A OTAN vai de Viagra
Ao completar
65, a OTAN deveria agir de acordo com a idade. Em vez de urdir trapaças no
leste, faria melhor escrevendo um livro de memórias e diminuindo de tamanho.
Por John Feffer, em 09 de abril de 2014.
O Secretário Geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen em
foto com as Forças Especiais no Afeganistão.
A aliança pode ter abocanhado um bocado além do que
pode digerir com as tensões entre a Rússia e o Ocidente.
Foto ISAF Media/Flickr
A OTAN acaba
de completar 65 anos de idade. É a idade da aposentadoria, especialmente se for
levado em conta que se trata de uma aliança estruturada há muito tempo, e que
prosperou durante longo período. A guerra do Afeganistão acabou. Os países europeus
em sua maioria só pensam em reduzir seus gastos militares. Os Estados Unidos,
teoricamente, estão engajados em um pivoteamento para o Pacífico.
A mensagem
deve ter sido recebida pela OTAN. Alguém em Bruxelas já deve estar encomendando
um grande bolo, fazenda a lista de convidados, preparando para quedas dourados para
o alto escalão e tratando de pintar “missão cumprida” nas bandeirinhas de
enfeite. Talvez um asilo para militares reformados da aliança em algum lugar da
Florida, quem sabe. Estagiários já devem estar procurando saber onde foram
parar o Tratado de Varsóvia e SEATO para ver se cabe mais alguém nas
adjacências.
O problema é
que a OTAN resiste há tempos à aposentadoria. A OTAN tira do colete novos
mandatos desde a queda da Cortina de Ferro, “raison d’etre” (razão de ser, n.
do trad.) da existência da aliança. Primeiro, “redescobriu” um motivo militar
durante o colapso da Iugoslávia. Logo em seguida, teve envolvimentos em “operações
fora de área”. 11 de setembro foi o motivo perfeito para ações fortes da coalizão
no Afeganistão e a Líbia foi uma oportunidade muito boa de testar a
doutrina da “responsabilidade de
proteger”. Também houve um constante fluxo de membros aspirantes que gostariam
de abrigar-se sob o guarda chuva no caso de chuva.
Há cinco
anos, quando a OTAN celebrou seu 60º aniversário, escrevi uma nota sobre a
antecipação da reforma. O fracasso da campanha no Afeganistão acabou por meter
uma cunha entre os Estados Unidos e seus parceiros europeus. A Europa estava
considerando seriamente reforçar suas próprias capacidades no campo militar e o
projeto mais ambicioso da OTAN - tornar-se uma força global, com a adesão de parceiros
em todo o mundo - estava dia a dia sendo vista como cada vez mais
insustentável.
Quando jovem,
na Guerra Fria, a OTAN não se envolveu em operações militares. Na era pós
Guerra Fria como a defesa coletiva dos membros da aliança acabou por se tornar
irrelevante dada a ausência do maior inimigo, a OTAN justificou sua existência
através de combate. “Ela luta com uma crise de identidade parecida com a de
Hamlet: atacar ou não atacar” – escrevi na época. “A guerra do Afeganistão
apenas colocou em evidência esse paradoxo. Afinal, todo mundo questionará seus
propósitos, se a aliança não se envolver em operações militares. Mas, se for à
guerra de maneira total e for mal sucedida, todo mundo questionará sua
eficiência.”
Atacar ou não atacar, eis a questão... |
Cinco anos
depois, justamente quando os níveis de testosterona pareciam no seu nível mais
baixo, a OTAN está de volta. A crise na Ucrânia é para ela o equivalente ao
Viagra. “Você está na idade onde não é mais possível desistir”, proclama a
propaganda e a OTAN foi nocauteada por esse soco de copywriter.
Mesmo
que não haja acordo quanto a quem colocou as pílulas do azulzinho no armário de
remédios da OTAN, eu acho que se trata de um trabalho de equipe, com os Estados
Unidos e a Rússia desempenhando os papéis de “bom médico” e “mau médico”. Os EEUU
pediram à OTAN para que saísse mais, encontrasse novos amigos, considerasse
adquirir novos relacionamentos, fosse mais expansiva... A Rússia não gostou do
curso desse tratamento e, chateada, favorece uma intervenção cirúrgica radical,
mesmo que em outro paciente, para colocar a OTAN novamente a seus pés. De
repente, a OTAN ressurgiu, e com as preocupações de sua juventude. Velar pelos
machos alfa e proporcionar segurança a todo o rebanho.
A
OTAN receberá uma transfusão de sangue novo como parte dessa tentativa de
regeneração. O ex Primeiro Ministro norueguês, Jens Stoltenberg, novo
Secretário Geral a assumir no próximo outono, talvez seja uma estranha
tentativa. Anteriormente, ele já teve posições bem calmas sobre a OTAN, já
participou de campanhas anti nucleares e até, há muito tempo, atirou pedras
contra a embaixada dos Estados Unidos em Oslo, durante protestos contra a
Guerra do Vietnã. É verdade que hoje ele segue um pouco mais a corrente
principal em suas posições, mas no coração, ainda é um diplomata e não um
guerreiro. Poderá ele reinventar a aliança?
Tente pensar em como poderia ele lidar com a
divisão entra a OTAN e a Rússia, que se aprofunda, sobre a Ucrânia. “O atual
Secretário Geral tem adotado uma resposta “hawkish” (dura, agressiva – nota do trad.) no confronto com a Rússia”, como
explica o “Foreign Policy In Focus” (Política Externa em Foco – veja o site - http://fpif.org/)
através do correspondente Ian Davis. Porém, quando a aliança resolver tentar
melhorar suas relações com Moscou, como certamente terá que fazer, Jens poderá
ser uma voz mediadora imprescindível. Ele tem, como Primeiro Ministro que foi,
fortes ligações internacionais, habilidades bem desenvolvidas como negociador
confiável e laços de amizade com Moscou. Negociou, por exemplo, um acordo com a
Rússia, em 2010, que colocou fim em quatro décadas de disputa entre a Noruega e
a Rússia sobre os limites de suas fronteiras marítimas no Ártico, construindo
dessa forma uma sólida amizade com o então presidente Dmitry Medvedev.
Até
este momento, a OTAN não tem nenhuma obrigação de vir em socorro da Ucrânia, no
caso desta ser atacada, mesmo que algumas vozes, como a do presidente tcheco
Milos Zemam, tentem incitar a aliança a reconsiderar esta posição, caso a
Rússia se mova para o leste da Ucrânia. Por sua vez, Kiev se move de maneira
muito prudente, e não quer dar motivos fáceis à Rússia. Afirma que pediu à OTAN
apenas suprimentos não letais, não armas, e enfatiza sempre que não tem o
status de membro do bloco, em obediência às leis do país. Isso não obsta que os
falcões nos Estados Unidos insistam em abrir caminho para que a Ucrânia se
junte à OTAN; pessoas realistas como Henry Kissinger dizem que isto
simplesmente não está na mesa de negociações. Embora me doa dizer isso,
Kissinger tem razão. O certo e sensato seria a Ucrânia e a OTAN manter contatos
de baixo nível, sem consumar seu relacionamento.
Até
o estouro da crise da Ucrânia, a Europa estava em curva descendente em seus
gastos militares (com um ou duas exceções, como a Polônia) “vivemos hoje em um
mundo diferente daquele no qual vivíamos há um mês” – afirmação do atual chefe
da OTAN, Anders Fogh Rasmussen. “Sou o primeiro a enfatizar que a Europa tem
que fazer mais.” Fazer mais significa GASTAR MAIS. A OTAN quer que seus membros
gastem pelo menos 2% de seu PIB em suas forças armadas. No ano passado a média
da OTAN foi de 1,6%.
Exceções
são abominadas em geopolítica. Os Estados Unidos, em vez de imitar o Japão em
sua “constituição de paz”, pressiona o país asiática para que adquira uma
estrutura militar “normal”. Em vez de apoiar a redução de gastos na Europa, EUA
tem pressionado mais e mais os membros da OTAN para que “assumam seu encargo”.
Deveríamos estar louvando os países europeus por suas reduções em gastos
militares e exortando outras partes do mundo para fazer o mesmo. Na próxima
semana, em 14 de abril, os participantes do quarto Dia de Ação Global sobre
Gastos Militares (gdams) fará exatamente isso. Se você puder colaborar, pode
organizar algum tipo de ação ou pedir a seus líderes que ajam neste sentido,
dizendo ao mundo que estamos negligenciando coisas muito mais urgentes, para
gastar demais com nossas forças armadas.
É importante que o Presidente Putin receba a
mensagem em relação à OTAN. Quanto mais ele avança na Ucrânia, mais alegremente
atenta a transatlântica aliança ficará. Novamente a Ucrânia responde com
admirável moderação, ao lidar com o pequeno grupo de manifestantes pro russos
em seus territórios orientais. Passada a Crise da Ucrânia, sem que haja uma
nova escalada e seja preservada a integridade territorial atual do país, com
eleições livres e justas no final de maio, a OTAN deverá abandonar o Viagra e
novamente agir de acordo com sua idade. Está na hora de escrever memórias,
diminuir de tamanho e deixar de trapacear no leste.
John
Feffer é diretor do “Foreign Policy In Focus”.
Trad:
btpsilveira
Nenhum comentário :
Postar um comentário