quarta-feira, 18 de março de 2015

O Exército Comum Europeu reduzirá a influência dos EUA na Europa? É o fim da OTAN?


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por Mahdi Darius Nazemroaya

tradução mberublue.

Proteção frente à Rússia seria a justificativa para a criação da Força Militar da União Europeia, mas também estaria no cenário a redução da influência dos Estados Unidos, agora que houve desencontros entre a União Europeia e Alemanha frente a OTAN e EUA, em relação à Ucrânia.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em declarações ao jornal alemão Welt am Sonntag, afirmou ter chegado o tempo da criação de uma força militar unificada da União Europeia. A retórica de Juncker versou sobre “a defesa dos valores da União Europeia”, insinuando que a criação de uma força armada europeia teria sido pensada como consequência de polêmicas com a Rússia, como maneira de enviar uma mensagem à Moscou.

Apesar da vontade, argumentação e polêmica da criação de uma tal força estar baseada na Rússia, a ideia real está dirigida diretamente contra os Estados Unidos. Nas entrelinhas estão as tensões que se desenvolveram entre os Estados Unidos, de um lado, e a União Europeia e a Alemanha, de outro. É por isso que a Alemanha reagiu de maneira estusiástica à proposta, dando total apoio para a confecção de um acordo que permita a criação de uma força armada  da União Europeia.

Anteriormente a Força Militar da União Europeia já havia sido pensada de forma mais séria durante os desenvolvimentos da invasão ilegal contra o Iraque em 2003, quando a Alemanha, França, Bélgica e Luxemburgo reuniram-se para discutir a possibilidade da criação de tal força como alternativa à OTAN, dominada pelos Estados Unidos. A ideia é recorrente quando situações similares acontecem. Em 2003, o atrito foi causado pela invasão liderada pelos EUA contra o Iraque. Em 2015, a vontade da criação da força armada da UE ocorre porque aumenta a polêmica entre Alemanha e Estados Unidos, relacionada à crise ucraniana.

Berlim e Paris estão repensando?

Para entender os últimos acontecimentos que fazem com que surja mais uma vez a vontade de criação de um exército comum para a União Europeia, temos que voltar os olhos para os eventos que ocorreram entre novembro de 2014 e março de 2015. Começaram quando Alemanha e França começaram a dar sinais de que estavam pensando melhor sobre as intenções belicistas que OTAN e EUA estavam evidentemente desenvolvendo e levando a efeito na Ucrânia e Europa Oriental.

As divergências entre Estados Unidos e França/Alemanha surgiram depois que Tony Blinken, antigo Vice Conselheiro para a Segurança Nacional de Barak Obama e atualmente Vice Secretário de Estado, o número dois da diplomacia do Departamento de Estado dos EUA anunciou que o Pentágono ia enviar armas para a Ucrânia durante uma inquirição do Congresso dos Estados Unidos sobre sua nomeação, que se realizou em 19 de novembro de 2014. Como colocou o Fiscal Times, “ao revelar que está pensando em armar a Ucrânia, Washington golpeia ao mesmo tempo a Rússia e os europeus”.

A resposta russa a Blinken veio através do Ministro de Relações Exteriores da Rússia, por meio de declaração de que se o Pentágono derramasse armas na Ucrânia, seria não apenas uma escalada perigosa do conflito, mas um sério sinal enviado pelos Estados Unidos de que a dinâmica do conflito ucraniano estaria mudando.

Percebendo que as coisas poderiam e na realidade já estavam saindo do controle, França e Alemanha reagiram através de uma iniciativa para a paz por meio de conversações diplomáticas levadas a efeito em Minsk, Belarus, que eventualmente conduziram a um novo acordo de cessar fogo, sob a coordenação do “Formato da Normandia”, que consistiu dos representantes da França, Alemanha, Rússia e Ucrânia. Os pessimistas podem argumentar que França e Alemanha só optaram pelas vias diplomáticas em fevereiro de 2015 porque os rebeldes do leste ucraniano, ou Novorussia como eles se denominam, derrotaram as forças de Kiev. Em outras palavras, a motivação primária pela diplomacia teria ocorrido apenas para salvar o governo de Kiev de ruir completamente mesmo antes de encontrar uma solução justa para o conflito no leste da Ucrânia. Em certa medida isso é bem verdade, mas a dupla Franco/Germânica também teve a motivação de não ver a Europa transformada em um inferno que transformaria a tudo e todos em cinzas escaldantes.

Tornaram-se visíveis as diferenças transatlânticas durante a Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro. Roberto Corker, senador dos Estados Unidos e presidente do Comitê do Senados dos Estados Unidos para Relações Exteriores comentou durante uma sessão de pergunta e resposta com a Chanceler alemã Angela Merkel que hoje se acredita no Congresso dos EUA que Berlin se empenhava em impedir que Washington publicamente aumentasse a ajuda militar dos Estados Unidos e da OTAN para as autoridades em Kiev.

Na resposta ao senador Corker, a chanceler Merkel foi muito explícita ao afirmar que a crise aguda pela qual passa atualmente a Ucrânia não poderia ser resolvida por meios militares e que a abordagem dos Estados Unidos não seria proficiente e ainda teria o condão de tornar as coisas muito piores do que já estão. Quando Merkel foi pressionada pelo membro do Parlamento Britânico Malcom Rifkind, presidente do Comitê de Inteligência e Segurança do Parlamento Britânico, ela afirmou que mandar mais armas a Kiev era irreal, além de inútil. Merkel exortou o britânico a “encarar a realidade”. Salientou ainda a chanceler que não há perspectiva de segurança para a Europa sem a Rússia.

Os esforços dos Estados Unidos, que queriam levar seus aliados europeus para a crescente militarização do conflito na Ucrânia foram contrariados pela posição assumida publicamente pela Alemanha. Enquanto o Secretário de Estado americano John Kerry teve que se abalar na tentativa de convencer a mídia e o público de que não havia qualquer ruptura ou estremecimento entre Washington e as posições da França e Alemanha, o rompimento foi largamente anunciado quando o senador norte americano John McCain, notório fomentador de guerras perdeu mais uma vez as estribeiras enquanto visitava a Bavária. Conforme relatado ele chamou a iniciativa de paz da França e Alemanha, de “palhaçadas de Moscou”. Passou então à crítica aberta contra Angela Merkel em uma entrevista para o canal alemão Zweites Deutsches Fernsehen – ZDF, o que levou o membro do parlamento alemão Peter Tauber, secretário geral da União Democrática Cristã (CDU) a exigir um pedido de desculpas do senador McCain.

O ressentimento alemão com o controle da OTAN pelos EUA

Bloomberg escreveu em fevereiro:
“Mesmo levando em conta a retórica alarmista sobre os bárbaros russos no portão, os países da OTAN estão relutantes em gastar dinheiro com base apenas em falatório. Aumento real de gastos militares neste ano, apenas nos países que fazem fronteira com a Rússia. Quanto aos demais, na maioria houve cortes. Independentemente do que dizem seus líderes sobre Vladimir Putin, eles não parecem acreditar que ele seja uma ameaça real para o ocidente”.

No entanto, Washington não desiste. Quando da ofensiva da França e da Alemanha pela paz teve início em fevereiro, o general Philip Breedlove – que é o supremo comandante das forças militares da OTAN – disse em Munique que “penso que não devemos deixar de lado a possibilidade da opção militar” na Ucrânia. Ora, o general Breedlove é um oficial da Força Aérea dos Estados Unidos, de cujo governo recebe ordens, o que faz com que a estrutura militar da OTAN esteja sob o comando dos Estados Unidos. Enquanto Paris e Berlim tentam desescalar o conflito, Washington sobe a aposta na guerra, usando Breedlove e o Secretário Geral da OTAN, Jens Stoltenberg.

Depois de falar com o Comitê das Forças Armadas do Congresso, o general Breedlove voltou a alegar que cresce a agressão russa na Ucrânia. A Alemanha, no entanto, refutou Breedlove classificando suas afirmações como uma “propaganda perigosa”.

O jornal Der Spiegel noticiou em 06 de março: “Os líderes alemães ficaram estupefatos. Não conseguiam entender sobre o que diabos falava Breedlove. E não era a primeira vez. Mais uma vez, o governo da Alemanha, apoiado pelas informações reunidas pelo Bundesnachrichtendienst (BND), a agência de inteligência externa da Alemanha não compartilhou a visão do Supremo Comando Aliado na Europa (SACEUR), da OTAN”.
Enquanto Berlim tentava abafar os relatos sobre as rachaduras nas relações com a OTAN sobre os comentários desastrados de Breedlove, o Ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Steinmeier, candidamente admitiu que era real o desacordo entre a Alemanha, Estados Unidos e OTAN, durante visita à Letônia em 07 de março. Na verdade, o que Steinmeier fez foi rebater e desmentir tanto as declarações dos Estados Unidos, quanto as da OTAN sobre a “agressão russa” na Ucrânia.

Na Letônia, a Alta Representante da União Europeia para Política Externa e Segurança, Federica Mogherini, deu anuência às declarações de Steinmeier. Em Riga, declarou aos repórteres que a União Europeia buscará uma abordagem realística com Moscou e que não forçará nem será forçada por ninguém na direção de uma relação de confrontação com a Rússia. Trata-se de uma mensagem tácita para Washington: A União Europeia já entendeu que não há paz possível na Europa sem a Rússia e não será posicionada como mero peão dos Estados Unidos contra Moscou.

A própria Alemanha é a cereja do bolo, o prêmio principal para os Estados Unidos no que tange ao conflito na Ucrânia, pela sua grande influência nos rumos da União Europeia. Assim, os Estados unidos continuarão a jogar lenha na fogueira na Ucrânia para desestabilizar a Europa e a Eurásia. Faz isso porque pode perfeitamente prever que Rússia de Europa caminhando juntos e formando um “Mercado Comum” de Lisboa a Vladivostok é o pesadelo presente nos sonhos das aspirações geopolíticas de Washington.

O Fiscal Times apresenta realisticamente a série de comunicados de altos oficiais americanos sobre o envio de armas dos Estados Unidos para a Ucrânia: “Dada a coreografia ensaiada repetidamente os analistas em Washington dizem que a probabilidade mais alta é a de que tudo não passa de um exercício de relações públicos para assegurar apoio para um programa de entrega de armas que já estaria além dos estágios iniciais de planejamento”, conforme notícia veiculada em 09 de fevereiro.

Na realidade, depois da Conferência de Segurança de Munique, revelou-se que carregamentos clandestinos de armas já estavam sendo feitos para Kiev. O presidente russo Vladimir Putin tornou o fato de conhecimento público durante uma conferência de imprensa conjunta com o Primeiro Ministro Húngaro Viktor Orban em Budapeste quando disse que “armas já estão sendo entregues secretamente para as autoridades em Kiev”.

No mesmo mês, um artigo intitulado “O que devem fazer os Estados Unidos e a OTAN para preservar a Independência da Ucrânia e resistir à agressão russa”, foi publicado discutindo a necessidade de enviar armas para a Ucrânia – suprimentos estes que variariam desde peças sobressalentes até mísseis de grosso calibre – como uma forma de finalmente lutar contra a Rússia. O artigo foi elaborado por um triunvirato dos principais think-thanks dos Estados Unidos, O Brookings Institute, O Atlantic Council e o Chicago Council on Global Affairs – os dois últimos fazem parte da torre de marfim do “think-tankistan” que faz parte dos círculos de Washington. Trata-se da mesma gangue que advogou pela invasão do Iraque, da Líbia, da Síria e do Irã.

OTAN, presta atenção! Um exército europeu unificado no horizonte?

O apelo pela formação de uma força militar da União Europeia tanto pela Alemanha quanto pela Comissão Europeia vem no contexto das divisões entre Europa e Washington.

A união Europeia e a Alemanha já entenderam plenamente que não há muito o que fazer para impedir as ações de Washington enquanto os EUA tiverem algo a dizer em relação à segurança europeia. Tanto Berlim quanto uma larga porção da Europa estão furiosos pela maneira pela qual os Estados Unidos estão usando a OTAN para cuidar de seus interesses e influenciar os acontecimentos dentro da Europa. Se não uma maneira de pressionar nas negociações entre a UE com Washington, os apelos pela formação de uma força militar europeia destinam-se a reduzir a influência de Washington na Europa e talvez, extinguir a OTAN.

Um exército que tornasse possível dispensar a OTAN teria um enorme peso estratégico negativo para os Estados Unidos. Neste contexto, Washington perderia seu apoio ocidental na Eurásia. O que “automaticamente representaria o fim do jogo na participação americana no tabuleiro do xadrez geopolítico da Eurásia”, nas palavras do antigo Conselheiro para a Segurança Nacional dos Estados Unidos Zbigniev Brzezinski. Os serviços de inteligência nos Estados Unidos já estão em alerta em relação aos riscos que um exército europeu representaria para a influência norte americana. A influente revista mensal Comissão de Judeus Americanos – que é filiada aos noecons do circulo de Washington pergunta no título de artigo elaborado por Seth Mandel: “Por que a Alemanha está enfraquecendo a OTAN?”. Enquanto isso, o Washington Examiner repica com outra pergunta impertinente, no título do artigo de Hoskingson: “O que está acontecendo com a influência dos Estados Unidos?”

 

É por isso que os fantoches mais abjetos dos Estados Unidos na Europa – especificamente Inglaterra, Polônia e os três Estados Bálticos fazem um alarido oposicionista à ideia de uma força militar comum. Enquanto Paris está ainda relutante de juntar-se aos apelos pelo exército da Europa, a sempre oportunista líder política de direita Marine Le Pen já afirmou ter chegado o tempo em que a França deve sair da sombra dos Estados Unidos.

 

O Primeiro Ministro inglês David Cameron retrucou a Jean-Claude Juncker afirmando que a ideia não passa de uma fantasia escandalosa, declarando que a segurança é atribuição nacional de cada país e não responsabilidade da União Europeia. Polônia e Letônia também reagiram ceticamente à proposta. Essas declarações só servem aos interesses dos Estados Unidos na preservação da OTAN como um instrumento de sua influência na Europa e na Eurásia.

 

10 Downing Street (endereço da residência oficial e gabinete do primeiro ministro da Inglaterra – NT) se contradiz quanto a ser o exército um assunto nacional e não assunto coletivo. Recentemente, em 2010, Londres assinou um tratado que na essência criou uma força militar naval conjunta com a França, compartilhando porta aviões, o que se tornou na prática uma força militar conjunta. Além disso o exército Britânico e os setores industriais militares da Inglaterra se encontram integrados com os dos Estados Unidos em vários graus.

 

Aqui há várias questões a serem examinadas. Serão os apelos para a formação de um exército europeu apenas uma forma de pressionar os Estados Unidos ou uma tentativa real para conter a influência de Washington na Europa? Mais: terão os movimentos efetuados por Berlim e seus parceiros nessa direção o objetivo de extinguir a influência de Washington na Europa através da desativação da OTAN pela criação de um exército comum europeu?

 

 


Por Mahdi Darius Nazemroaya é cientista social, escritor premiado, colunista e pesquisador. Suas obras são reconhecidas internacionalmente em uma ampla série de publicações e foram traduzidas para mais de vinte idiomas, incluindo alemão, árabe, italiano, russo, turco, espanhol, português, chinês, coreano, polonês, armênio, persa, holandês e romeno. Seu trabalho em ciências geopolíticas e estudos estratégicos tem sido usado por várias instituições acadêmicas e de defesa de teses em universidades e escolas preparatórias de oficiais militares. É convidado freqüente em redes internacionais de notícias como analista de geopolítica e especialista em Oriente Médio.   

Recentemente, em viagem pela América Central, contactou a Frente Sandinista de Libertação Nacional, em sua base em León, na Nicarágua. Como Observador Internacional esteve em El Salvador no primeiro turno das eleições.

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