segunda-feira, 27 de abril de 2015

A cegueira da União Europeia face à estratégia militar dos Estados Unidos


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por Thierry Meyssan
tradução : Alba
Os responsáveis da União Europeia enganam-se completamente acerca dos atentados islamistas na Europa e as migrações para a União de gente fugindo das guerras. Thierry Meyssan mostra aqui que tudo isto não é a consequência acidental dos conflitos no Médio-Oriente alargado e em África, mas sim um objectivo estratégico dos Estados Unidos.

REDE VOLTAIRE  27 DE ABRIL DE 2015 



Os dirigentes da União Europeia encontram-se súbitamente confrontados com situações inesperadas. Por um lado, atentados ou tentativas de atentados perpetrados, ou preparados, por indivíduos que não pertencem a grupos políticos identificados; por outro lado um afluxo de migrantes, via mar Mediterrâneo, dos quais vários milhares morrem às suas portas.
Na ausência de análise estratégica, estes dois acontecimentos são considerados a priori como não tendo relação entre si e são tratados por administrações diferentes. Os primeiros recaem sobre os serviços de Inteligência e da polícia, os segundos sobre os serviços de alfandega e da Defesa. Ora, eles têm no entanto uma origem comum: a instabilidade política no Levante e em África.
A União Europeia privou-se dos meios para compreender
Se as academias militares da União Europeia tivessem feito o seu trabalho de casa, elas teriam estudado nos últimos quinze anos, a doutrina do «big brother» norte-americano. Com efeito, desde há longuíssimos anos, o Pentágono publica todo o tipo de documentos sobre a «teoria do caos» copiada do filósofo Leo Strauss. Há ainda alguns meses, um funcionário que já deveria ter sido aposentado há mais de 25 anos, Andrew Marshall, dispunha de um orçamento de 10 milhões de dólares anuais para realizar pesquisas sobre este assunto [1]. Mas nenhuma academia militar da União estudou seriamente esta doutrina e as suas consequências. Tanto porque é uma forma de guerra bárbara e também porque ela foi concebida por um mestre pensador das elites judias norte-americanas. Ora, está-se a ver, os Estados Unidos-que-nos-salvaram-do-nazismo não podem preconizar tal tipo de atrocidades [2].
Se os políticos da União Europeia tivessem viajado um pouquinho, não apenas no Iraque, na Síria, na Líbia, no Corno de África, na Nigéria e no Mali, mas também na Ucrânia, eles teriam visto com os seus próprios olhos a aplicação desta doutrina estratégica. Mas, eles contentaram-se em vir falar num prédio da Zona Verde em Bagdade, num palanque em Tripoli ou na praça Maidan de Kiev. Eles ignoram aquilo que as populações vivem e, a requisição do seu «Grande Irmão-big brother» fecharam muitas vezes as suas embaixadas de tal modo que se privaram de ter olhos e ouvidos no local. Melhor, eles subscreveram, sempre a requisição do seu «Grande Irmão», embargos, de modo que nenhum homem de negócios pudesse ir, nunca mais, até aos locais testemunhar o que acontecia por lá.
O caos não é um acaso, é o objectivo

Contrariamente ao que disse o presidente François Hollande, a migração de Líbios não é a consequência de uma «falta de acompanhamento» da operação «Protector unificado», mas o resultado pretendido por esta operação na qual o seu país desempenhou um papel de líder. O caos não se instalou porque os «revolucionários líbios» não se puseram de acordo entre si após a «queda» de Muammar el-Kadafi, ele era o objectivo estratégico dos Estados Unidos. E estes conseguiram atingi-lo. Não houve uma «revolução democrática» na Líbia, jamais, mas sim uma secessão da Cirenaica. Jamais houve uma aplicação do mandato da Onu visando «proteger a população», mas o massacre de 160.000 Líbios, três quartos dos quais civis, sob os bombardeamentos da Aliança (dados da Cruz-Vermelha Internacional).
Eu lembro-me, antes de me juntar ao governo da Jamahiriya árabe Líbia, ter sido solicitado para servir de testemunha aquando de uma reunião em Tripoli entre uma delegação dos EUA e representantes líbios. Durante esta longa reunião, o chefe da delegação dos EU explicou aos seus interlocutores que o Pentágono estava pronto a salvá-los de uma morte certa, mas exigia que o Guia lhe fosse entregue. Ele acrescentou que, quando el-Kaddafi estivesse morto, a sociedade tribal não conseguiria aceitar uma nova liderança antes de, pelo menos, uma geração, o país seria então mergulhado num caos que jamais havia experimentado. Eu relatei esta conversação em numerosas ocasiões e não parei, desde o linchamento do Guia, em outubro de 2011, de predizer aquilo que acontece hoje em dia.
A «teoria do caos»Quando, em 2003, a imprensa norte-americana começou a referir a «teoria do caos», a Casa Branca ripostou evocando um «caos construtivo», insinuando que se iriam destruir estruturas de opressão para que a vida pudesse fluir em liberdade. Mas jamais Leo Strauss, nem o Pentágono até então, haviam usado esta imagem. Pelo contrário, segundo eles, o caos seria tal ordem que nada aí se pudesse estruturar, para além da vontade do Criador da Ordem nova, os Estados Unidos [3].

O princípio desta doutrina estratégica pode ser resumido assim : o modo mais simples para pilhar os recursos naturais de um país, durante um longo período, não é de o ocupar, mas o de destruir o Estado. Sem Estado, nada de exército. Sem exército inimigo, não há nenhum risco de derrota. Portanto, o objectivo estratégico dos militares dos E.U. e da aliança que ele dirige, a Otan, é exclusivamente o de destruir os Estados. O que acontece às populações atingidas não diz nada a Washington.
Este projeto é inconcebível para os europeus que, desde a Guerra Civil Inglesa, ficaram convencidos pelo Leviathan(Leviatã-ndT) de Thomas Hobbes, que é talvez preferível renunciar a algumas liberdades, ou até mesmo aceitar um Estado de tirania, do que ficar mergulhado no caos.
A União Europeia nega a sua cumplicidade nos crimes E.U.
As guerras no Afeganistão e no Iraque custaram já a vida a 4 milhões de pessoas [4]. Elas foram apresentadas perante o Conselho de Segurança como respostas necessárias «em legítima defesa», mas sabe-se agora que haviam sido planificadas bem antes do 11-de-Setembro num contexto muito mais amplo de «remodelagem do Médio-Oriente Alargado», e que as razões evocadas para as desencadear não foram senão fabricações propagandísticas.
É costume reconhecer os genocídios cometidos pelo colonialismo europeu, mas poucos são aqueles que actualmente admitem estes 4 milhões de mortos, apesar dos estudos científicos que o atestam. É que os nossos pais eram «maus», mas nós somos «bons» e não podemos ser cúmplices destes horrores.
É comum fazer troça deste pobre povo alemão que manteve até ao fim a sua confiança nos seus dirigentes nazistas e não tomou consciência, senão após a sua derrota, dos crimes cometidos em seu nome. Mas nós agimos exactamente da mesma forma. Conservamos a nossa confiança no nosso «Grande Irmão» e não queremos ver os crimes em que ele nos envolve. Seguramente, os nossos filhos se rirão de nós...
Os erros de interpretação da União Europeia
Descrição: - Nenhum dirigente europeu-ocidental, absolutamente nenhum, ousou publicamente considerar que os refugiados do Iraque, da Síria, da Líbia, do Corno de África, da Nigéria e do Mali estejam fugindo de ditaduras, ao invés do Caos em que nós voluntariamente, mas inconscientemente, mergulhamos os seus países.
Descrição: - Nenhum líder da europeu-ocidental, absolutamente nenhum, ousou publicamente considerar que os atentados «islamitas» que atingem a Europa são a extensão das guerras do «Médio-Oriente Alargado», mas que são comanditados por aqueles que, igualmente, comanditaram o caos nesta região. Nós preferimos continuar a pensar que os «islamitas» querem atacar os judeus e os cristãos, quando a imensa maioria das suas vítimas não são nem judias nem cristãs, mas muçulmanas. Com sobranceria, nós os acusamos de promover a «guerra de civilizações», quando o conceito foi forjado no seio do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos e é estranho à sua cultura [5].
Descrição: - Nenhum dirigente europeu-ocidental, absolutamente nenhum, ousou publicamente considerar que a próxima etapa será a «islamização» das redes de distribuição de drogas como no modelo dos Contras da Nicarágua vendendo as drogas na comunidade negra da Califórnia com a ajuda e sob as ordens da CIA [6]. Nós decidimos ignorar que a família Karzai retirou a distribuição da heroína afegã à máfia Kosovar e a encaminhou para o Daesh(Exército Islâmico- ndT) [7].
Os Estados-Unidos jamais quiseram que a Ucrânia se junte à União
As academias militares da União Europeia não estudaram a «teoria do caos», porque elas a isso foram interditas. Os poucos professores e pesquisadores que se aventuraram neste campo foram severamente sancionados, enquanto a imprensa qualificava de «conspiracionistas» os autores civis que a tal se interessavam.
Os políticos da União Europeia pensavam que os acontecimentos da praça Maidan eram espontâneos e que os manifestantes queriam deixar a órbita autoritária da Rússia e entrar no paraíso da União. Ficaram estupefactos aquando da publicação da conversa da sub-secretária de Estado, Victoria Nuland, evocando o seu controlo secreto dos acontecimentos e afirmando que seu objectivo era o de «f...a União» (sic) [8]. A partir daquele momento, eles não compreenderam mais nada do que se estava a passar.
Se eles tivessem permitido a livre pesquisa em seus países, eles teriam percebido que, ao intervir na Ucrânia e aí ter organizado a «mudança de regime», os Estados Unidos asseguravam-se que a União Europeia permaneceria ao seu serviço. A grande angústia de Washington, após o discurso de Vladimir Putin na Conferência sobre a Segurança em Munique de 2007, é que a Alemanha perceba onde está o seu interesse : não com Washington, mas sim com Moscovo [9]. Ao destruir progressivamente o Estado ucraniano, os Estados Unidos cortam a principal via de comunicação entre a União Europeia e a Rússia. Vós podeis virar e revirar, em todas as direções, a sucessão dos eventos, e não conseguireis achar-lhe um sentido diferente. Washington não deseja que a Ucrânia se junte à União, como o atestam as declarações da Srª. Nuland. O seu único objectivo é transformar este território numa zona de circulação perigosa.
A planificação militar do E.U.
Eis-nos pois face a dois problemas que se desenvolvem muito rapidamente : os atentados «islamistas» apenas começaram. Os migrantes triplicaram no Mediterrâneo em apenas um único ano.
Se a minha análise fôr exacta, nós vamos assistir ao longo da próxima década aos atentados «islamitas» ligados ao Médio-Oriente Alargado e à África copiados como atentados «nazis» relacionadas com a Ucrânia. Descobriremos, então, que a Al-Qaida e os nazis ucranianos estão conectados desde o seu congresso conjunto, em 2007 em Ternopol (Ucrânia). Na realidade, os avós de uns e de outros conheciam-se desde a Segunda Guerra Mundial. Os nazis haviam, então, recrutado muçulmanos soviéticos recrutados para lutar contra Moscovo (foi o programa de Gerhard von Mende no Ostministerium). No fim da guerra, uns e outros foram recuperados pela CIA (o programa de Frank Wisner com a Amcomlib) para realizar operações de sabotagem na URSS.
As migrações no Mediterrâneo, que de momento são apenas uma questão humanitária (200 000 pessoas em 2014), vão continuar a crescer até se tornarem um sério problema económico. As recentes decisões da União de ir afundar os navios dos traficantes na Líbia não servirão para erradicar as migrações, mas para justificar novas operações militares para manter o caos na Líbia (e não para o resolver).
Tudo isso causará grandes problemas à União Europeia, que parece hoje em dia um refúgio de paz. Está fora de questão para Washington destruir este mercado que lhe continua a ser indispensável, mas interessa-lhe certificar-se que ele jamais se colocará em posição de poder competir face a si, e limitar assim o seu desenvolvimento.
Em 1991, o presidente Bush-pai encarregou um discípulo de Leo Strauss, Paul Wolfowitz (então desconhecido do grande público), de elaborar uma estratégia para a era pós-soviética. A «Doutrina Wolfowitz» explicava que a supremacia dos Estados Unidos sobre o resto do mundo exige, para ter êxito, de controlar à rédea curta a União Europeia [10]. Em 2008, aquando da crise financeira nos Estados Unidos, a presidente do Conselho Económico da Casa Branca a historiadora Christina Rohmer, explicou que a única maneira de salvar os bancos era fechar os paraísos fiscais de países terceiros, depois causar perturbações na Europa de modo a que os capitais fugissem para os Estados Unidos. Em última análise, Washington propõe-se hoje em dia a fundir o NAFTA e a União Europeia, o dólar e o euro, e a rebaixar os Estados-Membros da União ao nível do México [11].
Infelizmente para si próprios, nem os Povos da União Europeia, nem os seus dirigentes têm a consciência do que o presidente Barack Obama lhes prepara.


Thierry Meyssan - Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
Tradução:    Alva


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