ISIS e a nossa era.
por
Noam Chomsky
06 de setembro de
2014 – “Information Clearing House” – Não é prazeroso ficar a matutar sobre a
idéia de que, enquanto o crepúsculo cai sobre o mundo, passa pela cabeça da
coruja de Minerva a dura tarefa de assumir a interpretação da atual era da
civilização humana, que hoje está se aproximando de seu inglório fim.
A era teve início há
cerca de 10.000 anos no Crescente Fértil, alongando-se por terras do Tigre e do
Eufrates, através de Fenícia na costa oriental do Mediterrâneo até ao Vale do
Nilo, e de lá para a Grécia e além. O que acontece hodiernamente nessas
regiões, nos dá uma dolorosa lição sobre as profundezas para a qual a espécie
mergulha.
A terra do Tigre e do
Eufrates é o palco onde ocorrem cenas, nos anos recentes, de horrores
indescritíveis. A agressão promovida em 2003 por George W. Bush/Tony Blair que
muitos iraquianos comparam com a invasão mongol no século 13, foi mais um golpe
letal. Destruiu muito do que havia sobrevivido no Iraque à política de sanções
impostas pela ONU, manipulada por Bill Clinton, condenada como “genocida” pelos
eminentes diplomatas Denis Halliday e Hans Von Sponeck, que a administraram
antes de renunciarem em protesto. O relato devastador de Halliday e Von Sponeck
recebeu o tratamento comum ministrado aos fatos indesejados quando vêm à luz.
Uma das terríveis
consequências da invasão patrocinada por EUA e Reino Unido é descrita no “guia
visual da crise no Iraque e Síria” do New York Times: a mudança radical que
aconteceu em Bagdá, de uma vizinhança miscigenada e pacífica em 2003 para os
enclaves sectários mergulhados em ódio amargo dos dias atuais.
Grande parte da área
do Tigre/Eufrates hoje se encontra nas mãos do ISIS e seu auto declarado Estado
Islâmico, uma sinistra caricatura do Islã radical extremista que tem sua casa
na Arábia Saudita. Patrick Cockburn, um correspondente do jornal “The
Independent” e um dos mais bem informados analistas sobre o ISIS o descreve
como “uma organização horrível, fascista de muitos modos, extremamente
sectária, que assassina qualquer um que não acredite em sua particular e
rigorosa maneira de culto ao Islã”.
Cockburn também
salienta a contradição que existe na reação do ocidente à emergência do ISIS:
ao mesmo tempo em que tenta deter o avanço do ISIS, também se esforça para
enfraquecer o seu maior oponente na Síria, o regime de Bashar Assad. Ao mesmo
tempo, a maior barreira à difusão da praga ISIS para o Líbano é o Hezbollah,
odiado inimigo dos Estados Unidos e seu aliado Israel. Para complicar ainda
mais a situação, os Estados Unidos e o Irã agora dividem uma justificada
preocupação com o crescimento do Estado Islâmico, assim como de outros naquela
região altamente conflitada.
O Egito se encontra
mergulhado em dias sombrios, sufocado por uma ditadura militar que continua a
receber apoio dos Estados Unidos. Não estava escrito nas estrelas o destino do
Egito. Por séculos, sendas alternativas foram possíveis e não sem freqüência
uma pesada mão imperial barrou estes caminhos.
Depois dos renovados
horrores presenciados pelo mundo nas últimas semanas, torna-se desnecessário
comentar o que vem de Israel, que na história remota foi considerado como uma
reserva moral.
Há cerca de oitenta
anos, Martin Heidegger saudava o surgimento da Alemanha Nazista como a
esperança que o mundo proporcionava para resgatar os valores e a glória da
civilização grega em contraposição aos bárbaros do ocidente e do oriente. Hoje,
a Alemanha esmaga a Grécia sob o tacão da bota dos banqueiros e um regime
econômico destinado a manter a sua riqueza e o poder.
A previsão mais
provável para efetivamente acontecer está contida em um relatório preliminar
expedido pelo Comitê Intergovernamental para a Mudança Climática
(Intergovernmental Panel on Climate Change) o monitor, geralmente conservador,
do que está acontecendo com o mundo físico.
O relatório conclui
que o risco cada vez mais crescente de emissão de gás de efeito estufa “terá
impacto severo, generalizado e irreversível sobre pessoas e ecossistemas” nas
próximas décadas. O mundo se aproxima cada vez mais da temperatura através da
qual a perda do imenso manto de gelo que cobre a Groenlândia se tornará
irreversível. Junto com o derretimento do gelo da Antártida, isso pode elevar o
nível dos oceanos até a inundação de grandes cidades, bem como de planícies
costeiras.
A era da civilização
coincide aproximadamente com a época geológica do Holoceno, que teve seu início
há cerca de 11.000 anos. A época anterior, o Pleistoceno, durou por 2,5 milhões
de anos. Atualmente, os cientistas sugerem que a nova época seja chamada de
Antropoceno, começando 250 anos atrás, o que faria desta época a que marca o
período em que a atividade humana tem um impacto dramático no mundo físico. É
difícil ignorar o ritmo de mudança dessa época geológica.
Um dos índices do
impacto do surgimento dos seres humanos é a extinção das espécies, agora
estimado como sendo do mesmo nível de 65 milhões de anos atrás, quando um
asteróide colidiu com a Terra. Presume-se que seja esta a causa da extinção dos
dinossauros, o que abriu a possibilidade para o progresso e proliferação dos
mamíferos, que acabou resultando nos seres humanos. Hoje o asteróide são os
humanos, que condenam a maior parte da vida à extinção.
O relatório do IPCC
reafirma que a “grande maioria” das reservas conhecidas do combustível fóssil
deveria ser deixada no subsolo por trazer riscos intoleráveis para as gerações
futuras. Enquanto isso, as maiores corporações energéticas não fazem segredo de
sua meta de explorar essas reservas e descobrir novos campos de exploração.
Apenas um dia antes
da publicação do resumo das conclusões do IPCC, o jornal New York Times relatou
que muito do estoque de grãos do Centro Oeste estava apodrecendo para que o
óleo extraído no recente boom de petróleo de Dakota do Norte pudesse ser
transportado por via férrea e enviado para a Europa e Ásia.
Uma das consequências
mais temidas do perigo antropogênico global é a possibilidade de derretimento
das regiões de pergelissolo (permafrost no original – NT). Um estudo da Science
Magazine alerta que “mesmo um pequeno aumento da temperatura (menor do que o
que pode ocorrer [e já se antecipa] nos próximos anos) pode começar o
derretimento do pergelissolo, o que por sua vez ameaça disparar o gatilho da liberação
de grandes massas de gás de efeito estufa atualmente presos no gelo, com conseqüências
possivelmente fatais para o clima global”.
Arundhati Roy lembra
que “a metáfora mais apropriada para ilustrar a insanidade em nossos dias” é o
Glaciar Siachen, onde soldados hindus e paquistaneses mataram uns aos outros na
luta que aconteceu no campo de batalha mais alto do mundo até hoje.
Hodiernamente, o glaciar está se derretendo, revelando “milhares de cápsulas usadas
de artilharia, tambores de combustível vazios, machados de gelo, velhas botas,
barracas e outras coisas aos milhares, que humanos produzem quando em guerra
uns contra os outros nos seus estúpidos conflitos.” Agora, com o derretimento
do glaciar, Índia e Paquistão estão face a face com desastres indescritíveis.
Triste espécie. Pobre
Coruja.
Noam Chomsky
Tradução: mberublue
Prezado Roberto
ResponderExcluirEstamos sem notícias suas há muito tempo! Cadê você? Hoje o UOL devolveu um e-mail nosso, pois o endereço mberublue@uol foi desativado. Agora estamos muito preocupados...
Abração