sábado, 31 de outubro de 2015

O Califa nos Portões de Viena         


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por Pepe Escobar          
tradução mberublue          

30 de outubro de 2015
Information Clearing House" - "Asia Times

A história tem o costume engraçado de se repetir como uma farsa surrealista. Estaremos novamente em 1683, com o Império Otomano fazendo o cerco a Viena para ser derrotada pelos “infiéis” no último minuto?

Não; estamos em 2015 mesmo e um simulacro de califa – Ibrahim, também conhecido como Abu Bakr al-Baghdadi –  levou um punhado de potências mundiais, outras personagens nem tão potências assim e um sortimento de minions a convergir para Viena, apenas para discutir como fazer para derrotá-lo.


Vestfalianos, temos um problema. Nada disso faz o menor sentido se o Irã não estiver em posição destacada na mesa de negociações discutindo uma solução para a tragédia da Síria. Moscou sabe disso desde o início. Washington – relutantemente, é verdade – admitiu o óbvio. Mas o problema jamais foi o Irã. O problema está na matriz ideológica dos loucos ensandecidos metastaseados como califas: Arábia Saudita.

De volta – fatalmente – para o surrealismo. O ministro de relações exteriores saudita, Adel al-Jubeir declarou pomposamente que “nossos parceiros... acham que devemos testar as intenções de iranianos e russos quanto a chegar realmente a uma solução política na Síria, o que todos nós preferimos”.

Façamos a tradução: “Nossos parceiros” quer dizer “a voz de meu mestre”, Washington; e os viciados em degolas das “fazendas” de produção de petróleo não querem uma “solução política” coisa nenhuma; querem é mudar o regime da Síria para uma satrapia da Casa de Saud.

Egito, Iraque, Líbano, a União Europeia, França e mesmo Qatar – cujo mini-emir procurou lançar a sua própria campanha militar para a mudança de regime até que alguém lhe disse para parar com essa besteirada – fazem companhia ao Irã em Viena, ao lado dos Estados Unidos, Rússia, Turquia e da Casa de Saud.

Pense em vidas paralelas. Uma coisa é discutir educadamente dentro de um palácio dourado em Viena. Mas o terreno escorregadio dos areais militares do “Siriaque” Sykes-Picot-em-ruínas é outra coisa muito diferente.

Cuidado com a nova Jihad Global

A solução ideal soa tentadora; a Rússia envia seus Zpetsnaz e mais alguns comandos extras; degola os trogloditas do ISIS/ISIL/Daesh de um ponto de vista do C4i; cerca todos os bandidos e os aniquila.
Infelizmente isso não vai acontecer, enquanto o sultão Erdogan na Turquia, os minions do petrodólar do GCC e a CIA persistirem em “apoiar” e/ou armar vários bandos de trogloditas salafi-jihadistas “moderados” ou não.

O “califado” falso será um osso muito duro de roer, porque eles não se importam – e não se importarão – com o montante de suas baixas. A aliança 4+1 – Rússia, Síria, Irã e Iraque mais o Hezbollah – já sabe disso, e já tiveram duras experiências problemáticas em suas fileiras.

O Hezbollah já teve baixas, assim como também as teve as forças Quds iranianas – como em comandantes confiáveis de nível médio. O Irã tem cerca de 1.500 combatentes no campo de batalha – muitos deles afegãos – no lado da aliança 4+1. Nas forças da oposição temos a Casa de Saud gastando um monte de dinheiro em financiamento e compra de mísseis TOW antitanque para o assim chamado “Exército da Conquista”, o qual por sua vez nada mais é que uma coalizão liderada pela al-Qaeda, comprometidos com agendas superpostas que podem ser resumidas assim: primeiro, a mudança do regime, depois um califado ou mesmo a Irmandade Muçulmana dominando.

Não há nenhuma evidência – ainda – que o Estado Islâmico tenha reduzido ou esgotado seu suprimento de mísseis antiaéreos disparados do ombro ou de seus mísseis antitanques teleguiados.
Bem. Enquanto as conversações em Viena acontecem o que resta realmente ao Estado Islâmico?

Eles poderão escolher entre duas estratégias diferentes.
  1. Eles se entrincheiram em Raqqa – a antiga capital do Califado Abássida antes de Bagdá, esperando pela “mãe de todas as batalhas”. Afinal, depois de tudo, eles não podem se dar ao luxo de perder Raqqa, que, estrategicamente é a encruzilhada das encruzilhadas na Síria. Os soldados que pertenceram aos exército do antigo partido Baahtista e um grupo de nacionalistas árabes estão fazendo lobbie por esta opção estratégica.
  1. Esqueça esse negócio de cavar trincheiras. O melhor mesmo é expandir a linha de frente para o deserto afora ao máximo. Isso significará que não haverá grupos parados como alvos fixos disponíveis para a Força Aérea Russa, com o benefício adicional de que as unidades do 4+1 – que são o Exército Árabe da Síria (SAA)/Irã/Hezbollah, que são apoiados pela Força Aérea Russa – terão que estender suas linhas de comunicação/suprimentos, encarando desta forma um problema extra de logística. Radicais turcos, chechenos, uigures e usbeques estão fazendo lobbie por esta estratégia.
Supostamente o comando do Estado Islâmico estaria pendendo para a adoção da estratégia 2 – motivado pelos componentes da “Jihad Incorporações”. Ao menos 2.000 bandidos do falso “Califado” – a maioria deles oriundos da Chechênia, Turquia, Ásia Central e Xinjiang – foram mortos em Kobani, a qual, diferentemente de Raqqa, não tinha valor estratégico. A gang internacional da “Jihad Incorporações” quer agora expandir sua influência em direção à Ásia Central, Xinjiang, Rússia e ainda, se encontrarem uma forma de penetração, Europa e Estados Unidos.

A opção 2 teria também o benefício adicional, pelo menos para objetivos de guerra, de apoio extra dos “jihadistas moderados” (e não “rebeldes”), o que significaria ainda maior interação com as facções Ahrar al-Sham, Liwa al-Tawhid, o pequeno Exército da Conquista, a Frente Islâmica e um monte de grupos de Turcos Salafistas. A propósito, nenhum deles pode ser descrito como “rebeldes moderados”.

Todos estes grupos poderiam significar uma rede perfeita para a estratégia de “expansão da linha de frente” do Estado Islâmico, e é defendida, entre outros, pelo muçulmano al-Shishani, comandante checheno do Jund al-Sham, atualmente lutando nas imediações de Latakia.

Significantemente, Shishani disse para a al-Jazeera turca: “(Tais) frentes como Raqqa e Aleppo não tem qualquer significância no campo de batalha para a guerra contra os russos. A guerra real terá lugar na frente de Tartus/Latakia. A Jihad precisa se mover para esta área”.

Muito bem, imagine então todos esses loucos integrando-se em uma Jihad interna, ligada a uma Jihad global e ainda por cima com a burra cheia. Não é segredo que a inteligência russa está alarmada pelo alto número de chechenos que fazem parte das fileiras do falso “califado”, isso sem fazer menção à inteligência chinesa em relação aos uigures. Para estes pode ser difícil voltar para Xinjiang; mas é fácil para os chechenos voltar para o Cáucaso. É a famosa síndrome do “Aleppo está apenas 900 km longe de Grozny”.

Para acrescentar confusão à bagunça, o diretor da FSB (Agência russa de inteligência interna – NT) Alexander Bortnikov já vem alertando para a concentração de talibans – muitos dos quais já juraram fidelidade ao falso ”califado” – no fronteira norte do Afeganistão com o Uzbequistão e Tadjiquistão. Para Putin e para o aparato da Inteligência russa uma extensão da jihad através da Ásia Central é quase certa.

O resultado disso tudo, portanto, é óbvio. Ao longo do tempo a al-Qaeda e o Estado Islâmico estão usando a ofensiva do 4+1 para forjar uma identidade como suposto líder de uma Jihad Global. Os imãs sauditas, de qualquer forma, já declararam uma Jihad contra a Rússia. No Cairo, o decrépito Al-Azhar está para fazer a mesma coisa.

Conferindo o jogo iraniano

Não há qualquer evidência de que a administração Obama esteja em vias de admitir que todos os seus “rebeldes moderados” são, afinal de contas, Jihadistas. De qualquer forma, o comando do Estado Islâmico está à espera do que vai acontecer – se por acaso Washington resolva aderir à análise de Moscou – todas as unidades mudarão para o modo Jihad Global, liderados pelo falso “Califado”.

As coisas já são suficientemente terríveis como estão. O mix da inteligência no terreno de Síria/Iraque, mais a campanha aérea russa não apenas devem estar seguros de que o Estado Islâmico não terá o equipamento necessário para defender Raqqa; eles precisam também cortar os meios de comunicação e suprimento com os quais os jihadistas estão lutando contra o 4+1 no oeste da Síria.

O Estado Islâmico, mesmo sob ataque da Força Aérea Russa, que forçou um enorme contingente de bandidos a fugir com suas famílias da Síria para o deserto ao oeste do Iraque, conseguiu fazer progressos no sul de Aleppo, com infiltrações bem sucedidas em al-Safira, e manteve em seu poder ao menos 10 postos de controle ao longo da crucial linha de suprimento e abastecimento que vai de Hama, através de Salamiyeh, Ithriyah e Khanaser, perfazendo todo o caminho até Aleppo. O Exército Sírio simplesmente não pode se dar o desplante de perder este importante corredor que se tornou agora a prioridade número um. Centenas de milhares de cidadãos de Aleppo, enquanto isso, tentam sobreviver em sua atual condição, que seja: como reféns de fato.

É crucial conferir o jogo iraniano no terreno. Por enquanto, a melhor fonte para fazer isso é o subcomandante da Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC na sigla em inglês – NT). Brigadeiro General Husayn Salami, o qual falou extensivamente para a Rede de Rádio e TV da República Islâmica do Irã 2.

Salami, que fala pelo IRGC, coloca a Síria no “ponto focal dos esforços estratégicos feitos por uma coalizão internacional” para a implementação “de um esquema político destrutivo no mundo islâmico”. Quando diz “Coalizão Internacional”, ele quer dizer a OTAN e os Sauditas. O papel do Irã seria “garantir a estabilidade psicológica, econômica e militar do sistema vigente na Síria”.

Ele especifica o papel do Irã em quatro níveis. “Em um nível estratégico, nós apoiamos o governo sírio, sua nação e seu exército, política e psicologicamente. Como conselheiros, transferimos para os principais comandantes do exército sírio nossa experiência de guerra. Na realidade, estamos ajudando a modernizar e reconstruir as estruturas do exército sírio... Quando partimos para o nível operacional, estamos ajudando comandantes de brigadas, por exemplo... É por isso que um certo número de nossos comandantes estão aqui e estão ajudando na planejamento e andamento de estratégias operacionais”. Além disso, o Irã também ajuda em um nível tático e técnico (logístico).

Finalmente, temos o que é absolutamente fundamental – bem como um anátema completo para a Casa de Saud: “Nossa segurança nacional está entrecruzada com a segurança de partes importantes do mundo islâmico, como a segurança nacional da Síria. A nossa presença aqui está baseada nessa filosofia” A ThinkTanklândia nos Estados Unidos é incapaz de perceber essa nuance, indicativa de que a presença ou não de Assad no poder para sempre nada tem a ver com o que os diplomatas iranianos tem se esforçado para dizer sobre a situação.

Salami também enfatizou que a presença da Rússia na Síria aconteceu motivada pela necessidade de ou lutar contra a Jihad na Síria ou na própria Rússia (que é exatamente o que querem os chechenos do Estado Islâmico). A propósito, a estratégia de Putin para a Síria foi apoiada totalmente pelo presidente do Parlamento Iraniano, Ali Larijani, que foi um dos convidados para a cúpula do Clube Valdai na última semana.

Ouça meu rugido: eu sou o Califa

O que fará o Império do Caos, ao confrontar a estratégia russa/iraniana na Síria?

Tornar ainda mais confusa uma situação já bastante conturbada, o que mais? Que sentem muito mesmo que Obama tenha ouvido “seus conselheiros titulares sobre a segurança”, que recomendaram o posicionamento de forças especiais dos Estados Unidos perto do Estado Islâmico na Síria.

Tal “aconselhamento” especial, supostamente teria acontecido no sentido de ajudar a coalizão conhecida como Forças Democráticas na Síria – as quais são lideradas pelos curdos  do YPG – a lutar pela tomada de Raqqa. Embora não signifique que as Forças Especiais dos Estados Unidos lutariam ao lado do “4+1”, ainda que o objetivo seja o mesmo. Não podemos esquecer, afinal de contas, que estamos mergulhados até o pescoço em surrealismo geopolítico – onde a coalizão liderada pelos Estados Unidos, a Coalizão dos Desonestos Oportunistas (CDO) ignoram totalmente o que seja ou o que está fazendo o 4+1. Lembre-se ainda que no interior mesmo da coalizão liderada pelos EUA o ódio campeia solto – com Ancara abominando a insistência dos EUA em trabalhar com os curdos sírios.

Já em relação ao Iraque, o Pentágono e a administração Obama mal se qualificam como o palhaço que receberá as tortas na cara. Os sunitas da província de Anbar estão inconformados em relação ao mais poderoso sistema de vigilância por satélite da história, o qual simplesmente deu pau e não registrou os avanços do Estado Islâmico de Tikrit para Ramadi e imediações.

Acrescentando um insulto às (repetidas) injúrias – como já aconteceu quando da instalação do centro de inteligência do 4+1 em Bagdá, do qual os (norte)americanos foram simplesmente excluídos, além da autorização iraquiana para que a Rússia bombardeie em território iraquiano os comboios do falso “califado” que tentassem atravessar as fronteiras a partir do deserto sírio – Bagdá e a União Europeia acabaram de concordar com a instalação de mais um centro de inteligência para trocar dados sobre o Estado Islâmico. Acontece que a administração Obama está absolutamente terrificada ao verificar que a União Europeia parece inclinada a apoiar a campanha russa – e cada vez mais, identifica o CDO como o que ele é: uma piada de mau gosto.

Mas o futuro indica situações ainda mais completamente surreais e perigosas. Pense no seguinte: a administração Obama ajudando as milícias xiitas a tomar a cidade de Mosul das mãos do Estado Islâmico para o Iraque xiita e ao mesmo tempo, apoiando fortemente os curdos na Síria par retomar Raqqa, uma cidade árabe. O inferno se desencadeará entre os sunitas pelo “Siriaque” e os (norte)americanos. Quem lucrará muito com essa hipotética situação será mais uma vez o Estado Islâmico.

Do jeito que a coisa está parada, muito provavelmente o SAA e o Irã/Hezbollah, apoiados pela Força Aérea Russa não farão um ataque frontal em Aleppo; em vez disso, a melhor estratégia será bagunçar com as rotas de abastecimento/suprimento/logística para todos os grupos Jihadistas, o que envolverá a tentativa de cortar o fluxo de dinheiro e armamento contrabandeado através da Turquia.

Bom. Mais uma vez. O que fará o Império do Caos?

Essencialmente, a administração Obama está combatendo – pouco – o Estado Islâmico no Iraque, onde Washington já perdeu uma guerra multitrilionária. Obama e seu time nunca se preocuparam em lutar contra o falso “Califado” na Síria. Afinal, lá o EI era benéfico para com a sua agenda paranoica de “Assad tem que sair”.

De qualquer forma, ao sultão Erdogan ainda se permite que continue a fazer das fronteiras turcas um passe-livre-para-todo-mundo e a partir daí o Estado Islâmico lucra muito. Já à paranoica e odiadora de xiitas Casa de Saud ainda se permite que inunde de todo o tipo de armas qualquer bandido Salafi/Jihadistas. Essa é a essência da política elaborada por Obama na Síria. Enquanto isso, as gargalhadas do Califa podem ser ouvidas por todo o caminho até Viena.

Pepe Escobar - é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.



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