Pres. Vladimir
Putin: Terrorismo internacional e Turquia
Conferência de imprensa e P
& R, depois da reunião com o pres. da França, François Hollande, 26/11/2015
transcrição do Kremlin (trad.
ao fr. Salah Lamrani) – Tradução de Vila Vudu
Vladimir
Putin, presidente da Rússia: Senhoras e
senhores, boa-noite.
Tivemos negociações substanciais com o presidente francês, conduzidas de modo
construtivo e baseadas numa relação de confiança. Naturalmente, dedicamos
atenção máxima à questão da luta conjunta contra o terrorismo internacional.
O ataque bárbaro ao avião russo sobre a península do Sinai, os horríveis
eventos em Paris e os ataques terroristas no Líbano, na Nigéria e no Mali
causaram grande número de vítimas, das quais centenas de cidadãos russos e
franceses. É nossa tragédia comum, e nos mantemos unidos em nosso compromisso
de encontrar os culpados e levá-los ao tribunal.
Já intensificamos a operação das forças armadas russas contra os terroristas na
Síria. Nossas ações militares são eficazes: os militares do dito 'Estado
Islâmico' e outros grupos radicais sofreram perdas pesadas. Perturbamos os
mecanismos de funcionamento dos extremistas, causamos dano à infraestrutura
militar deles e minamos consideravelmente a sua base financeira. Refiro-me, em
primeiro lugar, ao comércio ilícito de petróleo, que gera lucros imensos para
os terroristas e seus apoiadores.
Todos os que se servem de duplos padrões em suas relações com os terroristas,
utilizando-se deles para alcançar seus próprios objetivos políticos e
envolvem-se em atividades comerciais ilícitas como sócios de terroristas estão
brincando com fogo. A história mostra que cedo ou tarde essas ações viram-se
contra os que encorajam os criminosos.
Rússia e França sabem o que significa a ação em espírito de aliança; estivemos
unidos mais de uma vez ao longo de nossa história. Hoje, decidimos intensificar
nossos esforços comuns para a luta antiterrorista, melhorar a qualidade da
troca de informações operacionais na luta contra o terrorismo e estabelecer um
trabalho construtivo entre nossos especialistas militares, como o objetivo de
evitar qualquer incidente, concentrando nossos esforços a fim de assegurar que
nosso trabalho na luta contra o terrorismo seja mais eficaz, evitando ações
contra territórios e forças armadas que também combatem contra os terroristas.
O presidente Hollande e eu entendemos que esse tipo de cooperação é contribuição
concreta e prática à formação de uma grande coalizão antiterrorismo, de uma
grande frente antiterrorista sob os auspícios da ONU. Destaco que é crescente o
número de nações que tratam já de unir-se a essa iniciativa.
Estamos convencidos de que a erradicação do terrorismo na Síria criará
condições necessárias para que cheguemos a um acordo e, no longo prazo, ao fim
da crise síria. Decidimos que continuaremos a trabalhar juntos muito ativamente
no quadro do Grupo internacional de apoio à Síria e a agir em favor da
realização de todos os acordos firmados no seio desse grupo, sobretudo no que
tenha a ver com detalhes e parâmetros para que se constitua e avance um diálogo
inter-sírios.
Nas conversações de hoje, não poderíamos ter ignorado a situação na Ucrânia;
nesse contexto, discutimos as perspectivas de cooperação no Formato Normandia.
Continuaremos a insistir em que sejam postas em prática todas as cláusulas dos
acordos de Minsk de 12 de fevereiro.
Concluindo, devo agradecer ao senhor presidente da França e a todos os
companheiros franceses por esse diálogo aberto e construtivo. Decidimos
continuar nossas conversações em Paris, no quadro da Conferência da ONU para
mudança climática.
PERGUNTAS
& RESPOSTAS
(Jornalista francês): Boa-noite. Uma pergunta ao Sr. Putin. Senhor
presidente, o senhor concorda com a ideia de que manter no cargo o Sr. Assad é
um entrave à realização de seus objetivos comuns? Chegaram a algum acordo sobre
que grupos podem e não podem ser tomados como alvos dos ataques aéreos?
Vladimir Putin: Entendo que a sorte do presidente da Síria deve ser
decidida inteiramente pelo povo sírio.
Concordamos entre nós que é completamente impossível lutar com sucesso contra o
terrorismo na Síria sem operações de solo, e não há forças hoje que possam
executar operações terrestres na luta contra Daesh, Frente al-Nusra e outras
operações terroristas, exceto as forças do exército do estado sírio.
Quanto a isso, entendo que o exército do estado sírio sob o comando do
presidente Assad e o próprio presidente Assad são nossos aliados naturais na
luta contra o terrorismo. É possível que haja outras forças em solo, que
declarem sua disposição de lutar contra o terrorismo. Atualmente, estamos
cuidando de estabelecer contato com essas forças, já o fizemos com algumas
delas e, como eu mesmo já disse várias vezes, estamos prontos a ajudá-las nos
seus esforços na luta contra o Daesh e outras organizações terroristas, como já
apoiamos o exército de Assad.
Decidimos também, e entendo que é parte muito importante de nossos acordos com
o senhor presidente da França, hoje, que – assim como fazemos com outros países
da região – trocaremos informações sobre os territórios ocupados em maior parte
por grupos da oposição 'sã', mais do que por terroristas; e evitaremos dirigir
nossos golpes aéreos contra esses territórios. Também trocaremos informações
porque nós – França e Rússia – temos absoluta certeza de que alguns territórios
são ocupados por organizações terroristas, e coordenaremos nossos esforços
nessas zonas.
(Jornalista russo): Tenho uma pergunta para o presidente da Rússia. Senhor
presidente, trata-se aqui de uma coalizão de grande envergadura e, quanto a
isso, gostaria de perguntar sobre o específico lugar da Turquia nessa história.
Hoje, por exemplo, o exército russo sinalizou que intensificou os ataques sobre
a região do território sírio onde o avião russo foi abatido.
Ao mesmo tempo, jornais e jornalistas turcos acusam a Rússia de, praticamente,
ter bombardeado um comboio humanitário. Nesse contexto, o assunto
"Turquia" foi objeto de discussão na reunião com o presidente
francês? E o que nos podem dizer sobre o papel da Turquia nessa história e nas
nossas relações com aquele país?
Vladimir Putin: Como todos sabem, a Turquia é membro da Organização do
Tratado do Atlântico Norte, OTAN. A França também é estado membro da OTAN, e
compreendemos a posição da França nessa situação. Mas o senhor presidente da
França manifestou condolências imediatamente depois da morte dos nossos
militares, e lhe somos reconhecidos por isso.
Quanto ao território mencionado em sua pergunta, onde morreram militares
russos, de fato, as forças armadas sírias utilizaram-se de seus lança-foguetes
múltiplos, fornecidos por nós recentemente, em ações coordenadas com a Força
Aérea Russa, e os ataques contra essa região foram intensificados imediatamente
depois que recebemos informações confiáveis de que um militar russo havia sido
morto ali, e pudemos tomar as necessárias providências para salvar o segundo.
Não poderia ser diferente. Essa é a maneira correta de agir.
Inicialmente, quero registrar um comentário sobre o que pensamos do assunto de
haver ali algumas tribos próximas da Turquia, os turcomenos. Uma pergunta
impõe-se imediatamente: o que fazem naqueles territórios representantes de organizações
terroristas turcas, que se exibem para as câmeras de TV e postam imagens suas
na Internet?
Segundo: o que fazem ali, naquele território, criminosos fugitivos que a
Federação Russa procura por crimes praticados aqui e que são claramente
classificados como terroristas internacionais? Nossos militares operavam
naquele quadrante para impedir a volta possível dessas pessoas ao território
russo para cometerem mais crimes; nossos militares cumpriam seu dever com a
Rússia, diretamente. Digo, diretamente! Repito a minha pergunta: o que fazem lá
aquelas pessoas?
Entendemos que é perfeitamente justificado que intensifiquemos os esforços de
nossa aviação naquela área e que apoiemos a intensificação dos esforços,
também, das forças sírias.
Quanto ao bombardeio de algum comboio humanitário, tanto quanto sei a
organização humanitária da qual as autoridades turcas falavam já se manifestou
e declarou que não tinha nenhum comboio ou representante seu naquela zona, no
momento em que ocorreram os fatos. Se algum comboio havia ali, com certeza não
era pacífico. Se havia algum "comboio" naquela região, suponho que,
como ordena a lei internacional, teria de ter declarado que tipo de comboio
seria, para onde ia e o que fazia ali. Dado que nada disso foi feito, supusemos
que a carga transportada pelo tal comboio nada teria de humanitária. Aí está
mais um elemento de prova de que os terroristas internacionais contam com
cumplicidades consideravelmente importantes.
(Jornalista francês): Boa-noite. Minha pergunta é dirigida aos dois
presidentes. Senhor Putin, por que o senhor instalou na Síria os sistemas S-400
de foguetes múltiplos? Senhor Hollande, essa instalação dos S-400 é compatível
com os esforços da coalizão internacional [fala da coalizão EUA-OTAN]?
Vladimir Putin: O S-400 não é sistema de lança foguetes múltiplos, mas um
sistema de múltiplos mísseis antiaéreos. Não havíamos trazido antes esses
sistemas para o território sírio, porque nossa aviação opera em altitudes que
nenhum terrorista alcançaria. Os terroristas não têm a necessária tecnologia
militar para abater avições que voem acima de 3, 4 mil metros.
Jamais antes nos passara pela cabeça que poderíamos se atacados por estado e
exército que supúnhamos que fosse nosso aliado.
De fato, os nossos aviões, voando a alturas de 5-6 mil metros, não estavam
absolutamente protegidos: não estavam protegidos contra ataque por jatos de
caça de outro país, em céus sírios. Se tivéssemos suposto que um ataque como o
que sofremos seria possível, o S-400 já estaria na Síria há muito tempo, para
proteger nossos aviões.
E há também outras formas de tecnologias e proteções militares, por exemplo
caças de escolta ou, pelo menos, técnicas de defesa antimísseis, principalmente
as defesas térmicas. Os especialistas sabem fazer operar tudo isso.
Mas repito: nada disso havia sido feito antes, porque entendíamos que a Turquia
fosse estado amigo e absolutamente não esperávamos que a Turquia atacasse a
Rússia. Por isso, precisamente, entendemos que o que foi feito foi como
punhalada pelas costas.
Vimos agora que, sim, pode acontecer. A Rússia perdeu soldados naquela área.
Temos o dever de garantir a segurança de nossas tropas e de nossos aviões. Por
isso instalamos lá um moderno sistema S-400. Funciona sobre grandes distâncias
e é um dos mais eficazes sistemas desse tipo que há hoje no mundo.
Mas não ficaremos só nisso. Se for necessário, complementaremos a atividade de
nossos caças com aviões de combate e outros meios, inclusive, é claro, de
guerra eletrônica. Fato é que há muitos meios de proteção, e agora os
alocaremos e utilizaremos.
Nada disso contradiz o que fazemos com a coalização dirigida pelos EUA.
Trocamos informações com ela, mas estamos muito preocupados com a natureza das
trocas e os resultados de nosso trabalho comum.
Considerem o seguinte: alertamos nossos parceiros norte-americanos com
antecedência sobre as zonas nas quais nossos pilotos operarão, altitude, etc.
Os EUA, que dirigem a coalização que inclui a Turquia, sabiam hora e local
onde estariam nossos aviões e nossos pilotos. Fomos atacados precisamente nesse
ponto.
Pergunto aos senhores: de que nos serviu ter fornecido aquela informação aos
EUA? Ou os EUA não conseguem controlar nem o que fazem os seus próprios
aliados, ou os EUA distribuem a torto e a direito as informações que recebam,
sem nem perceber as consequências. Naturalmente tínhamos de promover reuniões
sérias de consulta com nossos parceiros sobre essa questão. Mas o sistema de
mísseis de defesa aérea não é, de modo nenhum, dirigido contra nossos parceiros
com os quais lutamos contra os terroristas na Síria.
(Jornalista russo): O senhor falou da necessidade de organizar uma grande
coalizão. Será esse o tipo de coalizão da qual o senhor falou em seu discurso
na ONU, ou prosseguirá a disputa entre diferentes 'coalizões'? Se a disputa
prossegue, teremos de perguntar sobre a eficácia de haver duas coalizões,
particularmente depois do incidente com o avião russo. Ou quem sabe os senhores
têm em vista uma nova coalizão comum e, se for esse o caso, é possível que tal
coalizão possa vir a agir também em outros países ameaçados pelo Daesh, não só
na Síria?
Vladimir Putin: No que concerne à coalizão, o presidente Hollande e eu
discutimos essa questão hoje. Respeitamos a coalizão organizada pelos EUA e
estamos prontos a trabalhar com essa coalizão. Entendemos que seria preferível
estabelecer coalizão unificada e comum. Isso tornaria mais simples e mais fácil
e, penso eu, também mais eficaz fazer a coordenação de nossos esforços comuns nessa
situação. Mas se nossos parceiros não estão prontos a fazer tal
coisa... Sim, sim, foi disso que falei na ONU. Mas se nossos parceiros não
estão dispostos, muito bem, também podemos trabalhar em outros formatos, em
qualquer formato que nossos parceiros considerem aceitável. Sim, estamos
dispostos e prontos a cooperar com a coalizão construída pelos EUA.
Mas é claro que incidentes como a morte de nossos militares – o piloto e um Marine que
tentava salvar os companheiros de armas – e a destruição do nosso avião são
totalmente inaceitáveis. Nossa posição é que nada disso pode voltar a
acontecer. Para impedir que tais coisas voltem a acontecer, não precisamos nem
de cooperação nem de coalizão com país algum.
Discuti tudo isso, em detalhes, com o presidente da França. Acertamos que
trabalharemos juntos no futuro imediato, em formato bilateral e, em geral, com
a coalizão organizada pelos EUA.
A questão é delimitar territórios que sejam alvos preferenciais para serem
atacados e os territórios nos quais é prudente evitar ataques; trocaremos
informações sobre essas questões e outras, e coordenaremos a ação em áreas de
combate.
Quanto à questão do contrabando de petróleo e a questão de que foram destruídas
instalações em território turco, questões que vieram à tona na reunião do G20,
que acontecia precisamente na Turquia, em Antalya, já exibi imagens e já falei
publicamente sobre isso. As imagens foram colhidas por nossos pilotos, de uma
altura de 5 mil metros. Os veículos que transportavam petróleo contrabandeado
formavam fila tão longa que, mesmo daquela distância a fila desaparecia no
horizonte. É como um oleoduto sobre rodas. O petróleo está sendo contrabandeado
e fornecido em escala industrial, saído de áreas do território sírio que estão
no momento controladas pelos terroristas. Esse petróleo provém dessas regiões,
não de outras regiões.
Pode-se ver do alto, de nossos aviões, para onde se dirigem aqueles
caminhões-tanques: dirigem-se para a Turquia e não param nunca, dia e noite.
Posso imaginar que os mais altos governantes turcos não saibam de nada disso. É
difícil acreditar que não saibam, mas, teoricamente, é possível que ainda não
soubessem.
Mas nada disso significa que, agora que já foram informadas, as autoridades
turcas não tenham o dever de pôr fim àquele contrabando.
O Conselho de Segurança da ONU adotou resolução especial que proíbe que alguém
compre petróleo diretamente dos terroristas, porque aqueles barris e
caminhões-tanque não contém só petróleo: estão cheios também de sangue de
nossos cidadãos; e porque os terroristas servem-se do dinheiro desse comércio
para comprar armas e munição e para montar ataques sangrentos como esse, contra
nosso avião civil no Sinai e os atentados em Paris e em outras cidades e
países.
Se as autoridades turcas queimam o petróleo que confiscariam dos
contrabandistas... por que ninguém vê qualquer sinal de fumaça? Permitam que
repita que o contrabando de petróleo atinge, ali, escala industrial. Seria
preciso construir instalações especiais para conseguir destruir tais
quantidades de petróleo. Nada disso está acontecendo. Se os mais altos
governantes da Turquia não estavam informados do que se passa, a partir de
agora já têm o dever de abrir os olhos.
Não tenho nenhuma resistência a acreditar que há corrupção e pode haver
contratos clandestinos gigantescos. É indispensável que tudo isso venha à luz.
Mas não resta nenhuma dúvida de que o petróleo viaja diretamente para a
Turquia. Já vimos de nossos aviões e já fotografamos e já mostramos as imagens.
O fluxo de caminhões é ininterrupto e os caminhões voltam vazios. São
carregados na Síria, em território controlado pelos terroristas, vão para a
Turquia e retornam à Síria vazios. Todos os dias. Lá estão e podem ser vistos
todos os dias.
Quanto à questão de se o presidente turco deveria, ou não, renunciar à
presidência, não é coisa que nos diga respeito; só diz respeito ao povo turco.
Os russos nunca nos metemos em assuntos internos de outros países e não
começaremos agora. Mas é uma lástima perder as relações bilaterais sem
precedentes que desenvolvemos com a Turquia ao longo dos últimos anos. Nossas
relações haviam alcançado alto grau e considerávamos a Turquia não só como
nação vizinha, mas também como país amigo e praticamente como nação aliada. É
triste ver tudo isso destruído com brutalidade e levianamente.
Quanto à ideia, que também circulou, segundo a qual a aviação turca não teria
reconhecido nosso avião, é absolutamente impossível. Fora de questão.
Impossível. Nossos aviões são muito claramente identificados. Não há quem não
visse que se tratava de avião russo. Fora de questão.
Além disso – permitam que eu repita mais uma vez –, conforme os acordos que
temos com os EUA, sempre demos aos norte-americanos todas as informações
antecipadas sobre a operação de nossos aviões, formações, zonas e horários.
No momento, estamos trabalhando a partir da hipótese de que a coalizão
EUA-Turquia é efetiva e que todos os membros dela sabiam, sim, que havia aviões
russos em operação naquele ponto, naquele momento. Que outros aviões seriam, se
não os nossos? E se os turcos tivessem identificado ali um avião dos EUA?
Teriam derrubado um avião norte-americano?
De fato, esses argumentos dos turcos são absolutamente absurdos e
inverossímeis, tentativa de arranjar desculpas.
É lastimável que, em vez de determinar investigação aprofundada e séria sobre o
que realmente aconteceu, e de tomar medidas para garantir que esse tipo de ação
criminosa não se repita, os turcos só façam repetir tolices e declarações
confusas. Aliás, nem desculpas apresentaram e entendem que não devem desculpas.
OK. Eles resolveram assim. Não é ideia nossa; é ideia da Turquia.