sábado, 31 de outubro de 2015

Um filme de terror (pequeno exercício de futurologia mórbida)  
          


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por Roberto Pires Silveira                                     

Depois de séculos dominado por uma espécie de casta hegemônica, como em qualquer país, certa terra tropical, por desígnios de divindades que ninguém conhece, resolveu e conseguiu eleger um governo progressista, personificado em um homem de classe baixa, quase analfabeto, trabalhador braçal para companhias globais, com todo o peso de tragédia que isso carrega, mas de uma inteligência ímpar. Passou toda a sua vida até a meia idade lutando por seus companheiros trabalhadores. Belo dia, teve a ideia de criar um partido, perseguir o sonho impossível de governar seu país, dominado desde sempre pelas elites da terra. Pois o incrível é que conseguiu. Sério, conseguiu mesmo! Votei nele, por várias vezes, até que se elegeu presidente do país.

O povo que votou neste homem esperava uma revolução oficial, uma espécie de redenção, quase um nirvana político, mas é claro que isto é impossível. Impossível, com todas as implicações que a palavra carrega. Aquele homem tinha que governar um país ainda dominado pelas elites, ainda presa fácil de interesses financeiros globais, ainda sobre influência de um imperialismo cruel, de uma política externa dominada por uma potência hegemônica que a nada e a ninguém perdoa, na sua sede insaciável por lucros para a elite e agora falamos de uma elite mundial, global.

Pois mesmo assim, aquele homem governou. Mesmo contra a ganância desenfreada das elites econômicas que tinham que ser satisfeitas, aquele homem governou. Achou uma fórmula para aplacar aquelas elites e fazer com que sobrassem algumas migalhas para os desamparados da sociedade onde vivia. Mesmo apenas aquelas migalhas eram uma coisa que nunca tinha sido oferecida aos desamparados daquele país. Apenas com aquelas migalhas, aquele homem promoveu uma revolução social, educacional estrutural e infraestrutural, se é que esta palavra existe, naquele país. Depois de algum tempo, havia programas de governo impensáveis apenas alguns anos atrás. Crianças anteriormente fadadas à ignorância, pobreza e fome, de repente, tinham a chance de frequentar uma universidade. Frequentaram. Formaram-se médicos, engenheiros, psiquiatras, professores e advogados pobres, negros, excluídos. De repente, casas brotaram em todos os recantos do país, energia elétrica foi levada a grotões que antes nem eram conhecidos, a saúde passou a faz parte do cotidiano das pessoas.

Depois de oito anos de governo daquele homem, o país mudara. O povo, antes acabrunhado e tímido, tinha vergonha de pertencer àquela nação. Mas agora não. Pertenço a este país! Diziam, orgulhosamente. Deixaram de partir para trabalhar como bartenders, camareiras, prostitutas e lavadoras de latrinas das potências dominantes. Estudavam. Compravam casa própria, Carros. Sonhavam, faziam planos.

Quando passou o tempo permitido pela legislação daquele país para o governo do homem de quem falamos, ele elegeu uma sucessora. Pela primeira vez, uma mulher iria governar o país. Ela continuou o governo daquele homem, ponto por ponto. Depois de seu primeiro mandato, pela primeira vez na história, aquele país deixou de fazer parte do mapa da fome! Depois de quinhentos anos de história! As cidades estavam atravancadas de carros pertencentes a pessoas de classes baixas, que pela primeira vez na vida tinham o direito de não precisar andar a pé. Filhos de pobres, negros e excluídos, frequentavam universidades, todos, ou quase todos, estavam empregados. O povo era feliz.

Mas a elite não se conformou e resolveu pelo contra ataque. Não mais permitiriam que seus privilégios, em vigor desde o império, fossem desafiados. Então meus filhos têm que estudar no meio de pobres e pretos? Tenho que viajar de avião junto a gente ignorante e pobre? Era o que diziam eles, entre outras coisas. Então começou uma campanha violenta, mentirosa a extremamente cruel contra a mulher que governava o país. Ações judiciais direcionadas, maliciosas e intencionalmente mentirosas foram promovidas pela parte do judiciário que estava nas mãos ricas daquela elite. A imprensa daquele país, corrompida até o âmago, podre e mentirosa, lançou-se numa campanha abjeta, com manchetes diárias, mentirosas e maliciosas contra o governo daquela mulher. Tudo era motivo de escárnio, mentiras, acusações falsas, aleivosias.

Pouco a pouco o povo foi se convencendo de que estava sofrendo por causa daqueles governos progressistas. O povo é desinformado e maleável, e foi manipulado desavergonhadamente por aquele judiciário corrupto, por aquela imprensa mentirosa e por interesses internacionais poderosos e ricos. O mesmo povo, tão beneficiado por aqueles governos progressistas, passou a odiá-los. A presidenta daquele país foi hostilizada, achacada, acusada falsamente, xingada, vaiada. Os parlamentares daquele país, oportunistas como qualquer parlamentar em qualquer país, corruptos comandados por corruptos, derrubaram o governo daquela mulher, restaurando no poder o governo das elites. O povo aplaudiu.

O novo governo, instalado no poder, resolveu que o povo tinha privilégios demais, e foi cortando rapidamente tudo o que tinha sido conquistado durante aquelas duas décadas (incompletas). O salário mínimo foi rebaixado a níveis que satisfizeram os patrões, ou seja, ao mínimo necessário para que o povo não morresse de inanição. Os carros em podem dos pobres ou foram recuperados pelos bancos e financeiras ou apodreceram nas garagens por falta de dinheiro para o combustível. As casas que os pobres tinham comprado, através de financiamento de bancos estatais foram retomadas e milhões de pessoas foram ou para as ruas ou passaram a pagar aluguel como faziam antes. A saúde foi privatizada. A educação foi privatizada. Isso fez com que a saúde e a educação ficasse fora do alcance daquele povo. Ou se pagava ou se morria. Ou se pagava ou se ficava ignorante, pois a elite precisava de escravos para trabalhar em suas fábricas e fazendas. O país entregou às potências internacionais seus últimos ativos, suas empresas rentáveis, seu petróleo e sua terra, mas alguns enriqueceram no processo. Poucos.

Os empregos foram terceirizados, depois quarteirizados e depois... Ninguém mais conseguia receber seus direitos, porque a justiça trabalhista foi vilipendiada e os direitos dos trabalhadores extirpados a golpes de canetas dos governantes a serviço das elites. Trabalhava-se por uma salário de fome e mesmo assim, quem estava em um serviço terceirizado dava graças às divindades porque o desemprego grassava. O país voltou a pedir dinheiro emprestado para organismos internacionais de finanças, como o FMI, que passou a determinar a política financeira do país. Alguns cortes foram exigidos e cumpridos. Pensões e aposentadorias sofreram reduções. Mais empresas estatais foram privatizadas. O salário mínimo foi mais uma vez reduzido. Mais direitos trabalhistas foram cortados. Os governantes, isolados em seus palácios, passaram a se queixar do povo, assinalado como “vagabundo”, “indolente”, “incompetente”. De repente, doenças já erradicadas voltaram a mostrar a cara feia no país. No nordeste árido daquela terra, crianças voltaram a morrer de fome.

Mas tudo estava bem, porque a imprensa comprada, a prostituta das potências mundiais afirmava que tudo estava bem. O povo, entorpecido, nem se lembrava mais que um dia, por alguns anos, fora feliz. Cabisbaixo, com fome, desempregado, manipulado, escravizado, o povo sofria.



Roberto Pires Silveira.

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