ESTE
É O NOSSO PARTIDO!
Os iranianos tem o direito soberano
de escolher a quem bem entenderem para representá-los na ONU. Só que um grupo
de texanos tem o direito de escolher a própria Ivy Leaghe Meathead (ironia com
um grupo de oito universidades privadas do nordeste dos Estados Unidos,
elitistas e profundamente WASP’s – brancos, anglo-saxões e protestantes) que
quiserem para representá-los no Congresso.
Por
JOHN FEFFER em 16 de abril de 2014.
Acabei de ouvir: houve uma mudança no modo de pensar
dos Estados Unidos em relação a Jens Stoltenberg, novo mandatário da OTAN. O
Congresso dos EEUU acaba de aprovar uma resolução que tem o efeito de, na
prática, impedir sua nomeação. Parece que quando Jens era ainda rapaz, teria
atirado pedras na embaixada dos EEUU em Oslo. Dessa forma, ele constitui uma
ameaça para a “Segurança Nacional Americana” e o Congresso tinha que tomar uma
posição justa.
Não, pera, ouvi mal. Os EUA não estão
bloqueando o novo chefe da OTAN. Na realidade, é a presidente do Brasil, Dilma
Roussef, que, além de ser búlgara, por si só um motivo de suspeita, ainda por
cima era membro de um movimento clandestino marxista na década de 1960. Seu
visto já foi revogado, porque o Congresso não quer que ela fale na ONU.
Saco! Errei de novo. Não foi Dilma Roussef.
Trata-se do dissidente chinês Xu Youyu. Embora sendo um dos signatários da
Carta 08, que apela pela reforma política e democratização na China,
descobriu-se que ele era um membro da Guarda Vermelha quando jovem, e todos nós
sabemos o quanto radicais e perigosos eles eram. Por isso mesmo, aplausos para
o Congresso dos EEUU que está bloqueando por unanimidade seu ingresso no país.
Não,
não Xu Youyu? Oh, você disse Xi Jinping? Puxa, eu freqüentemente tenho esses
nomes chineses misturados. Bem, é claro, o Congresso dos EUA não deve deixar Xi
Jinping vir aqui. Ele é o chefe do Partido Comunista mais poderoso do mundo!
Ele era um comunista na sua juventude. E seu pai era um figurão comunista
também. Anti-americanismo é executado claramente em suas veias. Não podemos
deixar que pessoas assim nos Estados Unidos!
Que?
Não era Youyu? Ah! Xi Jinping? Uai, eu sempre misturo esses nomes chineses. Bom.
Mas é claro que o Congresso dos Estados Unidos deve impedir que Jinping venha
aqui. Ele é nada mais, nada menos, que o chefe do Partido Comunista mais
poderoso do planeta! Aliás, seu pai também era um figurão comunista. Tá na cara
que anti americanismo corre em suas veias! Não podemos deixar pessoas assim
entrar nos Estados Unidos!...
Se tudo isso parece um absurdo para você,
espere até saber da arrogância “Tea Party” de Ted Cruz, republicano do Texas.
Cruz patrocinou, no Senado, semana passada, um projeto de lei que exige que o
Irã anule sua escolha de Hamid Aboutalebi como enviado à ONU. Aparentemente,
aos vinte anos, Aboutalebi teria trabalhado como tradutor, ajudando os
estudantes iranianos que fizeram reféns americanos em 1979. Evidentemente,
traduzir é atividade arriscada, “traduzir é trair”, como diz o ditado italiano.
Suspeito que Tec Cruz considera o bilingüismo fundamentalmente anti
norteamericano (por que diabos você foi fazer isso, companheiro Aboutalebi,
optar por falar uma língua que não seja INGLÊS?).
Mas
o que deixou Cruz realmente chateado não foi isso. Ele sentiu que o Irã estava
esfregando em nossa cara a crise dos reféns, de novo. “Nós, como país, temos
que enviar às nações párias como o Irã a mensagem inequívoca de que não mais
toleraremos esse tipo de provocação hostil”, disse Cruz
Mas Cruz esqueceu algumas coisas: que
Aboutalebi é um experiente diplomata que já trabalhou em missões iranianas em
lugares como Austrália, Bélgica e Itália. Mas o porrete do Texas jamais deixará
o Irã ou qualquer estrangeiro dizer aos EUA o que fazer. Aparentemente,
esqueceu que os EEUU simplesmente abandonou as relações políticas com o Irã
desde a época do Xá. Mas isso ainda não é o ponto mais importante: ocorre que Cruz,
que é formado em Direito pela Universidade de Harvard, negligencia que os
iranianos tem o direito soberano de escolher a quem bem quiserem para
representá-los na ONU, da mesma forma que os Texanos tem o direito de escolher
qualquer representante da Ivy League “carne de pescoço” para representá-los no
Congresso. Além disso, os Estados Unidos são obrigados segundo um acordo de
1947 com a ONU, a conceder vistos de entrada aos representantes diplomáticos.
Seria
apenas uma piada divertida, se isso tivesse parado em Ted Cruz. Mas ocorre que
essa medida absurda ganhou o apoio unânime do Senado e da Câmara. Como assim,
unânime? Não há ninguém disposto a parar esses brutamontes como Cruz e seu
aliado Schumer? Schumer, por sinal, já ameaçou explodir com o acordo nuclear
com o Irã, apoiando ainda uma nova rodada de sanções.
Pois
é. O Congresso é estúpido e a estupidez é bipartidária. Daí a administração Obama,
em vez de lembrar ao Congresso que sua autoridade é limitada ao território dos
Estados Unidos, na verdade, comunicou ao Irã que não emitiria um visto para
Aboutalebi. Não se esqueçam, o diplomata iraniano não estava vindo para cá para
fazer lobby na rua K, ou algo assim tão sinistro. Estava simplesmente vindo
trabalhar em uma organização que apenas por acaso está localizada em Nova York.
O Irã, com razão, recusou retirar sua escolha. Teerã está neste momento
buscando uma solução diplomática para o caso.
Você pode ficar surpreso o saber que, mesmo que
Pyongyang não tenha relações diplomáticas com os Estados Unidos, até mesmo os
norte-coreanos recebem visto para representar sua missão na ONU. Ainda há pouco tempo atrás, a Coréia do Norte
constava da lista de países acusados de apoiar o terrorismo. Os vistos
concedidos para norte coreanos são bem restritos. Não podem, por exemplo,
viajar além de um raio de 25 milhas de Manhattan (um privilégio que
compartilham com os diplomatas do ONU da Síria e... sim, do Irã). Mas mesmo assim ainda estão no país. Hesito em
escrever isso. Vai que Ted Cruz descobre que há norte coreanos atualmente nos
Estados Unidos e resolve patrocinar outro projeto de lei expulsando-os.
É claro que posso imaginar uma situação em que
os Estados Unidos bloqueia de forma legítima a entrada de um enviado à ONU. Eu não
gostaria, claro, que um assassino em série, ou um chefão do crime organizado
fosse visto saindo tranquilamente da ONU. Também não gostaria que um ideólogo
maluco qualquer, que negasse a simples existência da ONU ou ficasse excitado
com a idéia de explodir 10 andares do Edifício das Nações Unidas (êpa! Pera... Esse
era um maníaco norte americano, John Bolton). A não ser nesses casos extremos,
eu deixaria que todos os diplomatas profissionais viessem para Nova York,
independentemente de suas crenças políticas ou do que fizeram nos últimos vinte
anos. Deixe que trabalhem na ONU com a experiência do multiculturalismo de Nova
York, deixe que sejam hipnotizados pelas excelentes delicatessens da cidade.
Ora, se um sanduíche de carne enlatada envolvida em centeio não fizer de você
um americano, nada o fará.
‘A festa é minha e choro quanto quiser”,
cantou Leslie Gore na década de 1960. É dessa forma que se sentem Ted Cruz e
Charles Schumer ao ver o Irã estragar sua visão de mundo “nós contra eles”,
concordando em negociar sobre seu programa nuclear. Também é desse jeito que o
Congresso dos EEUU aparentemente se sentem sobre qualquer país que pretenda
exercer seu direito soberano de nomear seus diplomatas. Finalmente, é assim que
os Estados Unidos se sentem quanto às regras do mundo globalizado. A festa é
nossa, o grupo é nosso e se você não gostar de nossas regras, você está fora.
John Feffer é o co-diretor do Foreign Policy In Focus.
Traduzido por btpsilveira em 21 04 2014
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