terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A razão não tem dono.
(Finalmente, reconheço que todos tem razão, menos eu).


Por Roberto Pires Silveira


Pouco a pouco neste nosso querido Estado de São Paulo, uma verdade incontestável se veio formando no espírito de todos aqueles que militam no judiciário paulista. Advogados, servidores, juízes, diretores de cartórios, serventes, escriturários, estagiários, desembargadores, substitutos, corregedores, defensores públicos etc., vivem às turras por tudo e nada, mas numa coisa concordam: os oficiais de justiça estão errados.

Deveria ser assim...
De repente e não mais que de repente, ao longo do tempo (porque o tempo é uno e não divisível) se descobriu uma verdade cristalina que a todos atinge e é por todos percebida: os oficiais de justiça estão errados. Se o processo não anda, a culpa só pode ser do oficial de justiça. Se o judiciário é moroso e obsoleto, de quem é a culpa? Eureka! Dos meirinhos!!!!! Se as leis estão defasadas, se a gasolina subiu, se o fórum está mal instalado, se os processos se amontoam, se o alimentando está morrendo de fome, se a mulher está apanhando do marido, se o delinquente não compareceu para a audiência, se o fórum inundou, se não inundou, se o calo está doendo, é tudo culpa dos oficiais de justiça, estes monstros depravados que deveriam ser banidos do poder judiciário para o gáudio e o bem de todos, especialmente de alguns diretores de cartório.

Mas é assim.
Afinal, se o oficial de justiça diligenciou dezenove vezes para encontrar um desgraçado que NÃO QUER SER ENCONTRADO, deveria ter diligenciado vinte! O oficial não encontrou alguém? Pois deveria ter tomado o depoimento de trinta e oito vizinhos, e colocado o RG de todos eles, com certidão em três vias autografada pelo vizinho, com firma reconhecida. Como se ao pedir o RG de um vizinho que nada tem a ver com a intimação ele não me mandasse à puta que me pariu...

Uai! Mas o diretor do cartório ligou para o réu e ele estava em casa! Como o oficial de justiça não encontrou? Meus amigos, permitam a este oficial de justiça intimar por telefone que eu acharei todo o mundo, no mundo todo. Mas é diferente ligar para alguém e ser atendido e tentar entregar a este mesmo alguém uma citação que ELE NÃO QUER RECEBER.

Mas é claro como água e do conhecimento de todos que o oficial de justiça tem que diligenciar durante o dia, depois à noite, depois no final de semana, fazer campana, perguntar na rua, descobrir quem é a amante/namorada/caso do intimando, madrugar, ficar na espreita, ir “n” vezes ao local, tirar foto da casa, espreitar o intimando, gastar gasolina (subiu, moçada, sabiam?). Se não encontrar o indivíduo a ser citado, e se ele mudou para outro setor, NÃO TEM O DIREITO DE RECEBER NADA! SEQUER PODE MARGEAR UM ATO! Mas é justo. Como todos sabem os oficiais de justiça são uns mandriões, uns vagabundos, uns pulhas.

Todos tem razão, menos o oficial de justiça. A parte reclamou? A parte está certa e o oficial errado. O advogado disse/peticionou/insinuou/afirmou na audiência que o réu não foi citado? Pois não foi mesmo! COM CERTEZA o oficial mentiu. O diretor do cartório reclamou contra todo ou qualquer oficial de justiça? O diretor está certo! Esse safado do oficial de justiça, malandramente, deixou de cumprir o mandado porque é um vagabundo! Afinal, todos os oficiais de justiça da comarca de Franca cumprem apenas cinco mandados por mês! Ora essa! Só cinco mandados por mês e ainda devolvem sem cumprir? São uns sacripantas, homessa!


Of. de justiça, na visão dos diretores
Só vejo uma solução no horizonte: mandem todos os oficiais de justiça para casa! Aposentem compulsoriamente esses gaudérios! Coloquem os que ainda não tem tempo de aposentadoria nos cartórios, cumprindo processos, fazendo algo útil. Afinal, para que ter oficiais de justiça se os diretores de cartório conseguem encontrar todo mundo por telefone? O oficial de justiça é uma excrescência desnecessária no judiciário! Rua com esses pândegos! Nem precisa expedir mandados, os diretores de cartório farão tudo por telefone, ora essa! Penhoras, arrestos, sequestros, separações de corpos, arrolamentos, citações, intimações... os despejos, então, é moleza: basta ligar para o ocupante da casa e informar: você está sendo despejado, por favor, fora da casa! Busca e apreensão de menores? Fácil: o cartorário telefona para o pai ou mãe: fulano (a), pegue aí seu filho, esse de dois anos e seis meses de idade, entregue para sicrano de tal na rua tal. Ah! Não esqueça de dar adeus a ele para sempre. Leve também as roupas, os brinquedos e a chupeta do menino(a). Resolvido. As buscas e apreensões... Não. Buscas não. Essas serão feitas por celular. Afinal, é necessário localizar antes o localizador, que, por sinal, sempre tem razão quando reclama dos oficiais de justiça, esses bucéfalos. Pois mandem todos os oficiais de justiça com tempo suficiente para a aposentadoria. Quanto aos demais, cartório neles!

Todos serão felizes. Os prazos serão cumpridos sem falta. Os advogados comparecerão prazerosamente às audiências e nem é necessário dizer que todos lá estarão: testemunhas, réus, peritos, partes. Afinal, os oficiais de justiça não mais estarão em campo para atrapalhar a harmonia do Poder Judiciário... Alvíssaras!

Por que os termos antigos? Ora, sou oficial de justiça, e como todo oficial de justiça, desnecessário, obsoleto, defasado e antigo. Por isso os termos de acordo com a antiguidade... Oficiais de Justiça, uma raça em extinção, com o beneplácito de todos os operadores de direito.

Eu disse que a razão não tem dono? Tem sim. Todos são donos da razão, menos os oficiais de justiça.


Glossário:


Fé pública: coisa ultrapassada para oficiais de justiça, mas atualíssima para diretores de cartório de quinta geração.

Citação: antigamente, ato inicial do processo. Hoje, uma coisa ultrapassada, já que o oficial de justiça sempre mente. Não citou.

Intimação: ato processual nunca atingido pelo oficial de justiça. Uma espécie de nirvana. Só conseguido através de telefone, quando manejado por algum diretor de cartório de 5º nível, no mínimo.

É verdade e dou fé: expressão antigamente usada por meirinhos. Oficiais de justiça atualmente estão proibidos de usá-la, já que a tal “fé” não mais existe.

Citação com hora certa: espécie de ato processual usado nos tempos de antanho. Hodiernamente, os juízes suspeitam que a suspeita do oficial de que o réu se oculta é suspeita.

Central de Mandados: entidade em bom tempo criada para vigiar atentamente os atos sempre falhos dos oficiais de justiça, lembrando-os a todo instante que não passam de poltrões. Guia-se por um mantra: “Mas o provimento...” (ar de grande satisfação).


Roberto Silveira, oficial de justiça e dinossauro.


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