A CRISE MORAL NO CORAÇÃO
DA “PAZ DE OBAMA”
Por Ramzy Baroud
Para entender como tem degringolado
imprudentemente o mais recente “processo de paz” dos EUA, basta um olhar
crítico para alguns dos personagens envolvidos nesse teatrinho político. Particularmente,
um personagem tem destaque como uma prova de quão fútil é o exercício desse
processo. Trata-se de Martin Indyk.
Martin Indyk, à direita. |
Ex embaixador em Israel, Indyk foi
escolhido pelo Secretário de Estado John Kerry para desempenhar as funções de
enviado especial nas negociações entre a Autoridade Palestina e Israel.
Normalmente, a escolha de Kerry pode parecer pouco inteligente. Muitas vezes,
ex embaixadores tem o conhecimento necessário para desempenhar tarefas difíceis
em países onde tenha servido anteriormente. Ocorre que as circunstâncias nesse
caso não são o que se poderia chamar de normais e Indyk não possui as
habilidades necessárias como diplomata, no sentido estrito do termo.
Conforme foi se deteriorando o processo
de paz mediado pelos Estados Unidos, Kerry tomou uma de suas peculiares
atitudes, nomeando e despachando Indyk para Jerusalém. Indyk assumiu a tarefa
de falar com ambos os lados separadamente na data de 18 de abril, sexta feira.
A mídia internacional entendeu e descreveu o acontecimento como um esforço
derradeiro para a retomada das negociações e para ajudar a preencher as
divergências entre os mandatários da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas e de
Israel, Benjamim Netannyahu. O visita do enviado de Kerry aconteceu um dia
depois que foram relatadas conversas intensas e difíceis entre negociadores
palestinos e israelenses. No entanto, “nenhum avanço foi feito”, disse uma
fonte palestina oficial à AFP depois da reunião de quinta-feira.
Não que se esperasse qualquer
progresso. A resolução do conflito em si mesmo não era o tema discutido por
ambas as partes e sim um adiamento do prazo que permitisse que Kerry costurasse
um “acordo geral”, previsto para 29 de abril.
Para os Estados Unidos é interessante
manter essa farsa, por diferentes razões que não a paz. Ocorre que sem um “processo
de paz” os Estados Unidos não terão uma plataforma política importante no
Oriente Médio. “Mediador Honesto” é um título auto concedido pelas
administrações dos EUA. Evidentemente, não é preciso um QI de gênio para
perceber que “honestos” os Estados Unidos não são nas suas relações com estas
duas partes. De fato, em vez de um terceiro imparcial, os Estados Unidos sempre
estiveram e estão em campo firmemente ao lado dos israelenses. A sua influência
financeira e política foi usada como uma plataforma que permitiu patrocinar
avanços, em primeiro lugar, de Israel, depois seus próprios interesses. Um exemplo? Indyk.
O potencial agente do prenúncio de paz,
Martin Indyk, em 1982 trabalhou para o grupo de lobby pro Israel AIDAC. O AIPAC
é uma força de direita que tem investido energia e recursos ilimitados com a
intenção de impedir todo e qualquer avanço ou resolução justa e pacífica para o
conflito Palestina/Israel. Tal é a sua influência e força, como por exemplo
sobre o Congresso, que se diz que o Capitólio acabou por se tornar um
território ocupado por Israel e seus aliados. No entanto, a contribuição mais valiosa de
Indyk para Israel foi a fundação do Instituto Washington para a política do
Oriente Próximo (WINEP). Em 1985, um outro lobby israelense fez um estrago sem
tamanho para a credibilidade externa dos EUA no Oriente Médio através de
intelectuais e “especialistas” deste lobby.
Escrevendo em Mondoweiss no último ano,
Mac Blumenthal lembrou de declarações interessantes feitas por Indyk na
primeira convenção da “J Street” em Washington DC em 2009. A “J Street” é um
outro grupo de lobby pró Israel que maliciosamente procura se distinguir como
pró paz, levando muitas pessoas a concluir, enganosamente, que a influência da
AIDAC em Washington estaria em declínio e sendo desafiada por um lobby rival.
No entanto, com políticas habilmente formuladas e dado o passado colorido de
seus convidados de honra para palestras indicam justamente o contrário. Indyk,
como hábil lobista de direita, estava realmente entre seus melhores amigos.
“Posso me lembrar de encontrar um
auditório lotado para ouvir de Indyk como ele fez “Aliyah para Washington”
(Aliyah é a palavra para designar a ”ascenção” ou “ascenção espiritual”, no
caso, de Israel [NT]) durante a década de 1980, garantindo assim que a política
dos Estados Unidos se mantivesse inclinada a favor de Israel, culpando Yasser
Arafat pelo fracasso de Camp David,” lembrou Blumenthal.
Ele continuou citando Indyk: “Eu
cheguei a essa conclusão há 35 anos. Na época era estudante em Jerusalém,
quando a guerra do Yom Kippur estourou”, disse Indyk. “Naqueles dias terríveis,
eu era voluntário, pois a sobrevivência de Israel parecia estar em perigo e eu
testemunhei a miséria da guerra, assim como o papel crítico que os Estados
Unidos desempenharam, através do ativismo diplomático de Henry Kissinger, para
forjar a paz em meio a essa guerra terrível.”
Estes não eram apenas comentários de
Indyk, mas a reflexão do compromisso eterno do homem, não para promover a paz,
mas com Israel, ou, mais precisamente, a paz que convenha e seja prevista por
Israel, o que acaba por se constituir no núcleo da crise atualmente em curso. O
primeiro Ministro Israelense, Netanyahu nunca deixa de falar sobre a paz, assim
como seu Ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman. Mesmo o Ministro
da Economia, Naftali Bennet, líder do partido extremista “A Casa Judaica”,
largamente conhecido por sua retórica extremamente belicosa, é um ardente
defensor da Paz. Ocorre que a paz que desejam não é a paz baseada na justiça,
ou a paz prevista pelas leis humanitárias internacionais. Trata-se de uma paz
especificamente adaptada para permitiria a Israel manter sua agenda
explicitamente racista, e uma política colonizadora de invasão e grilagem de
terras.
Sem surpresa. Esse é exatamente o mesmo
tipo de “paz” que imaginam os Estados Unidos. A nova “paz” da agenda de Kerry
não é inteiramente uma repetição de antigos programas. É isso também, mas
engloba quase que de maneira completa as rebuscadas idéias de Lieberman e de
grupos de direita, ou seja, anexações – Vale do Jordão – troca de terras dadas
em vista de blocos principais de assentamentos. Lieberman soava como um
político demente quando aventou essas idéias alguns anos atrás. Graças a Kerry,
atualmente é exatamente esse o pensamento dominante.
Então, esse mesmo Indyk, com uma vida
dedicada a promover a “paz” no estilo israelense, não mais que de repente marcado
como um “negociador honesto” que tentará reviver as negociações, exercendo “pressão”
sobre “ambos os lados” como qualquer intermediador hábil faria nessa situação.
Mas Indyk não é o único advogado do diabo que se tornou, de repente, “lobista
da paz”. Ele é apenas um entre muitos. Um dos falcões políticos ds EUA, Dennis
Ross, considerado essencial em Washington durante muito tempo e dedicado
defensor da desastrosa Guerra do Iraque, serviu como coordenador especial de
Bill Clinton para o Oriente Médio. Pois foi escolhido a dedo pelo atual
presidente, Barak Obama, logo no início de seu mandato, para continuar a
exercer o mesmo papel na nova administração. Se não bastasse a forte ligação do
“diplomata” com neoconservadores, em especial os envolvidos no já extinto grupo
pró guerra conhecido como Projeto para o Novo Século Americano, ele também
atuou ativamente como consultor do WINEP, o mesmo lobby fundado por Indyk e já
aqui mencionado.
Claro que isso não foi coincidência. O WINEP, como outros grupos extremamente
agressivos pró Israel (grafado “hawkish” – [NT]) serviu para formar uma
plataforma de defesa para Israel e para os assim chamados “promotores da paz”
israelenses. Dennis e Indyk, curiosamente, culparam os palestinos pelo fracasso
das negociações anteriores, em uníssono. Maliciosamente, Blumenthal destacou o
discurso de Indyk na “J Street”, destacando a culpa do falecido Yasser Arafat,
com “aquele seu grande sorriso de merda” pelo fracasso dos parâmetros de paz de
Clinton, apesar do fato de que na realidade, Arafat tinha aceitado todos os
termos do tratado.
Vamos
a um pouco das reminiscências de Indyk: “em me lembro de Shimon Peres me
dizendo em que Arafat decidia se aceitaria ou não os parâmetros de Clinton,
que, dizia ele, a história é um cavalo que passa a galope por sua janela e o
ato de um verdadeiro estadista é aproveitar o momento e saltar sobre o cavalo a
galope. Claro que Arafat deixou o cavalo passar a galope, deixando palestinos e
israelenses atolados na miséria de sua própria história. Pois agora é esse
Indyk, o valente lobista israelense que está sendo enviado, junto com outro
cavalo a galope, para a janela de Abbas. Todos nós sabemos muito bem como isso
acaba. Posso imaginar Indyk dando outra palestra em conferências da AIPAC ou J
Street ridicularizando Abbas por não saltar no cavalo.
Ramzy Baroud
é um colunista internacional
sindicalizado, consultor de mídia e editor do PalestineChronicle.com.
Tradução: btpsilveira
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