terça-feira, 29 de setembro de 2015

Xeque-mate


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Tradução do Coletivo de Tradutores da Vila Vudu ************************


A mensagem do presidente russo Vladimir Putin à Assembleia Geral da ONU foi clara; ou estados soberanos unem-se numa coalizão ampla contra todas as formas de terror, e respeita-se a soberania dos estados como determina a Carta da ONU – ou será o caos.


Essa Assembleia Geral da ONU revelou que a perpétua novilíngua do governo Obama já virou faca sem fio. Assistir lado a lado os discursos de Putin e de Obama é experiência quase fisicamente dolorosa. Putin falou e agiu como estadista global sério que se dá ao respeito. Obama, como amador com medo de ser reprovado em teste para o cinema.


Os pontos-chaves para discussão do discurso de Putin foram todos perfeitamente acessíveis ao público do Sul Global – sua audiência principal, muito mais que o público do ocidente industrializado.


1) Exportar revoluções 'coloridas' – ou monocromáticas –, nunca mais.


2) A alternativa ao primado do Estado é o caos. Implica que o sistema Assad na Síria pode até ser imensamente problemático, mas é o único jogo que há na cidade. A alternativa é o barbarismo dosISIS/ISIL/Daesh. Não há "oposição moderada" – nem tampouco há ou algum dia houve alguma "Líbia-libertada-pela-OTAN".


3) Só a ONU – com falhas e máculas que tenha – é instituição garantidora de alguma paz e segurança em nosso ambiente realpolitik geopolítico imperfeito.


É hora de pôr abaixo aqueles mitos 


Washington acreditou no próprio mito de uma Primavera Árabe em 2011, e apostou que, depois de Túnis e Cairo, Damasco cairia num piparote.


O pessoal da Av. Beltway acreditou no próprio mito de "rebeldes moderados" que tomariam o poder.


O Departamento de Estado não deu nenhuma atenção às minorias sírias que alertavam contra o perigo de jihadistas sunitas/salafistas tomarem o poder.


Assim se construiu a atual tragédia síria; resultado final de um formidável complexo jogo de poder político, religioso, sírio, regional e global.

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ISIS/ISIL/Daesh – pelo próprio barbarismo – pode até vencer algumas batalhas, mas não controlará todo o "Siriaque".


Para derrotar esse câncer, só há uma possibilidade: campanha militar real conduzida por coalizão real que incluirá Rússia, EUA, Irã, Turquia, Arábia Saudita.


Mas Washington nunca entrou em coalizão que não possa controlar como queira.


Assim sendo, um possível mapa do caminho do que vem por aí – como Obama e Putin, discutiram cara a cara, durante 1h30 em New York: coalizão de duas cabeças: uma russa, a outra norte-americana, mas que "coordenarão" a ação em campo.


Isso não implica contudo que Moscou deixará de procurar construir uma modalidade de coalizão ampla que possa ser legalmente aprovada pela ONU.


A tarefa é imensa: o "Siriaque" terá de ser reconstituído.


Implica um Iraque aceitável por todos os iraquianos – o que é impossível de conseguir sem o Irã. E uma Síria aceitável por todos os sírios – o que é impossível, sem Irã e Rússia.


Para começar a conversa, Washington nunca conseguiu sequer se aproximar de qualquer desses dois objetivos. O Império do Caos é especializado em destruir, não em construir nações.


Temos de degolar o dragão da maldade 
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Gorbachev queria integrar a URSS na família europeia – visando a uma Europa que fosse do Atlântico ao Pacífico.


Mas a Rússia pós-soviéticos não foi sequer convidada a pisar na casa grande. O que aconteceu foi que a OTAN dedicou-se a colonizar o espaço soviético.


Gorbachev sonhou com que o ocidente partilhasse dividendos com a Rússia. O que a Rússia obteve foi um choque neoliberal – e uma sociedade humilhada tratada como derrotada na Guerra Fria. O excepcionalismo prevaleceu.


Com Putin, a Rússia outra vez tentou uma parceria estratégica com a União Europeia. Alguém se lembra de Sergey Lavrov, ainda em 2011, jurando que a modernização da Rússia estava pronta a prosseguir como projeto paneuropeu, como no tempo de Pedro O Grande?


Mas em 2007 Putin já mudara o jogo e estava pronto a contestar publicamente a "ordem" unipolar – e lenta, mas firmemente, encaminhar a Rússia de volta para a ribalta geopolítica.


Pós-Ucrânia, ainda sob sanções, mas armada com uma parceria estratégica com a China, o momento para um xeque-mate é agora.
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Putin e os Bush


Em New York, Putin até propôs as linhas gerais de uma Nova Ordem Mundial. Artigo genuíno, não aquela "coisa" alinhavada por Papai-Bush depois do colapso da URSS.


Seria ordem mundial equitativa, justa – onde a soberania do estado é respeitada, sanções não têm sentido, a OTAN não incha ad infinitum e não há lugar para nenhum excepcionalismo.


O diabo estará nos (muitos) detalhes, claro. Por exemplo, se uma coalizão para lutar contraISIS/ISIL/Daesh for forjada e abençoada pela ONU, terá de haver coabitação – virtualmente impossível – de sunitas e xiitas.


E no futuro próximo, Bruxelas terá de controlar o antagonismo interno, visceral, contra a União Europeia interagir com a União Econômica Eurasiana liderada pela Rússia – a qual, até lá, já estará totalmente integrada com a(s) Nova(s) Rota(s) da Seda lideradas pela China.


O que está acima de qualquer dúvida – para a vasta maioria do Sul Global – é que o Império do Caos promoveu a desgraça em todos os quadrantes, do Norte da África e Sudeste Asiático, até as fronteiras ocidentais da Rússia.


Putin cavalga agora no olho do furacão dessa confusão toda, para degolar esse dragão da maldade – e as maquinações do Império do Caos. Sua espada? A ONU. Não surpreende que tenha paralisado neoconservadores, neoliberais conservadores e imperialistas "humanitários", colhidos nesse xeque-mate. Os caras mal conseguem disfarçar a apoplexia.


Pepe Escobar - (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.


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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Presidente Vladimir Putin
Discurso à 70ª Assembleia Geral da ONU 
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(trad. não oficial do texto original)

Tradução do Coletivo de Tradutores da Vila Vudu.



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(...), Senhoras e senhores. 


O 70º aniversário da ONU é boa ocasião para considerar a história e falar de nosso futuro comum.


Em 1945, os países que derrotaram o nazismo reuniram esforços para lançar fundações sólidas para a ordem mundial do pós-guerra. Permitam-me lembrar-lhes que as decisões chaves sobre os princípios que guiaram a cooperação entre estados e o estabelecimento da ONU foram tomadas em nosso país – em Yalta, na Crimeia – onde se reuniram os líderes da coalizão anti-Hitler.


O sistema de Yalta nasceu de fato em ação. Nasceu ao custo de dez milhões de vidas e de duas guerras mundiais que varreram o planeta no século 20. Sejamos justos – o sistema de Yalta ajudou a humanidade a atravessar eventos turbulentos, muitas vezes dramáticos, das últimas sete décadas. E salvou o mundo de levantes em grande escala. 


A ONU é única em sua legitimidade, representação e universalidade. É verdade que, em tempos recentes, a ONU tem sido amplamente criticada por supostamente não ser suficientemente eficiente e pelo fato de que a tomada de decisão em questões fundamentais resulta paralisada por diferenças insuperáveis – em primeiro lugar entre os membros do Conselho de Segurança.


Mas gostaria de lembrar que sempre houve diferenças na ONU ao longo desses 70 anos. O direito de vetar sempre foi exercido pelos EUA, pelo Reino Unido, pela França, pela China, pela União Soviética e pela Rússia em pés de igualdade.


É absolutamente normal que seja assim, numa organização representativa e tão diversa. Quando a ONU foi constituída, os fundadores de modo algum supuseram que sempre haveria unanimidade. De fato, a missão da ONU é buscar e alcançar consensos, sempre, claro, com concessões. A força da ONU advém de levar em consideração diferentes visadas e opiniões.


Decisões debatidas na ONU podem ser convertidas em Resolução, ou não. Como dizem os diplomatas, elas "passam ou não passam". E todas e quaisquer ações que um estado empreenda sem considerar esses procedimentos são ações ilegítimas, colidem com a Carta da ONU e desafiam a lei internacional.

Todos sabemos que, depois do fim da Guerra Fria, emergiu no mundo um centro de dominação. E então, os que se viram naquele momento no topo da pirâmide foram tentados a crer que, se somos tão fortes e excepcionais, então sabemos mais e melhor o que fazer, que o resto do mundo; assim sendo, por que, afinal, teríamos de reconhecer a ONU, a qual, em vez de automaticamente autorizar e legitimar decisões que pareçam necessárias, tantas vezes cria obstáculos ou, em outras palavras "mete-se no caminho?".


Já se tornou lugar comum dizer que, no formato original, a organização tornou-se obsoleta e já teria cumprido sua missão histórica. 


Claro, o mundo está mudando, e a ONU tem de ser consistente com essa transformação natural. A Rússia está pronta a trabalhar com todos os parceiros, à base de consenso amplo, mas consideramos extremamente perigosas as tentativas para solapar a autoridade e a legitimidade da ONU. Podem levar ao colapso de toda a arquitetura das relações internacionais. Aí, não nos restariam outras leis, se não a lei do mais forte.


Poderíamos chegar a um mundo dominado pelo egoísmo, não pelo trabalho coletivo. Um mundo cada vez mais caracterizado pela violência, não pela igualdade e por democracia e liberdade genuínas. Um mundo no qual estados verdadeiramente independentes seriam substituídos por número crescente de protetorados de facto e territórios controlados de fora para dentro.


O que é, afinal, a soberania do Estado? A soberania tem a ver, basicamente, com liberdade e com o direito de cada pessoa, nação ou estado escolher livremente o próprio futuro.


Na mesma direção caminha a chamada legitimidade da autoridade do Estado. Não se deve brincar com elas, nem manipular as palavras. Na lei internacional, nos negócios internacionais, cada termo deve ser claro, transparente, interpretado por critério uniformemente compreendido por todos.


Todos somos diferentes. E todos devemos respeitar as diferenças. Ninguém tem de encaixar-se num único modelo de desenvolvimento que outro, em algum momento, tenha decidido, de uma vez por todas, e para todos, que seria o único modelo correto.


Todos devemos lembrar o que nosso passado nos ensinou. Também recordamos alguns episódios da história da União Soviética. “Experimentos sociais" para exportação, tentativas de impor mudanças dentro de outros países baseadas em preferências ideológicas, quase sempre levaram a consequências trágicas e à degradação, não ao progresso.


Parece, contudo, que longe de aprender com os erros dos outros, tantos agora se põem, exatamente, a repeti-los. Por isso continua a exportação de revoluções, agora chamadas "democráticas".


Para ver que assim é, basta examinar a situação no Oriente Médio e Norte da África. Claro que naquela região os problemas sociais já se acumulavam há longo tempo. Claro que as pessoas queriam mudanças.


Mas no que realmente deu tudo aquilo? Em vez de promover reformas, uma interferência estrangeira agressiva resultou na visível destruição de instituições nacionais e, até, de estilos de vida. Em vez de algum triunfo da democracia e de mais progresso, o que obtivemos foi mais violência, mais miséria e um desastre social. E ninguém dá qualquer atenção a qualquer dos direitos humanos, inclusive ao direito de viver.


Não posso me impedir de perguntar aos que causaram essa situação: Os senhores dão-se conta do que fizeram? Mas temo que ninguém responderá minha pergunta. Na verdade, nunca foram abandonadas as sempre mesmas políticas baseadas na arrogância, na cega confiança na própria excepcionalidade e 'correspondente' total impunidade.


Já é agora óbvio que o vácuo de poder criado em alguns países do Oriente Médio e Norte da África levou à emergência de áreas de anarquia. As quais, imediatamente, passaram a encher-se de extremistas e terroristas. Dezenas de milhares de militantes combatem hoje sob os estandartes do chamado Estado Islâmico. Naquelas fileiras há ex-soldados iraquianos desmobilizados e jogados à rua depois da invasão do Iraque em 2003. Muitos dos recrutados também vêm da Líbia – país onde o próprio Estado foi destruído, na sequência de grosseira violação da Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU.


E agora as fileiras dos radicais são inchadas por membros de uma chamada "oposição síria moderada", sustentada, mantida, por países ocidentais. Primeiro, os radicais são armados e treinados; imediatamente depois, desertam e unem-se ao Estado Islâmico.


Mas o próprio Estado Islâmico, ele tampouco surgiu do nada, de lugar algum. O Estado Islâmico foi forjado inicialmente como ferramenta a empregar contra regimes seculares indesejáveis. Em seguida, depois de ter estabelecido uma base no Iraque e na Síria, o Estado Islâmico pôs-se a se expandir ativamente para outras regiões. Agora busca dominar o mundo islâmico. E tem planos para avançar ainda além disso.


A situação é mais do que perigosa. Nessas circunstâncias, é atitude hipócrita e irresponsável pôr-se a fazer 'declarações' sobre a ameaça do terrorismo internacional, ao mesmo tempo em que os mesmos 'declarantes' fingem que não veem os canais por onde caminha o dinheiro que financia e mantém terroristas, inclusive o tráfico de drogas e o comércio ilícito de petróleo e de armas. Também é igualmente irresponsável tentar 'manobrar' grupos extremistas e pô-los a seu próprio serviço para que 'colaborem' na busca de objetivos políticos só dos supostos 'manobradores', na esperança de "negociar com eles" ou, dito de outro modo, sob a certeza de que, "depois", poderão matá-los facilmente.


Aos que têm procedido assim, gostaria de dizer: "Caros senhores, não duvidem: os senhores estão lidando com gente dura e cruel, mas não são pessoas 'primitivas' ou 'atrasadas'. São exata e precisamente tão espertos quanto os senhores. Na relação com eles, ninguém jamais saberá quem manipula quem. Perfeita prova disso está nos dados recentes sobre destino final do armamento doado àquela oposição suposta "moderada".


Os russos acreditamos que qualquer tentativa de 'jogar' ou 'brincar' com terroristas – e de armar terroristas, então, nem fala! – não é só comportamento de pessoas sem visão, mas é criar pontos de alto risco de fogo, do tipo que iniciam grandes incêndios. É comportamento que pode resultar em aumento dramático na ameaça terrorista, e que se alastre para outras regiões – dado, especialmente, que o Estado Islâmico reúne em seus campos de treinamento militantes de muitos países, inclusive de países europeus.


Infelizmente, a Rússia não é exceção. Nós não podemos deixar que esses criminosos que já provaram o cheiro de sangue voltem aos seus países, para continuar suas práticas assassinas. Ninguém quer que tal coisas aconteçam, suponho. 


A Rússia sempre se opôs firme e consistentemente, sempre, contra o terrorismo em todas as suas formas. Hoje, damos assistência militar e técnica ao Iraque e à Síria, que enfrentam grupos terroristas. 


Entendemos que é erro enorme e grave recusar-se a cooperar com o governo sírio e suas forças armadas, que valentemente lutam cara a cara contra o terrorismo. É mais que hora de reconhecer afinal que ninguém, além das forças armadas do presidente Assad e das milícias curdas estão dando real combate ao Estado Islâmico e a outras organizações terroristas na Síria.


Caros colegas, devo notar que a abordagem direta e honesta da Rússia foi recentemente usada como pretexto para nos acusar de estarmos alimentando ambições crescentes (como se os que nos acusam fossem libertos de todas as ambições...). 


Mas a questão não é as ambições russas. A questão é reconhecer o fato de que já ninguém pode continuar a tolerar o atual estado de coisas no mundo.


Na essência, estamos sugerindo que nos façamos guiar por valores comuns e interesses comuns, não por ambições. Temos de unir esforços, considerando a lei internacional, para enfrentar os problemas que estão diante de todos nós, e criar uma coalizão ampla e genuinamente internacional contra o terrorismo.


Semelhante à coalizão que se constituiu anti-Hitler, a nova coalizão dever unir gama ampla de forças que desejem resolutamente resistir contra os que, exatamente como os nazistas, semeiam o mal e o ódio contra a humanidade.


Evidentemente, os países muçulmanos têm papel chave a desempenhar na coalizão, tanto mais que o Estado Islâmico não é só ameaça contra a sobrevivência deles, mas, além disso, ativamente agride e ofende, com suas práticas sanguinárias, uma das maiores religiões do mundo. Os ideólogos daquela militância zombam do Islã e pervertem todos os valores verdadeiramente humanistas do Islã.


Gostaria de me dirigir aos líderes espirituais muçulmanos, porque sua autoridade e orientação são agora ainda mais profundamente importantes. É essencial impedir que jovens recrutados por militantes tomem as mais desgraçadas decisões sobre a própria vida. E também os que já se tenham envolvido, que já foram enganados e que, pelas mais diferentes circunstâncias da vida, vejam-se hoje vivendo entre terroristas, esses também precisam de ajuda, para que consigam voltar à trilha da vida normal, para que deponham as armas e ponham fim ao fratricídio.


A Rússia, como atual presidente do Conselho de Segurança, convocará em breve uma reunião ministerial para que se faça análise ampla das ameaças que cercam o Oriente Médio.

Em primeiro lugar, propomos que se discuta a possibilidade de construir uma Resolução que vise a coordenar as ações de todas as forças que já estão resistindo contra o Estado Islâmico e outras organizações terroristas. Mas uma vez: essa coordenação terá de basear-se nos princípios da Carta da ONU. 


Esperamos que a comunidade internacional será capaz de desenvolver uma estratégia ampla de estabilização política e, também para a recuperação social e econômica do Oriente Médio. Isso feito, não será preciso criar novos campos para concentração de refugiados.


Hoje, o fluxo de pessoas forçadas a deixar a terra natal já literalmente inundou a Europa. Há centenas de milhares deles agora e não demorará para que sejam milhões. De fato, é grande e trágica migração de pessoas. E é dura lição para os europeus. 


Quero destacar: refugiados precisam, sem dúvida, de nossa compaixão e apoio. Mas o único meio de resolver esse problema em nível mais fundamental é restaurar o Estado, em todos os pontos onde foi destruído; reforçar as instituições de governo onde elas ainda existam ou estejam sendo restabelecidas; prover ajuda ampla – militar, econômica e material – a países em situação difícil; e, com certeza, também aos que não abandonarão suas casas, não importa quais sejam os padecimentos.


Claro que qualquer assistência a estados soberanos pode e deve ser oferecida, nunca imposta; e única e exclusivamente de acordo com a Carta da ONU. Em outras palavras, tudo nesse campo está sendo ou será feito em obediência ao disposto na lei internacional e com o apoio de nossa organização universal. Tudo que infrinja disposições da Carta da ONU deve ser rejeitado.


Acima de tudo, creio que é de máxima importância ajudar a restaurar as instituições de governo na Líbia, apoiar o novo governo do Iraque e prover assistência ampla ao governo legítimo da Síria.


Colegas, garantir a paz e a estabilidade regionais e globais continuam a ser os objetivos chaves da comunidade internacional, com a ONU no comando. 


Acreditamos que isso implica criar um espaço de segurança igual e indivisível, não para uns poucos seletos, mas para todos. Sim, é tarefa desafiadora, difícil e que exige tempo, mas simplesmente não há via alternativa.


Porém, o pensamento de bloco dos tempos da Guerra Fria e o desejo de explorar novas áreas geopolíticas ainda persistem em alguns de nossos colegas.


É de lastimar que alguns dos nossos colegas tenham, até aqui, escolhido outra via – a via de explorar predatoriamente novos espaços geopolíticos.


Primeiro, continuaram sua política de expandir a OTAN e sua infraestrutura militar. Depois, ofereceram aos países pós-soviéticos uma escolha falsa: pôr-se ao lado do ocidente ou ao lado do oriente.


Essa lógica de confrontação está fadada, mais cedo ou mais tarde, a desencadear uma grave crise geopolítica. É precisamente o que foi feito na Ucrânia, onde o descontentamento da população com as autoridades foi usado, e se orquestrou um golpe militar de fora para dentro do país; e esse golpe disparou uma guerra civil.


Temos certeza de que só mediante a plena e fiel implementação dos Acordos de Minsk de 12/2/2015, poderemos pôr fim ao banho de sangue na Ucrânia e encontrar saída para aquele impasse.


A integridade territorial da Ucrânia não pode ser assegurada por tratados e sob armas. Indispensável ali é consideração genuína pelos interesses e direitos do povo na região do Donbass e respeito pelo que escolherem. É preciso coordenar com eles, como fazem os Acordos de Minsk, os elementos chaves da política do país.


Esses passos garantirão que a Ucrânia desenvolverá um estado civilizado, como elo essencial na construção de um espaço comum de segurança e cooperação econômica ao mesmo tempo na Europa e na Eurásia.


Senhoras e senhores, falei propositadamente de espaço comum de cooperação econômica. Não há muito tempo, parecia que na esfera econômica, com suas objetivas leis de mercado, aprenderíamos a viver sem linhas divisórias. Que construiríamos regras transparentes e de comum acordo, que incluiriam os princípios da Organização Mundial de Comércio, que estipulam a liberdade de comércio e investimento e a livre concorrência.


Mas hoje já é quase lugar comum impor sanções unilaterais que burlam o que determina a Carta da ONU. Além de perseguir objetivos políticos, essas sanções são visível manobra mal-intencionada, para eliminar concorrentes comerciais.


Quero apontar ainda mais um sinal de crescente "autismo econômico". Alguns países escolheram criar associações econômicas como clubes fechados e "exclusivos", cuja fundação está sendo negociada na clandestinidade, ocultada até dos próprios cidadãos daqueles países, do público em geral e da comunidade empresarial.


Outros estados, cujos interesses podem vir a ser afetados não são informados, tampouco, de coisa alguma. Parece que estamos a um passo de ser confrontados com um fato consumado, de que as regras do jogo foram mudadas a favor de um poucos privilegiados, sem que a OMC tenha sido jamais ouvida. Assim se desequilibra completamente o sistema comercial e desintegra-se o espaço econômico global.


Essas questões afetam os interesses de todos os estados e influenciam o futuro de toda a economia mundial. Por isso propomos que essas questões seja discutidas dentro da ONU, dentro da OMC e dentro do G-20.


Ao contrário da política de "exclusividade", a Rússia propõe harmonizar os projetos econômicos regionais. Refiro-me à chamada "integração de integrações", baseada em regras universais e transparentes do comércio internacional.


À guisa de exemplo, quero citar nossos planos para interconectar a União Econômica Eurasiana e a iniciativa da China, do Cinturão Econômico da Rota da Seda. Ainda acreditamos que harmonizar os processos de integração dentro da União Econômica Eurasiana e a União Europeia é movimento altamente promissor.


Senhoras e senhores, as questões que afetam o futuro de todos os povos incluem o desafio da mudança do clima global.


É do nosso interesse fazer da Conferência da ONU sobre Mudança Climática, em dezembro, em Paris, um sucesso. Como parte de nossa contribuição nacional, temos planos para reduzir para 70-75% a emissão dos gases de efeito estufa, até 2030, de volta aos níveis de 1990. 


Mas sugiro que tomemos, sobre essa questão, visada muito mais ampla. Sim, podemos aplacar as dificuldades, por algum tempo, definindo quotas de emissões venenosas, ou tomando outras medidas que, contudo, são medidas apenas táticas. Mas, por esse caminho, nada resolveremos.


Precisamos de abordagem completamente diferente. Temos de nos focar em, fundamentalmente, introduzir novas tecnologias inspiradas pela natureza e que não causarão dano ao meio ambiente, e conviverão em harmonia com ele. Além disso, elas restaurarão o equilíbrio entre a biosfera e tecnofera, alterado pelas atividades humanas.


É desafio, realmente, de escopo planetário. Mas tenho confiança de que a humanidade tem potencial intelectual para enfrentá-lo.


Temos de unir esforços. Refiro-me, em primeiro lugar, aos estados que têm sólida base de pesquisas e que têm obtido avanços significativos em ciência fundamental.


Propomos organizar um fórum especial, sob os auspícios da ONU, para discussão ampla das questões relacionadas ao esgotamento de recursos naturais não renováveis, à destruição do meio ambiente e à mudança climática. A Rússia está pronta para copatrocinar esse fórum.


Senhoras e senhores, foi em Londres, dia 10/1/1946, que a Assembleia Geral da ONU reuniu-se para sua primeira sessão. Zuleta Angel, diplomata colombiano, e presidente da Comissão Preparatória, abriu a sessão oferecendo, entendo eu, uma definição concisa dos princípios básicos que a ONU deveria seguir em suas atividades: defender o livre arbítrio, desafiar os conluios e trapaças e preservar o espírito de cooperação.


Hoje, essas palavras ainda soam como orientação para todos nós.


A Rússia acredita no enorme potencial da ONU, de deve ajudar-nos e evitar uma confrontação global e a nos engajar em franca cooperação estratégica. Juntos com outros países, trabalharemos empenhadamente para fortalecer o papel da ONU, de coordenação central.


Confio que, trabalhando juntos, conseguiremos fazer do mundo lugar pacífico e seguro, e asseguraremos condições propícias para o desenvolvimento de estados e nações. 


Obrigado. [Fim do discurso]





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