fazer o que quiser e espere para ver se ouvirá
qualquer resposta significativa. Levando-se em conta apenas o tamanho do PIB,
claro que os EUA são uma grande economia, trata-se afinal, de um grande país.
Apenas Canadá e Rússia são maiores em extensão territorial, mas suas populações
são menores. E os Estados Unidos nem são tão bem governados assim. Enquanto uma
minoria de americanos é obscenamente rica, outros mal ganham o suficiente para
sobreviver. Embora a nação como um todo
seja evidentemente próspera, grande parte da população é muito pobre. Seu poderio
militar é enorme; suas vitórias, ínfimas. Henry Kissinger certa vez disse: “em
minha vida, vi quatro guerras que começaram com grande entusiasmo e apoio
público, todas elas não sabíamos como terminar e de três delas nos retiramos
unilateralmente”. Já não se ganha ou se perde uma guerra. Ela, como velhos
soldados, simplesmente acaba. Umair Haque, diretor do Havas Media Labs, e tido
como um dos mais influentes pensadores de gestão do mundo pela Thinkers50,
escreveu na “Harvard Business Review” a seguinte descrição dos Estados Unidos
contemporâneo:
“Os Estados Unidos
são ricos em que? Começa a parecer pobre, para as pessoas comuns. Sua
infraestrutura está a desmoronar. Seu sistema educacional educa mal. Seu
sistema de saúde é simplesmente inexistente. Posso atravessar a Europa em um
trem de alta velocidade em oito horas; mal posso ir de Washington a Boston em
nove. Pior que isso, os EUA estão estragando seus suprimentos de água e comida
através do constante envenenamento por energia poluente, enquanto o resto do
mundo rico a está trocando por energia renovável. Os Estados Unidos são
flagrantemente deficitários em todos os serviços públicos de educação, saúde,
transporte, energia, infraestrutura, para não dizer de outros não mencionados
mas não menos importantes: parques, centros comunitários e serviços sociais”.
Assim, mesmo dizendo
ser o líder do mundo livre e enquanto tenta ensinar o mundo como governar, ao
olhar para si mesmo, como raramente faz, só vê um idiota consumado.
Feira de armas na Virgínia, EUA |
A política
implementada continuará a mesma, por mais persistentemente se prove ser errada
e ineficiente. A “guerra às drogas”, iniciada em 1971, tem sido tão desastrosa
que vários estados legalizaram substâncias ainda banidas pelo governo federal.
A dependência viciosa a políticas econômicas há tempos desacreditadas quebrou o
mundo duas vezes nos últimos setenta anos. As ruas dos Estados Unidos viraram
um campo de batalha pela constante recusa em adotar qualquer medida contra a
propriedade de armas. Por muito que os EUA sejam tolos em suas políticas
internas, conseguem igualar o feito no trato com outros países. Tome, por exemplo,
a política de induzir outros países a mudar através de sanções. A aplicação de
sanções é uma forma de guerra econômica e como a guerra real, ambas as partes
em luta sofrem baixas. Como as guerras reais, as guerras econômicas raramente
têm vencedores constantes. Sanções têm sido aplicadas em pelo menos vinte e
cinco “conflitos” internacionais. Nada na lista do Departamento do Tesouro
mostra que a meta estabelecida foi alcançada com sucesso. Hoje, aplicam-se
sanções contra sete países: Cuba (desde 1960); Irã (1979), Myanmar (1997),
Coréia do Norte (1993), Costa do Marfim (2006), Síria (2012) e Rússia (2014).
Agora, isso não é uma lista de potências econômicas? Até a publicação deste
artigo, por várias e boas razões, os EUA não conseguiram sucesso com a imposição
dessas sanções.
A prática de
imposição de sanções às nações cujos atos desagradem aos EUA é uma política
dirigida a objetivos ou tolos ou infames. É uma prática que visa à destruição da
soberania de outras nações, e pelo que sei, nunca se conseguiu tal coisa. Os
EUA são uma nação narcisista que só enxerga o próprio reflexo em qualquer lugar
para onde olhe. A húbris norte americana lhe permite acreditar que o mundo
inteiro tem que trabalhar da mesma forma que os EUA. Então, porque desde o
nascimento da nação a corrupção causada pela classe mercantil predomina na
política econômica dos EUA, impondo as políticas nacionais, os norte americanos
crêem que a classe mercantil de outras nações também tenha o poder de lhes ditar
as políticas. Obviamente isso nem sempre acontece. Em Cuba e na Coréia do Norte
a classe mercantil praticamente inexiste. No Irã, está submetida às ordens dos
Aiatolás, em Myanmar e na Costa do Marfim, o controle é exercido totalmente
pelos dirigentes corruptos. Quanto à Síria e a Rússia, o relacionamento entre o
governo e a classe mercantil é no mínimo ambígua. Sancionar essas nações pode
causar algum abalo em suas economias, mas é pouco provável que cause qualquer
efeito em seus governos.
Para que se obtenha o
resultado desejado pela aplicação de sanções, certas condições são necessárias.
Qualquer nação sancionada deve ter uma grande classe mercantil com poder
suficiente para influenciar seu próprio governo. O governo deve ser cuidadoso
quanto às necessidades da classe mercantil. Segundo, não se consegue sancionar um
país que tenha ou uma pequena demais ou uma muito grande carteira de comércio
internacional. Em nada ajuda o governo de um país dizer aos seus comerciantes
que não podem fazer negócios com outra nação com as quais eles já não têm comércio.
Já dizer aos seus comerciantes que interrompam o comércio com determinada nação
com a qual eles têm substancial negociação e interesse pode vir a ser
economicamente mais prejudicial para a nação que sanciona que para a nação
sancionada. Restam as nações com comércio internacional médio. Alguns danos
podem ser causados ao se sancionar essas nações, mas não o bastante para
fazê-las mudar. Tais sanções raramente são bem sucedidas. O que acontece quando
elas falham? Fracassos muitas vezes levam à guerra.
Apenas um ano após os
Estados Unidos sancionarem Cuba, o país foi invadido por um grupo paramilitar
patrocinado pela CIA. Oito bombardeios B-26 fornecidos pela CIA atacaram os
campos aéreos cubanos. Na noite seguinte os invasores desembarcaram na Baía dos
Porcos. Eles pensavam que o povo cubano se levantaria e derrubaria o governo
Castro. Em vez disso, viram o exército cubano cercar e prender os invasores em
apenas três dias. A invasão foi uma vergonha para os Estados Unidos; Em grande
parte da América Latina e do mundo foi comemorada a falibilidade do
imperialismo dos Estados Unidos. Não obstante o fracasso, os EUA tinham
começado com sua guerra de sanções. Desde então os norte americanos tem lutado
guerras às vezes sem aviso ou conhecimento, em numerosos lugares onde as
sanções falharam: os Balcãs, Iraque, Líbano, Líbia, Somália, Sudão – outra
lista de potências econômicas. Sanções após a guerra, mesmo quando as guerras
falham é um absurdo. Assim, a política
de guerra evolui para a de assassinatos.
Talvez o propósito
das sanções, guerras que lhes acompanham e assassinatos subsequentes não seja o
sucesso nem a provocação de mudanças. É absurdo, mas deve haver uma explicação
para isso. Quem sabe uma explanação possa ser obtida através do exame do
sistema penal americano.
Toda sociedade tem
cidadãos que de tempos em tempos colocam os outros em risco. Eventualmente
esses indivíduos podem colocar em risco a própria existência da sociedade como
tal. Em sociedades primitivas esse pessoal é simplesmente extirpado, banido ou
exilado. Na infância histórica dos Estados Unidos, essa forma de punição foi
usada pelos puritanos quando eles exilaram Roger Williams, que foi o fundador
de Rhode Island e da Primeira Igreja Batista. A teologia de Williams colocou em
risco a unidade religiosa da sociedade puritana. De muitas formas, o sistema
penal atual é mais duro e desumano com os inconformados que o exílio. Porém
como é cada vez mais difícil encontrar lugares onde exilar alguém, acabou por
prevalecer o sistema penal atualmente vigente. As coisas se tornam então
complicadas. Em vez de simplesmente remover cidadãos que apresentam perigo da
sociedade, o povo começou a usar as prisões como forma de punição, e é nisso
que se transformaram as prisões atualmente. Quando uma vítima diz: “quero que
seja feita a justiça” ele/ela está dizendo que quer a punição do criminoso.
Então os perpetradores de crimes pagam o preço de ficar aprisionados pela
sociedade e a sociedade para o preço do custo de manter o sistema penal como um
todo. O preço é pago tanto pelos criminosos quanto pelos cidadãos que respeitam
a lei. O intuito do sistema penal é meramente punitivo, independente do custo.
Não há outra função.
Nunca houve qualquer
resultado favorável aos Estados Unidos oriundo das sanções contra Cuba e a Baía
dos Porcos, mas isso não importa. O povo de Cuba está sendo punido há mais de
meio século por não ter se levantado em revolta e derrubado o governo de Castro
em 1961. As ações de Saddam Hussein são a causa da punição do povo do Iraque. Da
mesma forma, o povo afegão está sendo punido porque seu governo não entregou
Osama Bin Laden aos Estados Unidos quando lhes foi solicitado, para que fosse
julgado por ter supostamente planejado o incidente de 11/9. Não importa se essa
punição tenha custado muito caro aos Estados Unidos. O custo das punições não
vem ao caso. Mas essa política não é exclusividade dos EUA. O mundo ocidental
vem punindo os palestinos pelo holocausto que a Europa ocidental infligiu aos
judeus dessa mesma Europa! Não apenas não é importante o custo da punição, como
também é irrelevante que povo será punido... Os EUA só continuam a aplicar essa
política porque seus fracassos são anotados como sucessos. Fundamentalmente, o princípio
que rege essas operações é deixar claro que o desprezo aos Estados Unidos fará
despertar uma fúria tão grande que nem no inferno se achará igual.
John Kozy
John Kozy é um
professor aposentado de lógica e filosofia, que escreve sobre questões sociais,
políticas e econômicas. Depois de servir no exército dos Estados Unidos durante
a guerra da Coréia, viveu 20 anos como professor universitário e outros 20 como
escritor. Tem um livro publicado de maneira comercial, assim como tem
publicações em revistas acadêmicas, além de um pequeno número de revistas da
mídia, ocasionalmente escrevendo editoriais em jornais como convidado. Seus
trabalhos online podem ser encontrados aqui: http://www.jkozy.com/
Tradução: mberublue
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