sexta-feira, 2 de maio de 2014


28/4/2014, [*] Andrey Fursov (vídeo legendado em inglês − 1h 10’49”)
Traduzido da transcrição em inglês pelo pessoal da Vila Vudu


Há tanta informação essencial aqui, que se fica tonto. Diria que, no mínimo, 90% acerta na mosca, com detalhes impressionantes. Fursov é peso pesado – e não é de meias palavras. Não só a topografia da oligarquia da Ucrânia; também de que lado cada oligarca está jogando; o que as agências de inteligência ocidental estão fazendo; quais as diferentes agendas para a Rússia; e como a Rússia deve resistir. Assistam com calma, com atenção, tomem notas. Pepe Escobar, no Facebook,


Para o Ocidente, a vitória sobre a União Soviética não foi menos importante, e provavelmente foi mais importante, que a vitória sobre Hitler. Porque Hitler era gente deles. A Rússia jamais foi.

Arnold Toynbee, que nunca foi russófilo, escreveu: “A política do ocidente, para a Rússia, é sempre política de agressão. A expansão russa tem natureza defensiva”.

Mas é impensável, não se pode sequer considerar a possibilidade de um confronto contra o ocidente, se, internamente, na Rússia, nossa base forem economia e governo neoliberais.

A Rússia só podemos pensar em confrontar o ocidente, se estivermos apoiados numa economia de mobilização. Ao mesmo tempo, economia de mobilização só é possível dentro de um sistema social mobilizado. Em outras palavras, as relações com o ocidente que agora vão tomando forma para o futuro imediato, exigem mudanças domésticas muito sérias.


Introdução

ANDREY FURSOV: Comecemos essa reunião de nossa Academia. Hoje, falaremos sobre Ucrânia. 

Primeiro, quero dizer que, às vezes, é ótimo estar errado. OK, eu estava errado. No início de fevereiro, minha colega Elena Ponomarëva e eu discutimos a questão “Podemos ficar com a Crimeia?” Eu fui pessimista e disse que haveria 10% de chance de ficarmos com a Crimeia. Não ficaríamos, porque o Ocidente reagiria agressivamente, e nossas autoridades não têm coragem. Ela disse que não, ao contrário: 90% de chances de ficarmos com a Crimeia; 10%, não acontece. Ela acertou. Eu errei.

Não há dúvida de que a reunificação com a Crimeia é marco muito importante.

Em recente entrevista à televisão, eu disse que esse é, genuinamente, o fim de uma era desgraçada, que começou em Malta, dias 2-3/12/1989, quando Gorbachev entregou absolutamente tudo a Bush, até o que ninguém lhe pedia. Depois, tudo que ainda era possível entregar, foi entregue também. Começaram a surgir raios de esperança mais tarde, durante o governo Putin. Houve a guerra de 08.08.08. Mas, depois, não apoiamos a Líbia. Mas, sim, fincamos pé na Síria. Mas são terras muito distantes da Rússia.

Ucrânia e Crimeia – aí, é situação completamente outra, situação completamente nova. Começamos a retomar nosso território, pouco a pouco.

Começou com o que fizeram os príncipes moscovitas nos séculos 14, 15; o que fizeram os primeiros Romanovs; e o que o sistema de Stálin fez nos anos 1930s, a saber, sempre o mesmo movimento: sair da zona histórica da derrota.

Sair da zona histórica da derrota não significa só questões externas. Hoje estamos rompendo o status quo global, que tomou forma em 1991-94. Quero dizer: a desintegração da União Soviética, o acordo do urânio, os tiros na Casa Branca de Moscou, o Memorando de Budapeste.

Mas superar a derrota não tem só um aspecto externo: tem também um aspecto doméstico. O Ieltsinismo fez surgir todo um estrato de pessoas, que nosso presidente Putin chamou de traidores da nação − falava da 5ª Coluna – entre as autoridades, nos negócios e na mídia. E esses se revelaram, especificamente, durante os eventos na Crimeia. Aquele foi um verdadeiro momento da verdade, momento de escolha.

As verdadeiras cores das pessoas apareceram, em várias esferas. E essa é experiência muito importante, pela seguinte razão: foi possível observar a real existência, a aplicação de duplos padrões. O que quero dizer com duplos padrões? Por exemplo:

Houve tempo em que os britânicos anexaram as Ilhas Malvinas [Falkland]. E disseram: “Ora, por que não? Houve um referendo nas Ilhas Malvinas, e os residentes manifestaram-se a favor de serem ligados com a Grã-Bretanha e basta isso. Mas, agora, a Crimeia, é outro assunto muito diferente...” – e, isso, quando qualquer um vê que a situação é análoga.

Hoje estamos falando sobre a situação da Ucrânia, de vários ângulos. É situação multifacetada, como todas as grandes situações. Muitos diferentes aspectos levaram ao que aconteceu. E não têm a ver só com o embate entre a Rússia e o Ocidente. Há muito mais coisas acontecendo também.

Primeiramente, tudo começou com um conflito dentro da classe oligárquica ucraniana.

Vladimir Matveev é um grande analista. Recomendo muito que leiam, há muitas de suas análises acessíveis pela internet. Além do mais, ninguém precisa ser erudito para ler os livros dele. Qualquer um, com formação universitária, pode ler o que ele escreve. Matveev tem escrito muito sobre a questão do Mossad na Ucrânia. E vive recebendo ameaças. Agora, está precisando sair da Ucrânia e está encontrando dificuldades.

·       Primeiro falemos sobre os oligarcas uranianos
·       Depois sobre os europeus e norte-americanos terem interesses diferentes.
·       Depois, há os interesses de Israel.
·       E, na sequência passaremos sobre os eventos chaves, que se originaram do golpe banderista em Kiev, que continua a desdobrar-se.

Os oligarcas ucranianos

Comecemos pelos clãs empresariais e de negócios que há na Ucrânia.

Em 2012, analistas como Matveev alertaram que haveria conflito muito brutal em 2013, entre aqueles clãs empresariais e de negócios, entre os oligarcas. Foi o que aconteceu.

O que quero dizer, quando falo de “clãs na Ucrânia”? Para começar, temos de entender a divisão de poder que houve no final de 2013. Há quatro clãs básicos.

Primeiro, o clã de Donetsk – Rinat Akhmetov, cuja fortuna é estimada em $16 bilhões. São principais interesses são mineração e produção de aço. Esse clã inclui Boris Kolesnikov, os Kluevs, Yury Ivanyuschenko.

O segundo clã é a família Yanukovych. Controlam principalmente os oficiais da alfândega, a agricultura e a infraestrutura. Na comparação, esse clã é um pouco mais pobre, mas controlaram posições administrativas de muito poder.

A grande “realização” de Yanukovych é que, durante o governo dele, o estado de bem-estar na Ucrânia foi extinto. Ou quase, ou o que sobrava dele. A destruição do estado de bem-estar começou no governo de Kuchma. Yuschenko e Timoshenko reduziram ainda mais o estado de bem-estar. E Yanukovich acabou de matá-lo. E é interessante acompanhar o crescimento da classe dos bilionários.

Em 2010, havia oito bilionários na Ucrânia. No ano seguinte, em 2011, já eram 21. O regime de Yanukovich favoreceu enormemente o surgimento de bilionários.

Os principais patrocinadores de Yanukovich foram Rinat Akhmetov e Dmitry Firtash. A divisão do trabalho entre eles era a seguinte: Ahkmetov controlava o governo; e Firtash controlava a administração presidencial.

O outro bloco é o de Firtash, da RosUkrEnergo, produção de energia e químicos. São os principais sócios de Rothschild na Ucrânia. Um dos principais conselheiros de Firtash é Robert Shetler-Jones. Adiante falaremos dele – empresário do grupo Rothschild e, importante, agente do MI6. Aí, não há novidades: em todas as grandes empresas britânicas, para chegar a posições de comando, é indispensável a aprovação do MI6. Sem isso, não chegam lá.

O grupo corporativo seguinte é o Privat, o mais interessante de todos. É o grupo de Ihor Kolomoisky – o grupo vale 3 bilhões de dólares. É sócio de Gennady Bogolubov. Kolomoisky é figura muito interessante – e não só porque chamou nosso presidente Putin de esquizofrênico. Ele é engenhoso e está por trás de tudo que está acontecendo na Ucrânia.

Bogolubov é o motor por trás de tudo que está atualmente acontecendo na Ucrânia. Nasceu em 1963. Judeu. Apoia muito ativamente o grupo hassídico − Chabad, que não é seita: é um movimento. É o principal patrocinador da comunidade de judeus de Dnepropetrovsk. Velho amigo de Berezovsky.

É dono de 200 empresas, controla 40% de Ukrnafta. E a imprensa. É grande fã de futebol. É dono dos [times de futebol] FC Dnipro, de Dnepropetrovsk; Arsenal de Liev e Hapoel de Telavive. É vice-presidente da Federação de Futebol da Ucrânia. O presidente também é milionário, mas não tão grande quanto Kolomoisky: é dono do Dynamo de Kiev. Frequentemente, há notícias sobre conexões de Kolomoisky com o crime organizado internacional. Ele quis muito comprar empresas em Sebastopol. De fato, chegou muito perto de comprar. É o patrocinador de Yuschenko, Timoshenko e de Klitschko. E, por paradoxal que pareça, também do ultranacionalista Tyaghnibok.

Pode parecer estranho que Kolomoisky, judeu, apoie Tyaghnibok, o ultranacionalista. Mas o principal objetivo de Tyaghnibok é conseguir que ucranianos e russos entrem em confronto, uns contra os outros. O seu ultranacionalismo não é antissemita.

E há ainda outro grupo na Ucrânia, sobre o qual ninguém quer falar muito: o grupo de Victor Pinchuk, genro de Kuchma. O pessoal de Pinchuk inclui Tigipko e Yatseniuk.

Segundo especialistas, como Matveev, que mencionei e recomendo muito que leiam, por sua vasta expertisePinchuk é muito ligado aos EUA e com a inteligência britânica, o MI6.

Finalmente, mais uma parte da economia da Ucrânia, sobre a qual os especialistas preferem não escrever: o comércio de armas, tecnologia militar e narcóticos. Os especialistas listam aqui dezenas de nomes. Cito os principais:

Vadim Rabinovitch, cidadão israelense, ucraniano e húngaro; Sergei Maximov e a família Derkatch. O patriarca é Leonid Derkatch, que dirigiu o serviço de segurança da Ucrânia, SBU. Agora, está com todas as cartas na mão, dado que negocia armas. Rabinovitch é figura muito interessante. Apoia o partido Raduga, de gays e lésbicas, e o grupo feminista Femen, de Kiev. Com frequência, tem querelas com outros oligarcas judeus.

De modo geral, o que caracteriza a situação na Ucrânia é que não há ali um único centro político – o que se propaga também para dentro da comunidade dos judeus ucranianos: não têm um centro unificado. Há constantes discussões entre eles, um grupo querendo impor aos demais o próprio ponto de vista. Há confrontos furiosos entre os judeus seculares e os que apoiam os hassídicos e chabadistas.

Por exemplo, houve grave conflito sobre a construção do memorial em Babi Yar. Kolomoisky insistia que fosse uma sinagoga e um prédio icônico. Vitaly Nakhmanovitch insistia que não, que o lugar deveria ser absolutamente secular. Houve vários confrontos sérios.

Por exemplo, em 2011 Kolomoisky criou o Parlamento Judeu Europeu, dentro do Parlamento Europeu. Foi um aceno na direção do hassidismo e dos chabadistas.

O grupo secular inclui, por exemplo, Vyacheslav Kantor, cujo grupo não aceitou nada daquilo. Os conflitos são frequentes e graves. Às vezes, acontecem coisas engraçadas. Por exemplo, Kolomoisky apoia os chabadistas; o Chabad apoiou Yanukovich durante as eleições. Kolomoisky falou abertamente contra Yanukovich. A partir disso, eclodiram as mais inflamadas discussões e brigas. Em 2013, as coisas ficaram realmente muito graves.

Além do mais, a ganância e a estupidez do clã mafioso de Yanukovich mostrou a própria cara quando meteram os pés não só nas empresas médias, mas também, até, nos pequenos negócios. Basicamente, pequenos e médios estavam tendo de pagar 60% a essa família. É fácil entender quem eram os que saíram às ruas e foram para [a Praça] Maidan. Estavam absolutamente fartos daquele clã.

Mas outro assunto, bem diferente, é quem explorou aquela situação. Em 1848, Marx escreveu, sobre revoluções, que “conhecemos bem o papel que a estupidez desempenha nas revoluções e como tantos canalhas sempre a explorarão”. No caso da Ucrânia, são os oligarcas ucranianos.

O interesse dos Rockefellers e dos Rothchilds na Ucrânia

Na sequência, há outros atores no campo ucraniano: os Rockefellers e os Rothchilds.

Os Rothchilds entraram na Ucrânia imediatamente depois de a Ucrânia separar-se da União Soviética: chegaram em 1991-95. Simultaneamente, o MI6 entrou também para fazer o que bem entendesse. De modo geral, todas as agências de inteligência entraram na Ucrânia, assim, sem qualquer controle, para fazerem o que bem entendessem. Alguns especialistas dizem que a Ucrânia é o “tanque de areia” [lugar em que as crianças brincam] das agências de inteligência. Na CIA, há todo um piso do prédio, dedicado à Ucrânia.

Hoje, sabemos disso. Mas os que trabalhavam clandestinos na Ucrânia no final dos anos 1990s, já diziam que o SBU era agência subsidiária do FBI e da CIA, que já trabalhavam ali ativamente. Como, também, o BND (inteligência alemã), que trabalhava muito ativamente com o submundo dos banderistas. O MI6 trabalhava mais discretamente. E sobre os agentes israelenses, falarei mais, adiante. O que interessa anotar desde já é que, basicamente, estavam completamente livres e à vontade para fazerem o que quisessem.

Firtash tornou-se rapidamente o principal parceiro dos Rothchilds. Seu sócio, dos Rothchilds, foi Robert Shetler-Jones. Esse é o homem que os especialistas consideram o principal instigador das guerras do gás, entre Ucrânia e Rússia.

O grupo Rothschild está trabalhando no leste da Ucrânia. É a área na qual querem pôr as mãos, especialmente na região de Dnepropetrovsk, onde operam o banco “Rothschild Europe” e “Royal Dutch Shell”. Os interesses dos Rothschilds opõem-se muito fortemente aos interesses da Rússia.

Não esqueçam de que, quando se fala dos interesses de EUA e Grã-Bretanha, sempre há diferentes grupos de interesses também naqueles países. Não por acaso, o grande analista francês de geopolítica, Alexandre Del Valle, não fala sobre “a política externa” dos EUA, mas sobre “os políticos das políticas externas” dos EUA. São clãs, também.

Os clãs por trás de Obama são uma coisa. E os clãs por trás dos neoconservadores são coisa completamente diferente. E, sim, eles têm diferentes políticas externas.

Os Rothchilds exploram ativamente as crises e o caos que possam ser manipulados por atores globais, para comprar patrimônio na Ucrânia, como na Ásia Central e, onde for possível, também na Rússia. Trata-se de obter o controle sobre recursos econômicos. Esse é aspecto muito importante.

Os Rockefellers têm interesses mais modestos. Por exemplo, a Chevron Corporation, parte do império Rockefeller. A região de Ivano-Frankivsk foi basicamente dada a eles por Yanukovich. Já nem se pode dizer com certeza se Ivano-Frankivsk pertence à Ucrânia ou se pertence à Chevron Corporation. Os Rockefellers estão mais interessados no oeste da Ucrânia, que no leste.

O interesse de Israel na Ucrânia

O ator seguinte, operante na Ucrânia é Israel, representada na Ucrânia pelo Mossad e por praticamente todos os serviços de inteligência israelenses. Inclusive o setor do Komemiyut, o setor, dentro do Mossad, cujo negócio é a remoção física dos opositores do Mossad. “Komemiyut”, em hebraico, significa “soberania”. Esse setor Komemiyut do Mossad é responsável, por exemplo, pelo assassinato de cientistas nucleares iranianos. São muito efetivos, como, em geral, o Mossad também é.

Aman é o serviço de inteligência militar do primeiro-ministro. Shabak é o serviço de segurança interna. Shin Bet, Nativ – todos eles estão presentes e ativos na Ucrânia.

O atual embaixador de Israel na Ucrânia é Reuven Din El – ex-agente residente do Mossad nos países da Comunidade de Estados Independentes [orig. Commonwealth of Independent StatesCIS] – que foi expulso de Moscou e, em seguida, foi recebido na Ucrânia como embaixador. Vlad Lerner, de Nativ, é primeiro-secretário da embaixada de Israel na Ucrânia. Quanto a isso, é preciso reconhecer que trabalham bem, os serviços israelenses de inteligência, na Ucrânia.

Também é importante saber que o Mossad opera em íntima conexão com a CIA e o MI6. É uma serpente unificada de agências de inteligência, trabalham juntas.

Todas as agências ocidentais de inteligência, inclusive de Israel, são muito ativas dentro dos establishments da educação superior na Ucrânia.

Esse ano, fiz uma conferência no Fórum Seliger da juventude. O pessoal de Kiev contou-me que em quase todas as grandes instituições de educação superior em Kiev, há uma “sala OTAN”, um “departamento OTAN”. Se você quiser fazer carreira acadêmica, tem de passar por vários daqueles programas e disciplinas. E assim estão as coisas. E os serviços anglo-norte-americanos de inteligência não ficam atrás.

O que a inteligência israelense está fazendo? Trabalhando sob projetos que visam a promover estudantes judeus ou que tenham raízes familiares, eles selecionam os alunos mais talentosos e os mandam estudar no ocidente. Todas as universidades ocidentais onde dei aulas – ColumbiaYaleNew York, a mais poderosa das quais foi a Central European University de Soros, onde só estudam judeus, e os mais bem preparados e mais cuidadosamente selecionados. No curso no qual dei aulas lá, havia três rapazes russos. Não de Moscou, mas de Arkhangelsk, Ivanovo e Petersburg. Gente realmente escolhida a dedo, genuinamente capazes.

Central European University é a única universidade onde fiz conferências. Meu contato foi com jovens professores, mais do que com alunos. O ritmo padrão de leitura na Central European University é 400 páginas por dia. Como nos tempos do camarada Stálin. Muitos não suportam o ritmo. Sei de uma aluna, que saíra da Russian State University for the Humanities, por exemplo, que estudou lá por um mês, e voltou, porque o ritmo lhe era fisicamente insuportável. As aulas, claro, são dadas em inglês, embora recebam falantes de várias línguas.

O contexto global

Mas... Examinemos então a situação na e em torno da Ucrânia, em contexto mais amplo, global, considerando o papel que o ocidente, coletivamente, nos seus vários jogos, atribuiu à Ucrânia.

·       Em primeiro lugar – a batalha contra a Rússia.
·       Em segundo – o confronto com a China.
·       Em terceiro – no que tenha a ver com a guerra incontrolável no Oriente Médio.

Repito, e insisto nisso: não são todos os grupos no Ocidente que querem fazer guerra no Oriente Médio. Mas, sim, há alguns grupos interessados nisso. Arábia Saudita e Israel, sim, estão interessados, por uma vasta série de razões.

Mas os três vetores acima convergem para a Ucrânia – e os três planos acima se unem num único plano, a saber: a redistribuição da riqueza geoeconômica e geopolítica globais, no curso da atual crise econômica global.

A Caldeira de Yellowstone

Claro: sempre há a Caldeira de Yellowstone, a super ameaça – quero dizer, o super vulcão, que pode mudar completamente as regras do jogo, de um momento para outro. O super vulcão pode resolver todos os problemas que as elites ocidentais tentam resolver ao longo dos últimos 50-60 anos, e ainda não conseguiram resolver. Se o super vulcão entrar em irrupção, todos os problemas resolvem-se. Mas esse é outro assunto.

Examinemos como a situação evoluiu, como se chegou à situação atual.

Era 1991: a União Soviética acabava de acabar. Depois de dez anos de roubalheira, os norte-americanos perguntavam-se “onde vamos encontrar mais, para roubar?” A China não, não seria possível roubar a China. Para completar, a equipe de Ieltsin parecia dedicada a destruir a Rússia. E então, de repente, em 2001, aconteceram os ataques em New York. E o vetor da política norte-americana girou na direção do Oriente Médio. Passaram a dedicar-se ao Oriente Médio. Quer dizer: foram distraídos e perderam de vista os próprios objetivos. E vieram o Iraque, o Afeganistão.

Nesse período, a Federação Russa teve tempo e espaço para respirar, para repor-se sobre os próprios pés outra vez. Então, foi a guerra de 08.08.08, [Documentário The Art of Betrayal em 6 partes, legendado em inglês vídeo da parte 1 no fim do parágrafo] que mostrou ao ocidente que haviam deixado escapar alguma coisa, que haviam negligenciado a Rússia, que a Rússia continuava bem viva. Na sequência, o episódio Medvedev, que não impediu o ataque à Líbia.

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Evidentemente, a guerra 08.08.08, a chegada de Putin ao poder e nossa posição sobre a Síria, contra toda a pressão ocidental, mudaram o modo de ver a Rússia, entre os que haviam levado Obama ao poder.

Dois pontos, aqui, a observar:

1.      Obama estabeleceu uma doutrina militar na fala ao Parlamento da Austrália, dia 17/11/2011.
2.     E estabeleceu outra doutrina militar para os EUA, dia 5/1/2012.

Na nova doutrina militar de 5/1/2012, ficou estabelecido que os EUA passavam a poder fazer uma grande guerra e várias outras ações indiretas em outras partes do mundo. Antes, falara em duas guerras; e disse que já não se tratava disso.

Há detalhes mais interessantes no que Obama disse ao Parlamento Australiano, dia 17/11/2011 – tudo dito, sempre, no estilo vago, de Obama, mas, se se dão os nomes reais às coisas, tem-se que:

Em primeiro lugar, nessa doutrina: o cercamento político-econômico contra a China. Controle sobre o fluxo de energia para a China. Por isso, vimos que enviaram poder naval para os estreitos entre o Oceano Índico e o Pacífico [Estreito de Malaca, p. ex. (Nrc)].

Por isso, é tão importante para a China ter rotas terrestres de suprimento de energia. Porque rotas marítimas podem ser facilmente interrompidas pelos norte-americanos.

Em segundo lugar: pressionar a Federação Russa, como parceira da China, porque é país que está começando a reerguer-se.

Na verdade, Obama não disse, aí, nenhuma novidade.

Há uma organização, Stratfor (Strategic Forecasting Inc.), uma espécie de CIA privada. O fundador dessa empresa, George Friedman, disse abertamente que a tarefa básica dos EUA é desestabilizar a Eurásia, para que jamais haja estado ou grupo de estados capaz de desafiar os EUA. E a região chave para lidar com o problema de China e Rússia seria o Oriente Médio, também importante nele e por ele mesmo: petróleo, o Irã, o Cáspio, o Azerbaijão, em particular.

Prestem muita atenção ao Azerbaijão. Não tenham ilusões: é parceiro fiel de Israel e dos EUA. Esse país bombeia petróleo para Israel e Ucrânia, recebe armas de EUA, Ucrânia e Israel e tem instrutores israelenses trabalhando com o seu exército.

No evento de um conflito com os armênios, combatentes competentes, não acho que o exército do Azerbaijão possa sair-se muito melhor do que até aqui, mas é verdade que, hoje, têm mais capacidades e estão mais bem treinados.

Os objetivos das partes interessadas no Oriente Médio.

Obama (quero dizer: os clãs, por trás de Obama).

Aliás, quero dizer desde já que minha opinião sobre Obama não mudou. O general Ovchinsky e eu escrevemos um artigo, logo depois da posse de Obama, intitulado “O presidente caixa de papelão” [orig. “The Cardboard Box President”]. Não mudamos de opinião. Quando digo “Obama”, digo, sempre, “o clã que opera por trás dele”.

Desde o início, esses clãs queriam melhorar as relações com o Irã, em detrimento das relações com Israel, obviamente. Que utilidade tem o Irã, para os EUA?

Imaginem o Irã, como parceiro dos EUA. Em primeiro lugar, país muito maior que Israel. Tem magnífica posição geopolítica. Recursos magníficos. Se o Irã se torna parceiro dos EUA, estaria criado um eixo Irã-Índia, contra a China, contra a Rússia, e a tensão se mantém. Israel vive a tensão de ser estado judeu, com os árabes; e o Irã é xiita. A tensão, aí, continuaria, basicamente, com os monarcas sunitas, com a Arábia Saudita, quer dizer, continua a haver tensão.

Obama tomou várias medidas com vistas a melhorar o relacionamento com o Irã. Houve uma onda de publicações, todas a repetir que os EUA estariam abandonando Israel. Mas Obama viu-se sob a pressão de vários grupos poderosos, inclusive do lobby pró-Israel. A melhora nas relações com o Irã não está acontecendo, até agora.

O que é interessante é que, conforme melhorem ou piorem as relações com o Irã, os EUA serão forçados a resolver dois problemas. Um deles é o problema de eliminar o regime de Assad. E, nessa operação, o problema de eliminar a “fabulosa” organização, o Hezbollah.

Nós não vemos o Hezbollah como organização terrorista. É organização xiita libanesa, verdadeiramente global. Estão em vários lugares do mundo. Ouve-se falar da diáspora dos judeus, diáspora dos armênios, mas a diáspora libanesa também é considerável. Apenas, que é mais silenciosa, não faz muito barulho. Há cem anos, os libaneses começaram a estabelecer-se na África, na América do Sul. Mudaram-se para a parte da África onde estão os diamantes: Sierra Leone, Libéria, uns poucos em Angola. Nos locais onde está a diáspora libanesa, com o Hezbollah e outras organizações, eles compram cocaína e a transferem por submarinos, para a África Ocidental. Antes, usavam submarinos vendidos por ucranianos. Agora, aqueles submarinos saíram de catálogo e foram substituídos por outros. A cocaína é transferida para Sierra Leone, onde é trocada por diamantes. Com os diamantes, compram armas.

Esse triângulo – Hezbollah, Síria, Irã – está no caminho dos norte-americanos.

Assumiram, corretamente, que, eliminada a Síria, como parceira árabe do Irã, melhorem ou piorem as relações com o Irã, o Irã estará enfraquecido, e será mais fácil chegar a algum acordo com os iranianos.

Remover o governo de Assad, portanto, converteu-se em objetivo n. 1 dos norte-americanos. Assim, também, para Arábia Saudita e Israel.

Mas aconteceu que o “molde” da Primavera Árabe não funcionou na Síria. E tiveram de intervir militarmente. Mas a intervenção gorou – graças à posição de Rússia e China.

A agressão do Ocidente contra a Síria foi a primeira fase militar realmente séria, na direção de redesenhar o mapa geopolítico do Oriente Médio. Repito: a primeira fase militar realmente séria.

A Líbia foi caso diferente. Teve a ver com o fato de que o petróleo líbio é muito importante para os norte-americanos. O custo de produção do petróleo líbio é $1. Por isso era muito importante. Mas Líbia e Síria são países muito diferentes, com diferente potencial. E na Síria, repito, as coisas não deram certo para o ocidente, em primeiro lugar, por causa da posição de Rússia e China.

A ofensiva dos EUA contra a Federação Russa e a China fracassou, no teatro sírio. E isso, mais a volta de Putin à presidência, forçaram a elite ocidental a ter de procurar outras manobras. Puseram-se a procurar onde atacar – e apareceu a Ucrânia.

Porque a Ucrânia é situação explosiva que se desenvolvera em todos os níveis: entre os próprios oligarcas, entre os oligarcas e a população. Seria vergonhoso para norte-americanos e europeus não explorarem o que viram ali.

Mas americanos e europeus têm, sim, objetivos completamente diferentes na Ucrânia.

Os americanos precisam de caos controlado e guerra civil.

Os europeus precisam de toda a Ucrânia – um mercado no qual possam despejar todos os tipos de lixo. E mercado de trabalho barato, acima de tudo. É, de fato, mercado consumidor não explorado a ser aberto, de 44 milhões de pessoas – agora, menos a Crimeia.

Em tese, a Ucrânia não é atualmente membro da OTAN. Mas isso não impede a Ucrânia de participar nas quatro campanhas militares da OTAN. Por isso, Veronika Krasheninnikova acertou, quando disse, na televisão, que o atual “problema ucraniano” tem a ver com onde ficarão as fronteiras da OTAN.

Não faz diferença alguma se a Ucrânia une-se ou não, formalmente, à OTAN. É evidente que será país da OTAN. Além disso, também é absolutamente evidente que está sendo planejado para ser país absolutamente anti-Rússia, nacionalista, banderista e neonazista. E com o objetivo, ao estabelecer-se esse estado anti-Rússia, de pressionar, sem parar, a Federação Russa.

O objetivo de longo prazo é atrair a Rússia para o campo ocidental e começar uma luta: “Vamos pressionar a Rússia. Depois, para conseguir acordo com o Ocidente, para resolver esse problema de provocações constantes, a Rússia volta-se para o Ocidente. Na sequência, a Rússia vira ferramenta do ocidente, para pressionar a China”.

Se possível, o melhor seria levar China e Rússia a guerrearem entre elas – esse seria o cenário ideal para o Ocidente. Como põem a Rússia, perpetuamente, a lutar com Alemanha e França. É sempre o mesmo padrão, sempre, sempre.

A atual situação na Ucrânia, que começou no final de 2013, serviu a esse objetivo. Hegel falou da história ‘traiçoeira’. Aqueles 30 dias, de 15 de fevereiro a 17 de março, romperam tudo, e mudaram o mundo.

A era que começou no período 1989-94, aos nossos olhos, está chegando ao fim, ou já terminou.

Nós frequentemente citamos as palavras de Brzezinski: “Sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser império eurasiano”. Mas não é verdade. A Rússia pode ser grande potência, mesmo sem a Ucrânia. Que será mais difícil e demandará mais tempo, isso, é outro problema.

E o que é a Ucrânia?

A parte leste da Ucrânia jamais antes fora parte da Ucrânia. Foi obra dos bolcheviques. Precisavam aumentar a proporção do proletariado na Ucrânia. Essa foi a única razão pela qual juntaram à Ucrânia aquelas regiões.

Mas isso não interessa agora. O que interessa é que as palavras de Brzezinski, tão repetidas, não são originais. Brzezinski repetia palavras de um general alemão, Paul Rohrbach, o qual, no início do século XX, já dissera:

“Para eliminar o perigo que a Rússia gera para a Europa, e sobretudo para a Alemanha, é necessário separar completamente a Rússia ucraniana da Rússia moscovita”.

Observem que, para o general alemão, Ucrânia e Muscovy são, ambas, Rússia.

Ele falava, então, da necessidade de promover um racha interno, dentro da Rússia. E a ideia tampouco nasceu da cabeça de Rohrbach. Ele estava desenvolvendo a ideia dos políticos alemães do final do século 19, inclusive de Bismarck, que propôs meios específicos para resolver esse problema.

Especificamente, ele enfatizou a necessidade de jogar a Ucrânia contra a Rússia, de pôr os povos em luta. Mas por quê?

Como ele escreveu: “Temos de cultivar entre os ucranianos, um povo cuja consciência esteja a tal ponto alterada que comecem a odiar tudo que seja russo”.

Estamos, portanto, falando de uma operação histórica de guerra psicológica, de sabotagem informacional-psicológica, cujo objetivo é produzir eslavos russofóbicos – Orcs a serviço do Saruman ocidental.

Esses seriam meios para separar a Ucrânia da Rússia e opor a Rússia a uma espécie de “Rus” antirrussos, como uma Ucrânia livre, democrática, do império totalitário.

Tudo isso foi concebido no Projeto Galiciano, no qual trabalharam os serviços de inteligência austro-alemã e o kaiser alemão e, depois, a inteligência do IIIº Reich, depois a CIA, depois a inteligência alemã, BND.

O serviço de inteligência do IVº Reich trabalhando

Não tenho prova direta, mas não há dúvidas de que o IVº Reich trabalhou aqui, o “IVº Internacional”, chamado “Daisy”. Quando o dia-D e a hora-H chegaram, o projeto Galiciano e os banderistas subterrâneos deram o primeiro tiro – figurativamente e literalmente.

E aqui se faz o filme rodar para frente, fast forward, até a Revolução Laranja de 2004, que é diferente do que temos atualmente.

A Revolução Laranja de 2004 foi organizada por neoliberais. Quem operava por trás daquilo, na Ucrânia e no Ocidente, supôs que bastaria aquilo, para criar uma Ucrânia antirrussos. Mas não bastou. Então, nos eventos atuais, pôs-se em ação abordagem diferente: uma aliança de neoliberais e ultranacionalistas, de fato, neonazistas.

Os liberais são a face visível do ocidente. E os militantes neonazistas e tropas de choque entraram para quebrar o poder de Yanukovich, e aterrorizar o leste da Ucrânia.

Sabe-se que Yanukovich foi aconselhado a não brincar com fogo com Tyaghnibok e a não deixar que ele desenvolvesse o seu movimento. O plano de Yanukovich, como vários especialistas demonstraram, era: “deixar inflar a bola de Tyaghnibok. Depois, no momento das eleições, o leste, aterrorizado por Tyaghnibok, elegerá Yanukovych”.

Queria jogar uma espécie de jogo de xadrez. Mas o ocidente absolutamente não estava jogando xadrez. Derrubaram as peças e usaram o tabuleiro para jogo completamente diferente.

Mas por que aconteceu agora?

Em primeiro lugar, a Ucrânia é construção absolutamente artificial, inviável, que só poderia funcionar normalmente no quadro da União Soviética. A prova é que, apesar de ser o único estado pós-soviético, além de Rússia e Bielorrússia, que talvez pudesse manter-se sobre as próprias pernas, não se manteve.

A República Socialista Soviética da Ucrânia era, em vários sentidos, muito importante na União Soviética. Quem lembra onde foi posta a Ucrânia, na Exposição-Feira Nacional de Conquistas Econômicas (ВДНХ)? Bem no centro! Agora, caíram no esquecimento, mas estavam lá, no centro, no ponto mais destacado daquela Exposição. A importância da Ucrânia era enfatizada de todos os modos possíveis. E a Ucrânia só conseguiria existir no quadro geral da URSS. Fora da URSS, a Ucrânia não consegue desenvolver-se.

E o que manteve a Ucrânia à tona, até agora? A herança soviética, da qual a Ucrânia se alimentou, sem parar, por 20 anos.

Para avaliar o portento que foi essa herança, basta considerar que os oligarcas ucranianos a devoraram sem parar, ainda mais estupidamente do que os oligarcas russos e, mesmo assim, aquela herança durou vinte anos.

Mas, como se dizia na antiga Roma, Nihil dat fortuna mancipio (A sorte nada dá, que dure para sempre). E, em 2013, aquela herança, afinal, havia sido devorada até o último bocado. E, além do mais, Yanukovich trabalhava muito, para comer muito e bem depressa. A Ucrânia estava à beira do abismo.

A Rússia poderia salvá-la. Mas isso era completa e absolutamente não desejável, para os EUA. Essa foi a primeira parte.

Agora, a segunda. Depois de Maidan 2004, como eu disse, os manipuladores de fantoches ocidentais presumiram que a coisa estaria resolvida: gente como Yuschenko e Timoshenko resolveriam todos os problemas. Aconteceu que não resolveram. Yanukovich chegou ao poder. Jogou praticamente as mesmas jogadas. Jogou mal. Jogou um pouco com os EUA, um pouco com a Rússia. No final, havia mordido mais do que conseguiria mastigar. Mas o placar desses 20 anos é positivo para o ocidente.

De fato, trabalharam muito na Ucrânia: com a colaboração de várias organizações não governamentais e não comerciais, fizeram trabalho realmente impressionante. Operaram dúzias de organizações filantrópicas ocidentais.

E nós, os russos? Temos alguma organização não governamental operando na esfera da política exterior? “Russkiy Mir”. Apareceu quando? Há pouco tempo. É efetiva? Há outras? Há “Rossotrudnichestvo”, mas o dinheiro é muito pouco. Há o "Institute of CIS Countries" – uma instituição. Há também o “Gorchakov Fund”. Mas todas essas são iniciativas muito recentes e são organizações com poucos recursos.

Por sua vez, os EUA injetaram na Ucrânia quantidades massivas de dinheiro. E, durante todos esses anos, houve um movimento Banderista subterrâneo que operou na Ucrânia, em cooperação com agências de inteligência dos EUA e da Alemanha Ocidental.

De importante, também, que, geograficamente, a Ucrânia não é estado do Báltico.

Por falar nisso, quem sabe quando o último Forest Brother foi morto nos estados do Báltico? 1960? Não. Em 1974.

Mas, vocês sabem, não há muito onde se esconder, nos estados do Báltico. Mas, sim, na Ucrânia há. E os banderistas clandestinos sempre andaram por ali. E é claro que o ocidente sempre trabalhou com eles.

Obviamente, também houve sérias razões domésticas para os eventos de dezembro, janeiro e fevereiro de 2014, na Ucrânia: empobrecimento da população; insatisfação com o regime miserável-oligárquico de Yanukovich.

E agora? O que estamos vendo agora? A família de Yanukovich foi-se. E, no lugar deles, assume a família de Timoshenko. Uma família de oligarcas, substituída por outra. Estão nomeando oligarcas para as prefeituras e regiões do leste.

Já lembrei o que disse Marx, falando das revoluções europeias de 1848. “Conhecemos bem o papel que a estupidez desempenha nas revoluções e como tantos canalhas sempre a explorarão”.

Pelo que se pode ver dos eventos em curso, a ganância do clã governante explorou tudo o que pôde, por vias gerais e por vias específicas, conforme a situação aparecia.

O “dia D” e a “hora H” afinal chegaram, dia 21 de fevereiro. Como eu estudo história, e não estou na comunidade de inteligência, minha informação é indireta, mas há outros analistas que confirmam e o fluxo parece ter sido esse.

Por volta das 18h do dia 21 de fevereiro, metade da Praça Maidan estava vazia. Podia ter acabado ali. Mas, como vocês sabem, entre 18h e 20h, já havia ali 15 mil manifestantes. Haviam substituído um grupo de cerca de 3 mil, alguns dos quais me deram essa informação. E a polícia antitumultos, os Berkut, estava contra eles. Até que, de repente, os Berkut pararam.

“Nós continuamos, mas os Berkut pararam”. Claramente, receberam ordens para parar. O que aconteceu entre as 18h e as 20h?

Minha versão, para recriar os eventos, é a seguinte – e absolutamente não quero convencer ninguém. É minha versão do que aconteceu.

Naquele momento, Yanukovich decidiu que havia vencido e poderia iniciar negociações. Além do mais, os americanos já haviam dito a ele que sabiam onde haviam sido desperdiçados os bilhões que puseram na Ucrânia. Foi quando Yanukovich resolveu aplicar um golpe estúpido, coisa de caipira: decidiu passar a perna nos norte-americanos, sem se dar conta que os norte-americanos logo lhe aplicariam uma rasteira, e não respeitariam o acordo assinado. De qualquer modo, os americanos jamais perdoariam a traição.

Naquele momento, a oportunidade para evacuar Maidan já passara, e os eventos tomaram rumo diferente. Nos dias 21 e 22/4/2014, eu dizia que tinha havido uma perda situacional para a Rússia, porque, em 20 anos, a única força pró-Rússia que havíamos conseguido criar lá era o governo de Yanukov ch. Aquele resultado era negativo, para nós.

O que Chernomyrdin (Embaixador da Rússia na Ucrânia, quando Yulia Tymoshenko foi primeira-ministra)fazia lá? Cantava e tocava acordeão com os oligarcas. Era destino dele. Bom para ele.

O que Zubarov fez lá, não temos nem ideia. Mas com certeza assinava bons acordos de gás com os oligarcas.

A inteligência ocidental e as organizações não governamentais, todos trabalhavam com os oligarcas, a intelligentsia e as massas. No final, vejam o resultado: embora Kiev não seja cidade galiciana, 90% da intelligentsia de Kiev apoia o Galician Project dos neonazistas. É claro que a inteligência ocidental fez um bom serviço. De fato, estavam lá para fazer exatamente isso.

Outro assunto, bem diferente, é que nós não trabalhamos com a mesma eficácia.

Lá ficamos, anos a fio, conversando com os oligarcas, em vez de cuidar do que interessava à Rússia. O que quero dizer é que, se a única força pró-Rússia que conseguimos criar em nível político importante na Ucrânia, em 20 anos, foi essa pessoa chamada Yanukovich, aquele fracasso era nosso fracasso, era culpa nossa.

Mas, claro, perder um round não implica perder a luta. De fato, a ação das autoridades russas na Crimeia mostrou que, apesar de ter perdido um round, ainda se pode vencer a luta. No match da noite de 17-18, nós vencemos. Mas esse match que nós vencemos só tinha a ver com a Crimeia. Ainda há a Ucrânia do leste e a Ucrânia do sudeste.

O que o Ocidente queria

Examinemos agora o que o ocidente queria, quais os planos do ocidente. O que o ocidente precisa extrair dessa situação?

Pensemos nos ocidentais, quero dizer, nos que planejaram tudo isso. Essa, me parece, é a abordagem certa.

No verão, quando estava em Londres, eu lia os jornais de lá. E li um editorial maravilhoso no Financial Times. Basicamente, o editorial atacava os orientadores de alunos e pós-graduandos de economia, das universidades inglesas. Dizia que, se você quer treinar economistas, não adianta torturá-los, obrigando-os a ler o que os economistas escrevem: que é preciso ensinar os alunos, isso sim, a pensar como economista.

No nosso caso, também temos de ensinar as pessoas a pensar como os políticos pensam. Nossa ciência política está reduzida a um modelo pelo qual os alunos só conhecem as teorias da ciência política. Mas as teorias da ciência política têm bem pouco a ver com a realidade. De fato, as teorias políticas existem para ocultar, de todos, o que os políticos pensam. É caminho que não leva a nada, ou leva ao lugar errado. 

Então, pensando como os políticos pensam:

Plano “Mínimo”: o ocidente estabelece um Reich eslavo, neonazista, banderista. Pressão constante sobre a Rússia, provocações de todos os tipos. Se a Rússia reagir, ponham-se todos a gritar que “a Rússia horrivelmente totalitária, está maltratando a Ucrânia livre e democrática”.

Foi o modelo que usaram na Iugoslávia: “esses pobres albaneses, vítimas dos monstros sérvios”.

Plano “Máximo”: o mesmo já usado quando se estabeleceu o Reich nazista alemão, nos anos 1930s. Construa as forças que, se necessário para o ocidente, assumirão a parte decisiva da guerra contra a Rússia.

Alguns dirão: “Que pesadelo! Como alguém iria à guerra contra a Rússia?”.

Há diferentes situações. Quem, na Europa, pode fazer guerra contra a Rússia? Os romenos, por exemplo, fariam guerra? Os poloneses? Sozinhos? Nunca. Então, é preciso achar um estado “pit bull”, que esteja preparado para iniciar, pelo menos, um conflito local, para mostrar, à Rússia debilitada, como os eventos podem desenrolar-se.

Se parecer que simplifico demais, considerem as relações entre o Ocidente e a Rússia. Nos últimos 200-300 anos, todas as agressões contra as quais a Rússia lutou, sempre vieram do Ocidente. E a Rússia jamais teve ação de agressão contra o Ocidente.

Consideremos só dois casos: a campanha de libertação [da Europa] contra Napoleão, da qual Kutuzov [1] disse que deveria “ter terminado em 1813, sem darmos um passo além das nossas fronteiras, e França e Inglaterra que ficassem, lá, em afagos perversos, e guerreando uma contra a outra”. Esse é um caso.

O segundo é de 1849, Nicolau I. Minha avaliação é que foi erro, embora Nicolau tenha sido grande czar. Mas não tínhamos nenhuma obrigação de ajudar a reprimir o levante húngaro, na Austro-Hungria. Não era necessário. Os húngaros que derrotassem, lá mesmo, os austríacos. “Eles que fiquem lá, com o teatrinho do caos deles, na Europa Central. Será mais fácil para nós.”

Fato é que, além disso, a Rússia jamais empreendera ação alguma no Ocidente. Isso foi no século 19.

Quanto a mandar tropas para a Tchecoslováquia, foi feito pelas regras, conforme o Pacto de Varsóvia.

A OTAN tem as mesmas regras. Nos estatutos da OTAN está escrito, preto no branco:

Se qualquer país da OTAN estiver em perigo, por mudanças internas ou externas, haverá imediato deslocamento de forças.

Pois é. E quando mandamos as forças, disseram que era uma “Doutrina Brezhnev”. Por quê? Porque nossa propaganda é fraca. Nossos propagandistas são fracos.

O mundo deveria ter sido informado de que agimos conforme a Convenção de Varsóvia e os estatutos da OTAN. Mas eu estava falando do século 19.

Quanto ao século 20, a liderança soviética perdeu oportunidade única, em 1968. Foram lentos, apenas reagiram aos eventos.

Durante os eventos de maio, em Paris-1968, a liderança soviética, usando o Partido Comunista Francês, poderia ter posto as forças da OTAN em Paris, para conter as manifestações de comunistas e sindicatos. Com as forças da OTAN em Paris, eles que passassem 30 anos esbravejando contra a OTAN, sobre como a OTAN massacrou estudantes franceses. Pelo menos, não passariam os mesmos 30 anos falando de “Primavera de Praga”.

Mas a liderança soviética então só reagia aos eventos. Porque era governo reativo, reacionário.

Arnold Toynbee, que nunca foi russófilo, escreveu que “A política do ocidente, para a Rússia, é política de agressão. A expansão russa tem natureza defensiva” – escreveu Arnold Toynbee.

O objetivo final da elite do Atlântico Norte sempre foi eliminar a Rússia.

Quanto a isso, Leonid Shebarshin, um dos líderes mais visíveis da inteligência soviética, estava, claro, muito certo, quando escreveu: “O que o Ocidente espera da Rússia é que ela não exista.” A estratégia sempre foi essa. Taticamente...

Em 1991, o Ocidente poderia ter começado a desmembrar a Rússia. Mas, com a China surgindo no horizonte, não pareceu boa ideia. Decidiram atormentar a Rússia, ao longo, pode-se dizer, de vinte anos. Mas, durante esse tempo, a Rússia conseguiu repor-se novamente sobre os próprios pés.

O Banderastão, se é isso que a Ucrânia está fadada a tornar-se, como decidiram os mestres-de-fantoches do outro lado do oceano, será quase-estado oligárquico, terrorista e russofóbico. Russofóbico – já está claro por quê.

Quase-estado, porque nem a Ucrânia pós-soviética chegou jamais a ser estado plenamente independente.

Já se vê, agora, que o estado está sendo administrado de fora para dentro. Kiselëv acertou em cheio, quando disse, ontem [que há relação direta entre] “A visita do diretor da CIA a Kiev, e a ordem, emanada do FMI, para que a Ucrânia demita 12 mil funcionários públicos”.

São cortes brutais. Mas o dinheiro do FMI nunca vem sem a exigência de que se cortem programas sociais. O que, por sua vez, gera agitação na população. O governo tem de agir contra a população e... acaba prisioneiro de um círculo vicioso.

O processo está muito bem explicado em “Confessions of an Economic Hit Man” [Confissões de um matador (economista) de aluguel], de John Perkins. Tudo está ali, bem explicado.

Uma Ucrânia oligárquica banderista é inevitável, por essa simples razão: por causa da corrupção, da falta de competência para não ser e da falta de vontade de não ser. Nessas condições, a oligarquia é o veículo ideal para a ação dos controles externos.

Claro que isso satisfará plenamente tanto os oligarcas quanto o Ocidente.

E, finalmente, se a junta-marionette em Kiev não conseguir segurar-se, com certeza implantarão política de terror contra o leste e o sudeste. O fato de que pareçam não ter poder para tanto, é outro assunto.

Só fazem demarcar “prazos” e “linhas não ultrapassáveis”. Mas o fato é que nada podem fazer, porque não têm poder real.

Além do mais, é claro que o “Setor Direita” (Pravy Sektor) é grave ameaça à liderança ucraniana.

E o que mais significará a banderização da Ucrânia, se chegar a ser aprovada?

Bem, o leste e o sudeste são regiões industrialmente desenvolvidas. São áreas modernizadas. O oeste é agrícola. É claro que a União Europeia não precisa de indústrias modernas, como Yuzhmash Motor-Sich: são concorrentes; têm de desaparecer. Tampouco precisam da energia atômica ucraniana. Só precisam de espaço para jogar lixo radioativo.

A morte de Oleksandr Muzychko

Uma teoria sobre por que Oleksandr Muzychko foi assassinado, que me convence plenamente, e que circula pela internet, é que Yulia Timoshenko, precisando de dinheiro, assinou um acordo com os europeus, pelo qual a Ucrânia passaria a receber lixo nuclear. O problema é que não há instalações para isso, na Ucrânia. Então, terão de enterrar o lixo nuclear. O plano era usar a Zona de Exclusão de Chernobyl. “Já está poluído. Enterramos e escondemos tudo lá.” Alguém tinha de agir. Yatseniuk e Turnychov não quiseram tocar, sequer, no assunto. Timoshenko acertou com Yarosh, e Yarosh instruiu Muzychko. Mas Musychko, apesar do ar de brutalidade, não era idiota. Percebeu imediatamente que quem estava organizando aquilo teria de matá-lo. Por isso, começou a agir diferente do que Timoshenko esperava. E foi assassinado.

Tanto quanto sei, o trem carregado de lixo nuclear continua estacionado na fronteira Polônia-Ucrânia, sem ter para onde ir. Parece-me completamente óbvio: a Europa só precisa da Ucrânia como lixão.

O que me surpreende, sobre a liderança ucraniana é o seguinte: não morrerão contaminados nem serão esterilizados só “pessoas comuns”. Os filhos deles, as crianças da elite também serão envenenadas. Não consigo entender isso. Por que ela (Timoshenko), santo deus, está convertendo o país num monturo radioativo, se até ela vive lá? Não quer ser presidenta? Não vai ter de ficar lá, pelo menos, por 4-5 anos? É muito tempo.

banderização da Ucrânia significará des-modernização e arcaização futurista do país. Se aquela junta conseguir implantar-se na Ucrânia – do que duvido muito –, a Ucrânia sofrerá colapso para dentro dessa zona de arcaização futurista, mais extrema do que se conhece das novelas de batalhas fantasiosas de Alexei Kolentev.

Uma importante lição a extrair de toda a crise da Ucrânia, e que para mim é positiva, tem a ver com a mídia russa. Pela primeira vez, não somos os perdedores num conflito. Durante a guerra 08.08.08, alguns veículos adotaram posição anti-Rússia. Dessa vez, só alguns veículos quase completamente desnorteados, como o jornal de eventos e entretenimento Echo Moskvy ficaram contra, e, mesmo assim, nem todos no jornal.

Mas o outro lado ganhou muitas mulheres em menopausa. Até o editor delas adotou posição mais ponderada. Um grupo significativo foi chamado de “traidores” pelo presidente Putin, por se ter posicionado contra nós.

Mas, no geral, a imprensa-empresa russa não perdeu a infoguerra pela Ucrânia, e praticamente todos agiram com correção.

E, na Crimeia tudo foi organizado e feito muito corretamente. Do ponto de vista da lei internacional, nenhuma tentativa de desacreditar o que foi feito ali tem como sustentar-se. Tudo foi feito muito corretamente.

E, sim, a crise expôs vasta série de duplos padrões. Passei os olhos pela imprensa no momento e quero destacar alguns itens para vocês.

·       Num editorial de New Statesman, lia-se que “Putin violou a soberania da Ucrânia”. Violou, como? “Porque mandou tropas para a Crimeia”. É mentira. Nunca aconteceu. Deveríamos ter feito o quê? Convocar reunião dos diplomatas norte-americanos que organizaram o golpe para derrubar presidente eleito? É mentira. Completa mentira.

·       A respeitável The Economist, de 8 de março. Acusou Putin de ter-se tornado “mais autocrático”. Só isso. Sem dizer mais nada. Nenhum argumento. Nenhuma disposição para unir-se às fantasias lançadas sobre as pessoas pelo ocidente é “tornar-se (mais?) autocrático”. Por essa lógica, “democracia” significa lamber as botas da OTAN.

·       É a mesma via de distorcer, que já usaram contra Gaddafi, agora repetida contra Putin, na retórica dos artigos de março, sobre a situação na Rússia. Também na revista Time de 17 de março. Também na Spectator de 8 de março. Alguém de nome O'Sullivan, escreve: “Putin rompeu o consenso que brotou depois do fim da Guerra Fria”. Como se Putin tivesse algum dia reconhecido e aceito que o tal conceito tivesse, sequer, existido. Quem bombardeou a Iugoslávia foi a falta de decoro e vergonha, e a impunidade, da OTAN, a qual, como se já não bastasse, varreu a Iugoslávia, à bomba. Vocês provavelmente viram os filmes. Eu ouvi a história narrada pelos sérvios, há muito tempo. Além do que, quando bombardearam áreas sérvias, espalharam urânio por toda a região. Hoje, há quantidade imensa de casos de câncer na Sérvia. As pessoas morrem ainda hoje. Também lançaram espermicida, com as bombas, para produzir infertilidade masculina, para, assim, eliminarem os sérvios, que são força pró-Rússia, na Europa.

·       Adiante, na mesma edição de The Spectator comentam uma fala de Obama, que decidiu que “a Rússia está do lado errado da história”. Pela lógica de Obama, o lado certo da história seria o dos que arrasaram Hiroshima e Nagasaki com bomba atômica, atacaram o Vietnã, a Iugoslávia, o Iraque, a Líbia, mataram centenas de milhares de pessoas. Lado certo da história...

O infantil Garry Kasparov

[Comenta longamente o que Garry Kasparov escreveu. Importante na Rússia. Não é importante aqui. NTs].

O que realmente interessa é que a ordem mundial de 1945 entrou em colapso em 1989, em Malta, quando Gorbachev entregou tudo. Alguns jornalistas cunharam a expressão, mas não pegou: “Sistema Maltês”, para substituir “Sistema de Yalta”.

Seja como for, já não faz sentido algum falar sobre “romper a ordem mundial” firmada em Yalta.

Mas no que Kasparov escreveu, chama a atenção o que ele recomenda que o ocidente faça. E o que é? Diz que o ocidente tem de “pressionar os oligarcas”, os oligarcas, não Putin. Se o ocidente pressionar os oligarcas, eles mesmos farão o golpe e derrubarão Putin. É um cidadão russo, dizendo ao Departamento de Estado dos EUA, nos EUA, como deve proceder para produzir “mudança de regime” na Rússia!

Imaginem um cidadão norte-americano, escrevendo na Rússia ou, talvez, na China, para ensinar os locais a derrubarem Obama. Acho que esse cidadão teria problemas, problemas bem sérios nos EUA... Mas Kasparov continua livre, entra e sai da Rússia como queira, ninguém nem cogita de cassar-lhe os direitos de cidadania.

Qual a importâncias desses eventos de fevereiro-março? E aqui chegamos ao coração do assunto.

Pela primeira vez desde 1991, o ocidente, os EUA, constroem, embora clandestinamente, uma agressão contra o mundo russo. Porque a Ucrânia está no território do mundo russo. Organizaram uma agressão muito, muito longe das próprias águas. Não é razoável supor que a Ucrânia esteja na zona de interesse dos EUA. O México, talvez; talvez, até, Cuba. Podem até dizer que Cuba estaria na zona de interesse deles. Mas a Ucrânia é distante demais. Como o Iraque, também é distante demais.

Foi agressão, pela primeira vez, desde 1991. Entenderam que poderiam agir. E pela primeira vez, desde 1991, o agressor, aqui, não teve vida mansa. Foi absolutamente excelente.

Apesar da gritaria e barulheira no ocidente, não cedemos, nos reintegramos com a Crimeia e, como disse o presidente Putin na Praça Vermelha:

A Crimeia voltou ao seu porto nativo. Aconteceu assim. E podem gritar o quanto queiram. Pode-se cantar, como o grupo “Nautilus Pompilius”: Goodbye, America! – ganha até um tom simbólico: Goodbye, America!

Acabaram-se aquelas relações que havia sob os governos russos dos anos 1990s, até no primeiro mandato de Putin, também no período Medvedev. Foram-se aqueles dias. Porque o ocidente não perdoará o que nosso atual governo fez e está fazendo.

E, bem... se o ocidente ainda tinha alguma dúvida, já não há como duvidarem: “olhe aqui, ocidente, nós não somos Milošević, não somos Saddam Hussein nem Gaddafi” – E nem esses fariam, contra a Rússia, o que o ocidente fez. Agora, o ocidente já não pode ter dúvidas.

E o ocidente não tem breques. Sempre tentando resolver só os problemas deles, eles fazem e fazem e fazem, sempre o mesmo, até que se espatifam na parede.

OS PROBLEMAS QUE PERMANECEM

Agora, com essa maravilhosa reunificação com a Crimeia, com toda essa vitória crimeana, que realmente pôs fim a toda uma era, mesmo assim alguns problemas ainda permanecem.

O primeiro problema importante que permanece é a incompatibilidade entre (a) o rumo de nossa política exterior, que caminha na direção de restaurar o status da Rússia como grande nação, e (b) o curso econômico neoliberal do governo, a saber, o rumo que, nominalmente, Medvedev continua a dar ao governo.

É impensável, não se pode sequer considerar a possibilidade de um confronto contra o ocidente, se, internamente, nossa base forem economia e governo neoliberais.

A Rússia só podemos pensar em confrontar o ocidente, se estivermos apoiados numa economia de mobilização. Ao mesmo tempo, economia de mobilização só é possível dentro de um sistema social mobilizado. Em outras palavras, as relações com o ocidente que agora vão tomando forma para o futuro imediato, exigem mudanças domésticas muito sérias.

As mudanças internas requeridas na Rússia

A primeira mudança é cosmética: Uma política de supressão legal da 5ª Coluna. É absolutamente o primeiro passo a ser dado. Na sequência, temos de fortalecer vários pontos relacionados à economia e à estrutura social. Porque, num semestre, a euforia sobre a reunificação com a Crimeia já terá passado; e no outono nossos problemas econômicos reaparecerão à superfície.

Pela avaliação mais otimista, a economia crescerá 1%. Precisamos, no mínimo, de 5-6%. Claro: a insatisfação com a situação econômica será explorada pelos que organizaram o protesto de massa em Bolotnaya.

Tirarão vantagem da insatisfação das pessoas. Claro. Inventarão imediatamente uma aliança de neoliberais e ultranacionalistas. Logo se porão a falar contra “os oligarcas”, começará a “luta contra a corrupção”, e tal, e tal, e tal, como sempre.

Então, se forem bem-sucedidos, logo aparecerá outro grupo de ‘novos oligarcas’, para substituir os anteriores...

Revolução é algo que muda a estrutura socioeconômica. Nenhuma das tais “revoluções coloridas” mudou coisa alguma na estrutura socioeconômica. Apenas, que os regimes foram substituídos por regimes pró-Ocidente. Só isso, nada além disso. 

Esse é um aspecto que tem de ser muito bem compreendido.

Se a Rússia adotar um sistema de mobilização, a elite do Atlântico Norte e sua rede de agentes na Federação Russa imediatamente passarão a tentar derrubar o regime existente, o que será feito, repito, sob a bandeira da luta anticorruptos e anticorrupção e tal e tal.

Essa é a razão pela qual temos de prestar atenção à [Praça] Maidan de fevereiro e os heróis que lá se revelaram. Observem. Timoshenko subiu ao palanque em Maidan e disse que os eventos em Kiev são um modelo para os povos de todas as repúblicas pós-soviéticas em sua luta contra ditadores.

O filho do criminoso de guerra Shukhevych, Yury Shukhevych, que cumpriu pena de prisão, também ali, disse que:  

A Maidan de fevereiro é a continuação dos eventos de 1991, o início da segunda revolução antissoviética, depois da primeira, de 1991-1993, que deve finalmente destruir o sonho da ressurreição da União Soviética.

Para eles, visivelmente, Maidan foi uma continuação de 1991-93. A Rússia reagiu rapidamente e eficazmente àquela Maidan de fevereiro – protegendo a Crimeia. Eles não contavam com essa reação.

O segundo problema está intimamente conectado ao primeiro e brota dele: a 5ª Coluna. Os que Putin chamou de traidores, nacional-traidores. Quantitativamente, é um grupelho, mas inclui representantes das autoridades, dos negócios, a imprensa, jornalistas, da intelligentsia, da educação.

Basta identificar quem gritava a plenos pulmões que a reunificação da Crimeia seria o mesmo que Hitler fez na Áustria. Esse pessoal conseguiu esconder o fato de que a Áustria foi presente que Hitler recebeu da Grã-Bretanha e da França: sem a aprovação das duas, Hitler nunca teria anexado a Áustria.

E a razão pela qual deixaram que Hitler anexasse a Áustria? Porque Hitler não tinha reservas de moedas; e a Áustria tinha. Ao dar a Áustria a Hitler, deram-lhe o dinheiro necessário para rearmar-se. Na sequência, deram-lhe a Tchecoslováquia, porque Hitler precisava do potencial militar-industrial tcheco, que o Reich não tinha. E ele precisava atravessar a fronteira até a União Soviética.

A crise na Ucrânia mostrou a unidade entre povo e governo da Rússia, importante na questão de unir o mundo russo. Mas a crise torna necessário e urgente que se resolvam várias questões nesse país.

AS QUESTÕES A SEREM RESOLVIDAS COM URGÊNCIA

Em minha opinião, essas questões são as seguintes.

·       Primeiro: supressão da 5ª Coluna, por medidas político-judiciais – separá-los das empresas-imprensa e das fontes de financiamento, principalmente do ocidente.

·       Segundo: passagem para uma economia de mobilização, conectada a um sistema social mobilizado, do qual a economia de mobilização será um dos elementos.

·       Terceiro: reformatação da esfera legal-jurídica. Eliminar a precedência da lei internacional sobre a lei nacional. (Vale lembrar que nos EUA ou na Grã-Bretanha, a lei nacional tem precedência sobre a lei internacional. É coisa que conseguiram impingir com sucesso em vários países, mas não fizeram “em casa”).

Por fim à participação em estruturas abertamente anti-Rússia e parar – sobretudo! – de financiá-las.

·       Quarto: fortalecer a aliança militar com a Bielorrússia, apesar das complicações objetivas e subjetivas do processo. Pouca coisa do que Lukashenko disse sobre a situação na Crimeia me impressionou, mas ele disse uma coisa muito importante: que a Bielorrússia jamais tomará qualquer atitude que prejudique a Rússia. Isso é bom. Acho que deveria ter dito mais.

·       Quinto: contra-atacar o opositor, o agressor, não só por aqui, junto às nossas fronteiras, mas em todas as partes do mundo onde tenhamos a possibilidade de contra-atacar. É importante, para estabelecer o grau de vulnerabilidade do agressor.

Temos de nos encaminhar na direção do ocidente, exatamente como eles se encaminharam na direção da Rússia, desde que a Rússia começou a existir como tal em 1991.

Recentemente, o cineasta Karen Shakhnazarov disse algo que é muito verdade, numa entrevista à televisão: “O ocidente nunca pôs fim à Guerra Fria contra a Rússia. A União Soviética desintegrou-se, tudo continuou como antes”.

Brzezinski falou muito francamente numa de suas entrevistas, depois que a Guerra Fria já havia sido dada por acabada. Disse ele: “Que ninguém se engane: nós não estamos em guerra contra o comunismo, mas contra a Rússia, tenha o nome que tiver”.

Se tivesse dito “estamos em guerra contra o espírito russo”, nesse caso teria praticamente repetido as palavras de Churchill, em 1940:

Não estamos em guerra contra Hitler, nem contra o nacional-socialismo. Estamos em guerra como o espírito alemão, o espírito de Schiller, para que jamais seja ressuscitado.

A mesma espécie de castração espiritual que foi imposta aos alemães depois de 1945, eis o que quiseram fazer à Rússia, depois de 1991.

Numa de suas entrevistas, Alexander Rahr – é uma espécie de político alemão marginal –, disse que muitos políticos e jornalistas ocidentais não entendem por que a Rússia nunca se arrepende. Quis dizer: a Rússia perdeu a Guerra Fria. Então, para muitos, teria de fazer um ato de contrição.

Disse outra coisa, pela qual foi criticado no Ocidente: “Para o Ocidente, a vitória sobre a União Soviética não foi menos importante, e provavelmente foi mais importante, que a vitória sobre Hitler.” Porque Hitler era “gente deles”. A Rússia jamais foi.

Por tudo isso, temos de contra-agir contra o agressor, não só nas nossas fronteiras, e não só quando nos invadem. Temos de criar problemas para o agressor, onde ele seja vulnerável.

·       Sexto: temos de organizar, montar contra-ataque informacional massivo, poderoso contra a elite do Atlântico Norte. Particularmente agressivo, em todos os pontos nos quais eles têm problemas: especificamente, no mundo muçulmano e no mundo falante de espanhol.

Estou trabalhando em estreita cooperação com os serviços de idiomas espanhol e árabe, da rede Russia Today. Estão fazendo trabalho excelente.

O que significa ‘o público audiente de espanhol’? Não se trata só de América Latina e Espanha. Há público imenso de falantes de espanhol dentro dos EUA. Tem de ser explorado.

·       Sétimo e último: reconfigurar a consciência pública, e a prontidão, para a defesa. Não significa cada um se autoproteger. Defesa significa compreender claramente que vivemos tempos de guerra. Treinar a população, sobretudo os jovens, para estarem preparados para reagir contra qualquer agressão: militar, informacional, cultural, civilizacional.

Tenho visto com prazer o ressurgimento da educação militar-patriótica, e o conceito de “Prontidão para Serviço e Defesa” (ГТО). Lembro que, na escola, fazia exames na escola primária, depois na escola secundária, de “Prontidão para Serviço e Defesa”. Os exames incluíam testes físicos, corridas, jogando granadas. As crianças adorávamos aquilo. É abordagem robusta, da questão da defesa.

A razão pela qual vencemos a guerra foi que tínhamos as “Sociedades de Assistência à Defesa e Construção de Aviação-Química” [orig. ing. Societies of Assistance to Defense and Aviation-Chemical Construction, ru.ОСОАВИАХИМ]. Além das organizações públicas de esportes, nos anos 1930s. Realmente nos preparamos bem, por longo tempo. Quem quer paz – prepare-se para a guerra.

Somos povo pacífico, mas nosso trem blindado está pronto, na reserva.

Assim... As mudanças que aconteceram em fevereiro-março resumem-se como o fim da era das derrotas. Deixar para trás a era das derrotas é necessário, não só no front externo, mas também domesticamente. Ainda há por aí muitos personagens odiosos, do tempo de Ieltsin. Alguns se mudaram para a Ucrânia.

Há um jornalista, Kiselëv, Evgeny Kiselëv, tem o mesmo sobrenome que Dmitry Kiselëv. Vive na Ucrânia há vários anos. É homem de Berezovsky-Gussinsky. Trabalha no rádio, na Ucrânia, há muitos anos. Agora, anda dizendo que tem vergonha de ser russo. Disse isso. Pois nunca teve vergonha alguma de aprender, do ocidente, como operar na guerra da informação.

As políticas de informação deles são sempre de natureza ofensiva. Se nos condenamos a só reagir, estamos sempre um passo atrás, e assim se perde a guerra da informação.

Vencemos, na Crimeia, porque nosso governo, sobretudo o presidente Putin, sempre esteve um passo à frente do agressor. Putin agiu. Eles reagiram. Putin fixou a agenda.

[*] Andrey Fursov é historiador, do Instituto de Informação Científica em Ciências Sociais da Academia de Ciências da Rússia. Autor de mais de 200 trabalhos científicos, incluindo nove monografias. Em 2009 foi eleito acadêmico da Academia Internacional de Ciências (International Academy of Science). De acordo com os resultados da votação comunidade científica na Internet em 2000-2004 e 2005. entrou para a lista dos “100 maiores pensadores sócio-humanitários da Rússia”. Seus interesses investigativos se centram na metodologia da pesquisa sócio-histórica, teoria e história dos sistemas sociais complexos, apresenta sujeito histórico, o fenômeno do poder (e da luta mundial pelo poder, informação, recursos), sobre a História da Rússia, a História do Sistema Capitalista e comparações históricas comparativas Rússia Ocidental e Oriental




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