A democracia ocidental
morreu?
por Paul Craig Roberts
tradução: mberublue
Descobriremos a
resposta para a pergunta colocada no título quando soubermos o resultado da
contenda entre o novo governo grego, formado pelo partido político Syriza e o
Banco Central Europeu que se alinha aos interesses da União Europeia e dos Estados
Unidos contra a Grécia.
Os espartanos,
cujas capas vermelhas e proezas na guerra enchiam de medo os invasores da terra
grega e de seus oponentes de outras cidades-estados, não existem mais. Mesmo a
própria Atenas não passa de uma ruína histórica. Os gregos que, quando
confrontados, foram capazes, apesar de contar com apenas 300 espartanos aos
quais se somaram alguns milhares de coríntios, tebanos e outros guerreiros,
deter um exército persa de cem mil homens nas Termópilas, e que no final
derrotaram a frota persa na Batalha de Salamina e o exército persa na Batalha
de Plateia só existem nos livros de História.
Os gregos
históricos se tornaram um povo legendário. Nem mesmo os romanos conseguiram
conquistar a Pérsia, mas um punhado de gregos conseguiu deter a tentativa persa
de conquistar a Grécia.
Mas, apesar de sua
história gloriosa, os gregos não conseguiram deter um punhado de bancos da
Alemanha e da Holanda que invadiram a Grécia. Caso ainda existisse aquela
Grécia gloriosa e destemida da historia, os bancos privados da União Europeia
estariam tremendo de medo, pois o povo grego está sendo explorado
impiedosamente por estes bancos e pela União Europeia, que representam
atualmente para a Grécia uma ameaça muito maior do que a Pérsia jamais representou.
A Grécia,
espoliada de sua independência pela adesão à União Europeia e pela aceitação do
Euro como moeda única, perdeu sua soberania. Não pode financiar a si mesma,
pois perdeu o controle sobre o próprio dinheiro. A Grécia tem que contar com
bancos privados de outros países. No século 21 os bancos privados europeus não
podem contemplar a possibilidade de perder dinheiro simplesmente porque são
incompetentes e concederam empréstimos sobre empréstimos aos países membros da
União Europeia. Por incrível que pareça, a falha evidente desse procedimento
não é creditada aos bancos e sim aos governos mutuários e sua população.
Há relatos
esclarecendo que os banqueiros norte americanos da empresa Goldman Sachs,
também chamada ocasionalmente de “Gold Sacks” (“ouro em sacas” – NT) escondeu o
real volume do débito grego, para que os bancos estendessem ainda mais os
empréstimos para a Grécia, colocando dessa maneira o país e o povo grego
prontos para serem saqueados.
Os banqueiros
trapaceiros podem sempre argumentar, mais uma vez desonestamente, que o povo
grego se aproveitou dos recursos obtidos através dos empréstimos e, portanto,
agora têm que pagar esses em préstimos através do corte das pensões de seus
idosos, do desemprego, da redução dos salários e através da venda dos bens
nacionais gregos.
Esta é a
verdadeira face da austeridade imposta ao povo grego pela União Européia e dos
credores da Grécia.
A Grécia se
encontra em estado de prostração. Os gregos atualmente estão na realidade cometendo
suicídio, por que não podem prover a si mesmos, nas atuais condições de baixa
em que vivem e que foram criadas para eles pela União Europeia e pelos bancos
privados, sem nenhuma outra razão a não ser a negativa dos bancos, que não
devem amortizar (write down – condição econômica
em que acontece a depreciação monetária de determinado ativo, porque ele se
encontraria supervalorizado em relação ao seu real valor de mercado – NT) os
empréstimos.
Então, um dos
resultados da “democracia” grega é o suicídio. Com suficiente democracia,
poderemos controlar a população mundial e deter a destruição do capital
natural. Tudo o que temos que fazer é permitir que os banqueiros saqueiem à vontade
o mundo inteiro.
O que o Syriza
pode fazer?
Na realidade muito
pouco, sem os espartanos.
As intenções do
partido e de seus líderes são honestas e merecem o nosso respeito. O Syriza é
um partido popular e é exatamente isso o que o marca para a destruição. Jamais se
permitirá que a voz do povo afete as políticas do mundo ocidental. As pessoas
que eles governam não poderiam ser menos importantes para os poderosos grupos
de interesses dos ricos que dominam o mundo ocidental.
Mal o Syriza havia
se instalado no gabinete quando a Bloomberg, uma agência de notícias de
negócios comunicou ao novo Primeiro Ministro grego, Alexis Tsipras, que o
Syriza tinha que dançar conforme a música dos credores
Tsipras declarou
que o novo governo grego não pretende impor um “choque catastrófico” aos seus
credores, mas apenas conseguir melhorar as condições irracionais impostas à
Grécia, na intenção de poder dar satisfações aos bancos privados que são seus
credores e ao mesmo tempo evitar a instabilidade social, política e econômica
da Grécia.
Em oposição a
estas declarações bem razoáveis, a Bloomberg relatou que o novo gabinete grego
teria comunistas que são favoráveis a uma maior aproximação com a Rússia. Na
clara intenção de lembrar ao novo gabinete dos dominados gregos quem é o dono
do chicote que desce sobre suas costas e sobre o mercado financeiro grego, as
ações e títulos gregos sofreram um ataque do qual resultou uma baixa violenta.
A punição do novo
governo grego foi imediata. Segundo a Bloomberg: “as ações e títulos gregos
tiveram queda por três dias consecutivos, depois que os novos ministros
afirmarem que devem cessar com a venda de alguns bens do Estado Grego e
aumentar o salário mínimo. Os rendimentos de títulos com vencimento em três
anos subiu de 2,99 para 16,69 por cento. O referencial Índice Geral de Atenas
decresceu 9,2 por cento, atingindo o menor nível desde o ano de 2012, levado
para baixo por um colapso no valor dos bancos”.
Alexis Tsipras |
Entenderá Tsipras
que as instituições financeiras gregas continuarão a ser punidas enquanto estiverem
por trás de seu governo? A Bloomberg colocou tudo em pratos limpos: “a Alemanha
advertiu a nação mediterrânea contra o abandono de acordos de ajuda previamente
assinados, depois de analistas afirmarem que a Grécia parecia estar em rota de
colisão com seus pares europeus, o que fatalmente levaria a um futuro abandono
da zona do euro”.
As declarações dos
ministros recém nomeados “sugerem que em futuro breve deverão acontecer
confrontação e negociações tensas”, escreveu em nota a seus clientes Vangelis
Karanikas, presidente da Títulos Euroxx, baseada em Atenas.
O que é a “rota de
colisão” (aqui, parece ter havido um erro
de digitação no original, pois anteriormente o autor grafara “collision course”
[rota de colisão] e neste parágrafo “collusion course” [curso de colusão, conluio] adotamos a primeira versão por fazer mais sentido com o texto - NT) do Syriza? O
novo governo quer apenas tornar menos onerosos os acordos feitos pelos governos
anteriores que venderam o povo grego. O novo governo quer apenas parar de doar
os bens gregos a preço vil para os clientes de seus credores e aumentar o
salário mínimo para que o povo grego possa ter pão e água o bastante para sobreviver.
No entanto, para
os bancos privados que são credores da Grécia, para a Alemanha de Merkel que
está por trás dos bancos, para Washington que pouco se importa com o que quer que venha a acontecer com os
gregos, para as elites gregas que se veem como “parte da Europa”, o Syriza é
apenas um obstáculo a ser removido.
Assim, os títulos
e ações gregos são atacados, ameaças que podem influenciar e causar medo em
parte da população grega saturada de propaganda no sentido de que ou a Grécia
faz parte da União Europeia ou será ignorada pela história são lançadas
diuturnamente.
Uma conclusão a
ser tirada disso tudo é que o povo grego parece muito com o povo americano em
sua despreocupação. O partido Syriza obteve apenas 37% dos votos. São mais
votos que os obtidos por qualquer outro partido grego, mas não o suficiente
para demonstrar para a União Europeia e para os Estados Unidos que o povo grego
está ombro a ombro com seu governo.
Em vez disso,
mostra que o novo partido teve que formar um governo em coligando-se com outro
partido, o qual poderia cair fora do governo a qualquer tempo em troca, talvez,
de um pouco de dinheiro. Mostra também que o partido Syriza pode ser demonizado
no ocidente e apresentado ao povo grego como uma ameaça para a Grécia.
O novo partido
está ciente de sua fraqueza. O novo Primeiro Ministro afirma não querer
confronto, mas que também não pode continuar com a leniência exibida por governos
anteriores. É necessário que se alcance uma acomodação razoável de parte a
parte.
Acontece que é
pouco provável que haja uma acomodação razoável, pelo simples motivo de que tal
acomodação não faz parte dos desejos de Washington, da União Europeia e dos
credores da Grécia.
Qual o propósito
da criação da “crise financeira da Grécia”? É deixar estabelecido para todos os
países membros que não mais existe soberania entre eles e que os bancos que
emprestam dinheiro para os tais estados não soberanos não são responsáveis por
quaisquer perdas relativamente a esses empréstimos. A responsabilidade é da
população dos países endividados. Para garantir que os bancos não tenham
perdas, a população é obrigada a aceitar a diminuição de seus padrões e abdicar
de sua qualidade de vida.
Assim é a “Nova
Democracia”. Nada mais que o ressurgimento da ordem feudal. Alguns aristocratas
absurdamente ricos e todo o resto da população como servos obrigados a
sustentar a nova ordem vigente. A pilhagem que teve início na Grécia continua
agora na Ucrânia. Quem será a próxima vítima?
Terá o partido
Syriza condições para levantar o povo grego contra seus saqueadores, levando-se
em consideração de que obteve apenas 37% dos votos?
Conseguirá a
Grécia obter forças para escapar de uma situação semelhante à Idade das Trevas
na Europa, quando as populações foram longa e barbaramente espoliadas por
piratas saqueadores? Talvez, se a Grécia se realinhar com a Rússia e ao grupo
de países BRICS em busca de amparo financeiro.
Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril
de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators
Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração
Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor
e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps
Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões
em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem
frequentemente publicado em Counterpunch e no Information
Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações
Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele
diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da
Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido
processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos,
opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as
políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do
Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de
Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na
Faculdade de Merton, Oxford University.
Tradução: mberublue
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