Noam Chomsky:
estamos à beira da total auto destruição?
Existem mais processos de longo prazo apontando na direção, talvez não
da destruição total, mas ao menos da destruição da capacidade de uma vida
decente.
Noam Chomsky
Publicado originalmente em Irã News:
http://www.iranews.com.br/noticia/13137/noam-chomsky-estamos-a-beira-da-total-auto-destruicao
O que o futuro trará? Uma postura razoável seria tentar olhar para a
espécie humana de fora. Então imagine que você é um extraterrestre observador
que está tentando desvendar o que acontece aqui ou, imagine que és um
historiador daqui a 100 anos - assumindo que existam historiadores em 100 anos,
o que não é óbvio - e você está olhando para o que acontece. Você veria algo
impressionante.
Pela primeira vez na história da espécie humana, desenvolvemos
claramente a capacidade de nos destruirmos. Isso é verdade desde 1945. Agora
está finalmente sendo reconhecido que existem mais processos de longo-prazo
como a destruição ambiental liderando na mesma direção, talvez não à destruição
total, mas ao menos à destruição da capacidade de uma existência decente.
E existem outros perigos como pandemias, as quais estão relacionadas à
globalização e interação. Então, existem processos em curso e instituições em
vigor, como sistemas de armas nucleares, os quais podem levar à explosão ou
talvez, extermínio, da existência organizada.
Como destruir o planeta sem tentar muito
A pergunta é: O que as pessoas estão fazendo a respeito? Nada disso é
segredo. Está tudo perfeitamente aberto. De fato, você tem que fazer um esforço
para não enxergar.
Houveram uma gama de reações. Têm aqueles que estão tentando ao máximo
fazer algo em relação à essas ameaças, e outros que estão agindo para
aumentá-las. Se olhar para quem são, esse historiador futurista ou
extraterrestre observador veriam algo estranho. As sociedades menos desenvolvidas,
incluindo povos indígenas, ou seus remanescentes, sociedades tribais e as
primeiras nações do Canadá, que estão tentando mitigar ou superar essas
ameaças. Não estão falando sobre guerra nuclear, mas sim desastre ambiental, e
estão realmente tentando fazer algo a respeito.
De fato, ao redor do mundo - Austrália, Índia, América do Sul - existem
batalhas acontecendo, às vezes guerras. Na Índia, é uma guerra enorme sobre a
destruição ambiental direta, com sociedades tribais tentando resistir às
operações de extração de recursos que são extremamente prejudiciais localmente,
mas também em suas consequências gerais. Em sociedades onde as populações
indígenas têm influência, muitos tomam uma posição forte. O mais forte dos
países em relação ao aquecimento global é a Bolívia, cuja maioria é indígena e
requisitos constitucionais protegem os “direitos da natureza”.
O Equador, o qual também tem uma população indígena ampla, é o único
exportador de petróleo que conheço onde o governo está procurando auxílio para
ajudar a manter o petróleo no solo, ao invés de produzi-lo e exportá-lo - e no
solo é onde deveria estar.
O presidente Venezuelano Hugo Chávez, que morreu recentemente e foi
objeto de gozação, insulto e ódio ao redor do mundo ocidental, atendeu a uma
sessão da Assembléia Geral da ONU a poucos anos atrás onde ele suscitou todo
tipo de ridículo ao chamar George W. Bush de demônio. Ele também concedeu um
discurso que foi interessante. Claro, Venezuela é uma grande produtora de
petróleo. O petróleo é praticamente todo seu PIB. Naquele discurso, ele alertou
dos perigos do sobreuso dos combustíveis fóssil e sugeriu aos países produtores
e consumidores que se juntassem para tentar manejar formas de diminuir o uso
desses combustíveis. Isso foi bem impressionante da parte de um produtor de
petróleo. Você sabe, ele era parte índio, com passado indígena. Esse aspecto de
suas ações na ONU nunca foi reportado, diferentemente das coisas engraçadas que
fez.
Então, em um extremo têm-se os indígenas, sociedades tribais tentando amenizar
a corrida ao desastre. No outro extremo, as sociedades mais ricas, poderosas na
história da humanidade, como os EUA e o Canadá, que estão correndo em
velocidade máxima para destruir o meio ambiente o mais rápido possível.
Diferentemente do Equador e das sociedades indígenas ao redor do mundo, eles
querem extrair cada gota de hidrocarbonetos do solo com toda velocidade
possível.
Ambos partidos políticos, o presidente Obama, a mídia, e a imprensa
internacional parecem estar olhando adiante com grande entusiasmo para o que
eles chamam de “um século de independência energética” para os EUA.
Independência energética é quase um conceito sem significado, mas botamos isso
de lado. O que eles querem dizer é: teremos um século no qual maximizaremos o
uso de combustíveis fóssil e contribuiremos para a destruição do planeta.
E esse é basicamente o caso em todo lugar. Admitidamente, quando se
trata de desenvolvimento de energia alternativa, a Europa está fazendo alguma
coisa. Enquanto isso, os EUA, o mais rico e poderoso país de toda a história do
mundo, é a única nação dentre talvez 100 relevantes que não possui uma política
nacional para a restrição do uso de combustíveis fóssil, e que nem ao menos
mira na energia renovável. Não é por que a população não quer. Os americanos
estão bem próximos da norma internacional com sua preocupação com o aquecimento
global. Suas estruturas institucionais que bloqueiam a mudança. Os interesses
comerciais não aceitam e são poderosos em determinar políticas, então temos um
grande vão entre opinião e política em muitas questões, incluindo esta. Então,
é isso que o historiador do futuro veria. Ele também pode ler os jornais
científicos de hoje. Cada um que você abre tem uma predição mais horrível que a
outra.
“O momento mais perigoso na história”
A outra questão é a guerra nuclear. É sabido por um bom tempo, que se
tivesse que haver uma primeira tacada por uma super potência, mesmo sem
retaliação, provavelmente destruiria a civilização somente por causa das
consequências de um inverno-nuclear que se seguiria. Você pode ler sobre isso
no Boletim de Cientistas Atômicos. É bem compreendido. Então o perigo sempre
foi muito pior do que achávamos que fosse.
Acabamos de passar pelo 50o aniversário da Crise dos Mísseis Cubanos, a
qual foi chamada de “o momento mais perigoso na história” pelo historiador
Arthur Schlesinger, o conselheiro do presidente John F. Kennedy. E foi. Foi uma
chamada bem próxima do fim, e não foi a única vez tampouco. De algumas formas,
no entanto, o pior aspecto desses eventos é que a lições não foram aprendidas.
O que aconteceu na crise dos mísseis em outubro de 1962 foi petrificado
para parecer que atos de coragem e reflexão eram abundantes. A verdade é que
todo o episódio foi quase insano. Houve um ponto, enquanto a crise chegava em
seu pico, que o Premier Soviético Nikita Khrushchev escreveu para Kennedy
oferecendo resolver a questão com um anuncio publico de retirada dos mísseis
russos de Cuba e dos mísseis americanos da Turquia. Na realidade, Kennedy nem
sabia que os EUA possuíam mísseis na Turquia na época. Estavam sendo retirados
de todo modo, porque estavam sendo substituídos por submarinos nucleares mais
letais, e que eram invulneráveis.
Então essa era a proposta. Kennedy e seus conselheiros consideraram-na -
e a rejeitaram. Na época, o próprio Kennedy estimava a possibilidade de uma
guerra nuclear em um terço da metade. Então Kennedy estava disposto a aceitar
um risco muito alto de destruição em massa afim de estabelecer o princípio de
que nós - e somente nós - temos o direito de deter mísseis ofensivos além de
nossas fronteiras, na realidade em qualquer lugar que quisermos, sem importar o
risco aos outros - e a nós mesmos, se tudo sair do controle. Temos esse
direito, mas ninguém mais o detém.
No entanto, Kennedy aceitou um acordo secreto para a retirada dos
mísseis que os EUA já estavam retirando, somente se nunca fosse à publico.
Khrushchev, em outras palavras, teve que retirar abertamente os mísseis russos
enquanto os EUA secretamente retiraram seus obsoletos; isto é, Khrushchev teve
que ser humilhado e Kennedy manteve sua pose de macho. Ele é altamente elogiado
por isso: coragem e popularidade sob ameaça, e por aí vai. O horror de suas
decisões não é nem mencionado - tente achar nos arquivos.
E para somar um pouco mais, poucos meses antes da crise estourar os EUA
haviam mandado mísseis com ogivas nucleares para Okinawa. Eram mirados na China
durante um período de grande tensão regional.
Bom, quem liga? Temos o direito de fazer o que quisermos em qualquer
lugar do mundo. Essa foi uma lição daquela época, mas haviam outras por vir.
Dez anos depois disso, em 1973, o secretário de estado Henry Kissinger
chamou um alerta vermelho nuclear. Era seu modo de avisar à Rússia para não
interferir na constante guerra Israel-Árabes e, em particular, não interferir
depois de terem informado aos israelenses que poderiam violar o cessar fogo que
os EUA e a Rússia haviam concordado. Felizmente, nada aconteceu.
Dez anos depois, o presidente em vigor era Ronald Reagan. Assim que
entrou na Casa Branca, ele e seus conselheiros fizeram com que a Força Aérea
começasse a entrar no espaço aéreo Russo para tentar levantar informações sobre
os sistemas de alerta russos, Operação Able Archer. Essencialmente, eram
ataques falsos. Os Russos estavam incertos, alguns oficiais de alta patente
acreditavam que seria o primeiro passo para um ataque real. Felizmente, eles
não reagiram, mesmo sendo uma chamada estreita. E continua assim.
O que pensar das crises nucleares Iraniana e Norte-Coreana
No momento, a questão nuclear está regularmente nas capas nos casos do
Irã e da Coréia do Norte. Existem jeitos de lidar com esse crise contínua.
Talvez não funcionasse, mas ao menos tentaria. No entanto, não estão nem sendo
consideradas, nem reportadas.
Tome o caso do Irã, que é considerado no ocidente - não no mundo árabe,
não na Ásia - a maior ameaça à paz mundial. É uma obsessão ocidental, e é
interessante investigar as razões disso, mas deixarei isso de lado. Há um jeito
de lidar com a suposta maior ameaça à paz mundial? Na realidade existem várias.
Uma forma, bastante sensível, foi proposta alguns meses atrás em uma reunião
dos países não alinhados em Teerã. De fato, estavam apenas reiterando uma
proposta que esteve circulando por décadas, pressionada particularmente pelo Egito,
e que foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU.
A proposta é mover em direção ao estabelecimento de uma zona sem armas
nucleares na região. Essa não seria a resposta para tudo, mas seria um grande
passo à frente. E haviam modos de proceder. Sob o patrocínio da ONU, houve uma
conferência internacional na Finlândia dezembro passado para tentar implementar
planos nesta trajetória. O que aconteceu? Você não lerá sobre isso nos jornais
pois não foi divulgado - somente em jornais especialistas.
No início de novembro, o Irã concordou em comparecer à reunião. Alguns
dias depois Obama cancelou a reunião, dizendo que a hora não estava correta. O
Parlamento Europeu divulgou uma declaração pedindo que continuasse, assim como
os estados árabes. Nada resultou. Então moveremos em direção a sanções mais
rígidas contra a população Iraniana - não prejudica o regime - e talvez guerra.
Quem sabe o que irá acontecer?
No nordeste da Ásia, é a mesma coisa. A Coréia do Norte pode ser o país
mais louco do mundo. É certamente um bom competidor para o título. Mas faz
sentido tentar adivinhar o que se passa pela cabeça alheia quando estão agindo
feito loucos. Por que se comportariam assim? Nos imagine na situação deles.
Imagine o que significou na Guerra da Coréia anos dos 1950’s o seu país ser
totalmente nivelado, tudo destruído por uma enorme super potência, a qual
estava regozijando sobre o que estava fazendo. Imagine a marca que deixaria
para trás.
Tenha em mente que a liderança Norte Coreana possivelmente leu os
jornais públicos militares desta super potência na época explicando que, uma
vez que todo o resto da Coréia do Norte foi destruído, a força aérea foi
enviada para a Coréia do Norte para destruir suas represas, enormes represas
que controlavam o fornecimento de água - um crime de guerra, pelo qual pessoas
foram enforcadas em Nuremberg. E esses jornais oficiais falavam excitadamente
sobre como foi maravilhoso ver a água se esvaindo, e os asiáticos correndo e
tentando sobreviver. Os jornais exaltavam com algo que para os asiáticos fora
horrores para além da imaginação. Significou a destruição de sua colheita de
arroz, o que resultou em fome e morte. Quão maravilhoso! Não está na nossa
memória, mas está na deles.
Voltemos ao presente. Há uma história recente interessante. Em 1993,
Israel e Coréia do Norte se moviam em direção a um acordo no qual a Coréia do
Norte pararia de enviar quaisquer mísseis ou tecnologia militar para o Oriente
Médio e Israel reconheceria seu país. O presidente Clinton interveio e
bloqueou. Pouco depois disso, em retaliação, a Coréia do Norte promoveu um
teste de mísseis pequeno. Os EUA e a Coréia do Norte chegaram então a um acordo
em 1994 que interrompeu seu trabalho nuclear e foi mais ou menos honrado pelos
dois lados. Quando George W. Bush tomou posse, a Coréia do Norte tinha talvez
uma arma nuclear e verificadamente não produzia mais.
Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo, ameaçando a Coréia
do Norte - “machado do mal” e tudo isso - então a Coréia do Norte voltou a
trabalhar com seu programa nuclear. Na época que Bush deixou a Casa Branca,
tinham de 8 a 10 armas nucleares e um sistema de mísseis, outra grande
conquista neoconservadora. No meio, outras coisas aconteceram. Em 2005, os EUA
e a Coréia do Norte realmente chegaram a um acordo no qual a Coréia do Norte
teria que terminar com todo seu desenvolvimento nuclear e de mísseis. Em troca,
o ocidente, mas principalmente os EUA, forneceria um reator de água natural
para suas necessidades medicinais e pararia com declarações agressivas. Eles
então formariam um pacto de não agressão e caminhariam em direção ao conforto.
Era muito promissor, mas quase imediatamente Bush menosprezou. Retirou a
oferta do reator de água natural e iniciou programas para compelir bancos a
pararem de manejar qualquer transação Norte Coreana, até mesmo as legais. Os
Norte Coreanos reagiram revivendo seu programa de armas nuclear. E esse é o
modo que se segue.
É bem sabido. Pode-se ler na cultura americana principal. O que dizem é:
é um regime bem louco, mas também segue uma política do olho por olho, dente
por dente. Você faz um gesto hostil e responderemos com um gesto louco nosso.
Você faz um gesto confortável e responderemos da mesma forma.
Ultimamente, por exemplo, existem exercícios militares Sul
Coreanos-Americanos na península Coreana a qual, do ponto de vista do Norte,
tem que parecer ameaçador. Pensaríamos que estão nos ameaçando se estivessem
indo ao Canadá e mirando em nós. No curso disso, os mais avançados bombardeiros
na história, Stealth B-2 e B-52, estão travando ataques de bombardeio nuclear
simulados nas fronteiras da Coréia do Norte.
Isso, com certeza, reacende a chama do passado. Eles lembram daquele
passado, então estão reagindo de uma forma agressiva e extrema. Bom, o que
chega no ocidente derivado disso tudo é o quão loucos e horríveis os líderes
Norte Coreanos são. Sim, eles são. Mas essa não é toda a história, e esse é o
jeito que o mundo está indo.
Não é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo
levadas em conta. Isso é perigoso. Então, se me perguntar como o mundo estará
no futuro, saiba que não é uma boa imagem. A menos que as pessoas façam algo a
respeito. Sempre podemos.
Tradução: Isabela Palhares
Postado por Roberto Pires Silveira em 26 de janeiro/15
Nenhum comentário :
Postar um comentário