segunda-feira, 14 de setembro de 2015

'Ocidente' e guerra de informações contra a Síria:

Refugiados,
Rússia e os Balcãs



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9/9/2015,
Andrew Korybko, The Vineyard of the Saker

Tradução do Coletivo de Tradutores da Vila Vudu.



Rússia assumiu a liderança no apoio à Síria esse verão, iniciando ativamente seus esforços para levar uma solução diplomática à crise naquele país e, afinal, organizar uma coalizão ampla anti-ISIL. A rapidez que se observa nos movimentos dos russos tem a ver, em grande medida, ao espectro crescente de uma invasão de forças conjuntas de EUA-Turquia que pesa ameaçadoramente sobre o Oriente Médio. Perturbados (i) pelos sucessos que a Rússia tem tido nos contatos com tradicionais aliados dos EUA no Oriente Médio; e (ii) pela potência do Exército Árabe Sírio nas ações de enfrentamento contra recentes tentativas de massacre que a Síria tem enfrentado, os EUA ordenaram à sua imprensa-empresa de serviços que iniciasse intensa guerra de informação contra a Síria, na esperança de conseguirem (i) quebrar a resistência dos sírios; e (ii) complicar o quadro onde se aplicam os esforços russos para ajudar os sírios.


Essa guerra híbrida de informações manipula três fatores disparatados, mas interconectados: crise dos refugiados, esforços russos para ajudar a Síria e zonas de sobrevoo nos Bálcãs, para promover a política exterior dos EUA e promover um pacote de mitos 'jornalísticos' que ajudarão a aprofundar a desestabilização da Síria.


Politizar a crise humanitária


A crise dos refugiados foi
criada em 2011 pelas campanhas ocidentais para forçar mudança de regime na Líbia e na Síria, mas até esse ano, não havia chegado às páginas da imprensa-empresa de 'noticiário'. Milhões de sírios já foram deslocados pelos tumultos, e a ampla maioria deles escolheram permanecer no país; uma minoria (também de milhões, e marcada pela posição antigoverno) optou por partir para o exterior. Lá chegados, muitos desses expatriados passam a viajar para países da União Europeia, com vistas a ter acesso àqueles generosos benefícios sociais e a uma oportunidade para trabalhar e serem pagos em euros.


O gatilho que disparou a mais recente onda foi,
segundo Ghassan e Intibah Kadi, a decisão da Turquia de permitir que os refugiados sírios instalados em campos na Turquia finalmente pudessem sair e viajar para a Europa. Essa migração massiva e a política de nada perguntar e garantir asilo a refugiados sírios levou muitos não sírios a se apresentar com nacionalidade falsa e viajar também, o que agravou a crise e fez subir ainda mais os números impressionantes.


Os EUA auferiram
alguns benefícios estratégicos ao encorajar esse processo e orientá-lo para uma via geopolítica já premeditada, mas não se viu explícita politização da situação, até que se distribuísse viralmente a foto de Aylan Kurdi e começasse a aparecer na internet no final de agosto.


A partir de então os abutres 'jornalísticos' não perdem chance de exibir cadáveres de crianças para alimentar suas narrativas políticas, que comecem por onde começarem sempre acabam por culpar o presidente Bashar al-Assad pela tragédia e usar a indignação generalizada em torno dela para 'justificar' as operações de bombardeio comandadas localmente por
UK e França e ditas 'anti-ISIL' na Síria (as francesas serão provavelmente anunciadas em breve). Além disso, a afiliação antigoverno de muitos dos refugiados que chegam à Europa opera como excelente fator para recrutamento de 'rebeldes', sobretudo agora, quando os EUA acabam de anunciar que estarão "reformulando" seu programa de 'mudança de regime' na Síria. Além de tudo isso, o simples fatos de que alguns estados da União Europeia se mostrem tão acolhedores para os refugiados criam um poderoso fator extra que visa a desmantelar demograficamente a Síria, provocando mais emigração de, precisamente, os grupos mais jovens e produtivos da população (os quais, é preciso não esquecer, poderia decidir optar por ajudar o próprio país, num momento de guerra terrível, em vez de emigrar).


Inventar uma intervenção


Ver através da mentira:


O elemento seguinte na guerra de informação contra a Síria foi
artigo publicado num veículo obscuro de informação israelense, Ynet sobre uma possível intervenção russa por solo contra o ISIL, que estaria sendo preparada. Postado no Twitter pela frente terrorista Al Nusra fez aumentar ainda mais o frenesi, que é absolutamente ridículo por pelo menos duas razões: (1) terroristas  apoiados por Israel jamais foram ou serão fonte confiável de informação; e (2) a Rússia há anos fornece abertamente equipamento militar à Síria e nunca manifestou qualquer interesse em oculta tal fato.


Apesar da informação flagrantemente falsa do jornalismo produzido por Ynet e a Frente al-Nusra, toda a imprensa-empresa ocidental
entraram em frenesi, e o sensacionalismo rapidamente ascendeu até o secretário de Estado – com Kerry dando-se o trabalho de, até, telefonar a Lavrov sobre o assunto.


Falar aos grandes públicos:


Esse episódio da guerra de informações foi concebido para desencaminhar o 'jornalismo' e criar algo a oferecer à imprensa-empresa para mantê-la desatenta durante uma semana, enquanto se organizam ações muito mais importantes. A intervenção inexistente, tornada 'factual' pela imprensa-empresa ocidental dominante foi orientada simultaneamente para os públicos sauditas, russos e sírios.


Quanto ao público saudita, os EUA estão apreensivos com as
relações cada dia mais íntimas entre Rússia e Arábia Saudita, especificamente no contexto diplomático, que podem levar ao fim da Guerra contra a Síria; quanto a isso, os EUA tentaram meter uma cunha na engrenagem desses esforços, inventando a falsa 'notícia' de que a Rússia estaria subindo unilateralmente as apostas e abandonara o quadro das negociações secretas.


Assim o noticiário forjado visava também a distorcer a ideia por trás da coalizão anti-ISIL proposta pela Rússia – que nunca foi criar uma frente russa naquela guerra, mas reunir as forças militares já envolvidas sob
um único guarda-chuva coordenado de operações antiterroristas reais e efetivas.


Os russos:


Quanto ao público russo, os EUA quiseram fomentar divisões internas na sociedade política russa que surgiram desde que Moscou pela primeira vez divulgou seu total apoio à luta antiterrorista em Damasco. Há grupos na Rússia que discordam dessa abordagem e entendem que se trataria de arriscada superdistensão do interesse nacional russo. O objetivo da divulgação do noticiário forjado foi reforçar esses grupos de oposição, exatamente quando a Rússia está reduzindo seu envolvimento na Síria. Por mais que alguma oposição 'hiper-patriótica' (com alguns membros que agitam também na direção de intervenção convencional dos russos no leste da Ucrânia) não tenha qualquer efeito nas relações entre Rússia e Síria, o ponto e continuar a reforçar esse novo tipo de sentimento antigoverno e testar a receptividade que tenha na população russa.


Outro objetivo de divulgar noticiário forjado é monitorar as vias pelas quais as notícias falsas se disseminam pelos canais da imprensa-empresa russa tradicional, e a rapidez e as vias que o governo russo usará para reagir a elas.


No que tenha a ver com a Rússia, o objetivo geral dessa específica escaramuça na guerra de informações foi testar o modo como operam vários fatores; desse teste, os EUA contavam com obter dados para aperfeiçoar estratégias mais efetivas contra os russos, no futuro; no que tenha a ver com impacto imediato, foi visivelmente muito fraco, ou nenhum.


Sírios:


Finalmente, o principal alvo desse falso noticiário foi a Síria: os EUA tentavam especificamente esvaziar as esperanças dos sírios de que a guerra estivesse próxima do fim e tornar a população ressentida contra o próprio governo. Há grupos dentro da Rússia que entendem que o país deveria fazer mais para ajudar o Exército Árabe Sírio; para esses grupos, notícias de uma próxima intervenção direta dos russos foram boas notícias, que atenderiam diretamente seus desejos e expectativas. Assim, quando afinal se divulgasse que as notícias são falsas, que não passaram de boatos, esses grupos teriam motivo para 'desiludir-se' ainda mais, se sentiriam 'traídos', lamentariam que a Rússia 'tivesse desistido' do que, de fato, nunca cogitou levar a efeito. Um dos efeitos desse tipo de manipulação é provocar dano à solidez da parceria estratégica russo-síria nos corações e mentes da população.


Na mesma linha, a 'notícia' falsa de uma intervenção russa serviria como instrumento para grupos discordantes dentro da sociedade russa, que teriam 'material' de 'noticiário' suficiente para muitas manchetes sobre uma "ocupação russa" e a chegada dos "esquadrões da morte russos".


Ainda nessa linha, segundo
palavras do ministro sírio da Informação, Omran al-Zoubi,


"Tudo isso serviu para insinuarem que o estado sírio seria fraco e que os militares sírios estariam tão enfraquecidos a ponto de terem de recorrer de outro modo à ajuda dos amigos."

Desnecessário dizer que indivíduos dispostos a acreditar nessa linha de raciocínio são também muito interessados em fugir do país, o que também contribui para perpetuar a forte drenagem demográfica infligida ao país – a qual, só ela, já é forma muito severa de guerra assimétrica.


Todas as contas feitas, e dado que é provável que os EUA e aliados tenham previsto que os boatos logo arrefeceriam aos olhos de públicos maiores, o alvo da campanha de falsas notícias foi gerar reação de pânico e de desespero entre os segmentos da população já tendentes a deixar o país e entre os mais receptivos à retórica antigoverno, que se encarregariam de divulgar e reproduzir a imagem de uma 'intervenção' russa como uma 'invasão por esquadrões da morte'.


Como em relação aos russos, a boataria reproduzida e ecoada pela imprensa-empresa que serve aos interesses dos EUA-Israel teve também o objetivo de testar a reação do povo e das autoridades da Síria, nesse caso com o objetivo de dar os toques finais a uma estratégia que pode vir a ser usada muito mais rapidamente contra Damasco, que contra Moscou.


Envolver também os Bálcãs


Grécia:


A parte final do mais recente pacote da guerra de informações do ocidente contra a Síria teve a ver com envolver os países do Báltico nesse mesmo específico quadro de tensões de uma Nova Guerra Fria contra EUA e Rússia. O que se soube é que os EUA ordenaram à Grécia que negasse à Rússia o direito de usar seu espaço aéreo para entregar ajuda humanitária a refugiados internos na Síria, mas – surpreendentemente, em certo sentido – o governo interino grego
recusou-se a obedecer a Washington.


Esse evento é ilustrativo de dois importantes fatos: (1) os EUA sentiram-se suficientemente confiantes de sua habilidade para explorar a confusão políticas que há hoje na Grécia, para empurrar o país para um 'pivô' anti-Rússia; e (2) as autoridades gregas, apesar de serem hoje governo interino, compreenderam que é do interesse nacional grego preservar boas relações com a Rússia para construir o oleoduto Ramo Bálcãs, a ponto de se arriscarem perigosamente a desobedecer ordens dos EUA.


A questão geopolítica que define essa interação ordens-desobediência é a intensa disputa entre os oleodutos
Balkan Stream e  Eastring [literalmente: Ramo Bálcãs e Anel Leste], com os EUA sempre prontos a prejudicar o andamento do primeiro, com vistas a fazer avançar o segundo; enquanto a Grécia valentemente comprova que tem habilidade para compreender e resistir contra a pressão de Washington e confirmar o compromisso que assumiu com a Rússia, sobre o oleoduto.


Bulgária:

Bulgária é o polo oposto da Grécia nesse assunto, desde que decidiu (aparentemente por vontade própria e
sem que ninguém lhe ordenasse) proibir que aviões russos de transporte de ajuda humanitária sobrevoe seu espaço aéreo a caminho da Síria. Tudo sugere que o ato tenha sido revide, por a Rússia ter exposto o blefe búlgaro mal concebido, de substituir o Ramo Sul pelo Ramo Turco, uma vez que a Bulgária continua furiosa, desde que percebeu que esse mau passo praticamente destruiu qualquer possibilidade de o país algum dia conseguir arrancar-se do status de economia de fundo de quintal, para converter-se em economia europeia, pelo menos, seminormal.


Embora tenha
voltado atrás em parte e dito que permitirá o sobrevoo dos aviões russos, sob a condição de que a carga seja previamente inspecionada, Moscou descartou a 'oferta' vergonhosa de Sofia e informou que já encontrara outras vias aéreas acessíveis, com o Irã, que logo se apresentou com alternativa viável.


Nesse movimento, com suas ações de obstrução, o estado do Mar Negro revelou em grande parte a natureza de sua elite política contemporânea – confirmando a fama de que gozam os governantes búlgaros ("os Patetas eslavos dos norte-americanos nos Bálcãs").


Além disso, se se pensa mais a fundo sobre o timing e o espontaneísmo da decisão dos búlgaros, o mais provável é que tenham feito o que fizeram para tentar ganhar apoio adicional dos patrões norte-americanos, depois de as ordens de Washington terem sido valentemente rejeitadas por Atenas.


A Bulgária quis 'agradecer' aos EUA por terem enviado
equipamento pesado e Marines ao país, aparentemente para 'protegê-lo contra agressão russa'. Na realidade, o deslocamento de armas e soldados só facilita a agressão, pela Bulgária, contra a vizinha Macedônia, que muitos na Bulgária recusam-se a reconhecer como etnia, idioma e estado independentes.


Para benefício estratégico dos EUA, a Bulgária permite que a OTAN mantenha os segmentos turco, grego e macedônio do Ramo Bálcãs estrategicamente ao alcance de uma de suas bases, para ‘
reação rápida’.


Significado geopolítico:


Voar sobre os Bálcãs em rota para a Síria atendeu a um objetivo estratégico russo que mais do que compensou pela maior distância a ser coberta, se se compara com nova rota iraniana-iraquiana. Claro que seria mais fácil, se a Rússia pudesse levar seus aviões pelo espaço aéreo turco diretamente para  a Síria, mas já se sabe que essa rota é obviamente inoperável, a julgar por outras ocasiões em que a Rússia serviu-se da via pelos Bálcãs, e isso, provavelmente, porque Ancara sempre impediu qualquer tipo de ajuda russa para a Síria. Seja como for, os Bálcãs são muito preferíveis à alternativa pelo leste, porque mantêm os aviões russos fora da área de operações da coalizão liderada pelos EUA e chamada "anti-ISIL".


Há um ano, talvez não fosse tão importante, quando essa rota não estava sendo usada. Mas com EUA e outros aviões por ali, esporadicamente, e acintosamente sem coordenar suas ações 'antiterroristas' com Damasco, permanece o risco de que ocorra alguma 'confusão', no caso de ser derrubado algum avião russo e criar-se uma crise internacional. Esse cenário seria gravemente amplificado, se pilotos russos chegassem a ser capturados pelo ISIL e talvez publicamente executados – o que geraria efeito considerável na opinião pública russa. Considerando os riscos envolvidos, a insistência dos russos, que querem continuar a prover a Síria com ajuda humanitária mesmo nas atuais circunstâncias ainda mais difíceis, é prova da solidez da parceria estratégica russos-sírios e do empenho de Moscou para ajudar Damasco na sua luta antiterroristas.


À guisa de conclusão


Contra esforços revigorados da Rússia para encontrar solução diplomática para Guerra contra a Síria, EUA resolveram pôr em andamento um guerra híbrida de informação, com três braços, para tentar tornar ainda mais difícil a situação do povo sírio. A crise dos refugiados foi politizada e convertida em nova arma assimétrica de mudança de regime contra o país, criando conflito que a Síria, sozinha, não pode resolver e que põe o país em situação de perene vulnerabilidade estratégica.


O boato distribuído mundialmente por EUA e Israel, sobre intervenção terrestre do exército russo contra o ISIL foi uma segunda onda de desestabilização soft, prevista para obstruir a montagem da coalizão anti-ISIL proposta pela Rússia e, também, para minar a confiança no Exército Árabe Sírio.


Na mais recente tentativa para subverter a Síria, os EUA tentaram, mas não conseguiram, pressionar a Grécia para que negasse à Rússia autorização para usar seu espaço aéreo no transporte de ajuda humanitária para a Síria; mas conseguiram que, sem mais nem menos, a Bulgária se oferecesse para fazer o mesmo papel (motivada por um duplo desejo de agradar ao patrão e de agradecer pelo equipamento pesado, pelos Marines e pela bases 'de resposta rápida que ganhou) – o que gerou uma inconveniência desnecessária.


A guerra reforçada de informação, de Washington contra a Síria, nesse específico momento, equivale a forte declaração de o quanto os EUA ressentem que a Rússia esteja sendo tão bem-sucedida no trabalho de contribuir para resolver os problemas da Síria – exatamente quando a desestabilização 'soft', pelos EUA, atinge nível sem precedentes desde o início dessa crise.


Nunca antes os EUA haviam tentado instrumentalizar o fluxo de refugiados como meio para 'estimular' seus aliados britânicos e franceses a envolver-se militarmente eles próprios na Síria; nem nunca antes haviam inventado que haveria na Síria algum tipo de intervenção militar russa (embora tenham feito precisamente isso no caso da Ucrânia Ocidental).


O que mais incomoda, claramente, os EUA, é a ajuda humanitária que a Rússia está dando à Síria (porque os EUA acreditam que seja cobertura para ajuda militar, fator mais determinante que tudo que tem sido 'declarado' publicamente). E isso incomoda muito gravemente os EUA, a ponto de terem tentado interromper a cooperação entre Grécia e Moscou. Todas essas medidas evidenciam o medo dos EUA de que a ajuda física e diplomática que a Rússia está dando à Síria já comece a dar sinais de que conseguirá levar a guerra, que já dura quatro anos, a uma conclusão pró-governo de Bashar al-Assad. *****

Andrew Korybko é Analista Político e escreve extensivamente sobre as relações internacionais da Rússia. É especialista em política do Oriente Médio, Ásia Central e Europa Oriental. Freqüente comentarista de TV e rádio. Originário de Cleveland, Ohio, está concluindo estudos de pós-graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO).




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